Isenção prejudicada

Eleição para juiz nos EUA gera crise de legitimidade

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29 de junho de 2009, 12h56

Em 34 dos 50 estados dos Estados Unidos, os juízes das supremas cortes são advogados, juízes dos tribunais estaduais e federais inferiores, juristas, professores e pesquisadores do Direito escolhidos por votação popular. Na opinião da professora Penny White, da University of Tennessee College of Law, o sistema de eleição no Judiciário precisa ser aprimorado, sob o risco de perda de legitimidade.

A professora, que já foi juíza da Suprema Corte do Tennessee, concedeu entrevista ao jornalista André Camodego, da Assessoria de Comunicação do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo). Ela explicou que as eleições para o Judiciário no 34 estados acontecem em intervalos que variam de dois a 14 anos. Em 21 estados, a candidatura é partidária e em 11, não. Na Virgínia e na Carolina do Sul, as eleições para cada legislatura ocorrem junto com a dos demais Poderes. Nos outros estados, a escolha dos juízes é feita por indicação ou nomeação do governador. Nesses casos — entre eles está o Tennessee — os candidatos ao cargo de juiz passam por comissões de avaliação e, ao fim do mandato, pelas eleições de retenção. Estas são similares à eleição do Judiciário nos outros estados. É a população decide se quer que o juiz continue no cargo.

Questionada sobre o financiamento de campanha, que gera problemas no Executivo e Legislativo brasileiros, Penny White afirma que no Judiciário americano não é diferente. “Em seis anos, o total dos gastos no Tennessee com as campanhas para a Suprema Corte do estado cresceram 61%. Em 1994, elas somaram quase US$ 21 milhões. Em 2000, chegaram perto dos US$ 46 milhões.”

Dado ainda mais significativo apresentado pela professora é de que cerca de 30% da arrecadação parte de escritórios de advocacia. “Levantamento feito em 2006 deu conta de que cerca de 20% das verbas são provenientes de fontes desconhecidas e de que cerca de 45% do dinheiro são doados por empresários de diversos ramos.”

Para Penny White, a imagem do Judiciário fica prejudicada. “A questão acaba envolvendo uma crise de legitimidade junto ao cidadão.” Pesquisa do Instituto Gallup feita em 2009 e citada pela professora revela que a influência das contribuições em dinheiro para as campanhas eleitorais do Judiciário é um problema para 89% dos entrevistados. Outra pesquisa mostrou que 76% dos entrevistados acreditam que os doadores recebem um tratamento diferenciado no tribunal.

Segundo a professora, a Suprema Corte dos Estados Unidos deu uma resposta importante para minimizar o problema. Em maio, decidiu que os juízes eleitos têm de se declarar impedidos em casos que envolvam pessoas, grupos ou empresas que tenham doado quantias expressivas de dinheiro em suas campanhas. “A decisão foi proferida no caso Caperton versus Massey Coal, que envolveu uma controvérsia entre grandes mineradoras de carvão e a acusação de que o juiz da causa pendeu para o lado da empresa que doara US$ 3 milhões para sua campanha. Foi a primeira vez que a Suprema Corte se manifestou no sentido de que a atuação do juiz em casos que tratem dos interesses de seus doadores viola o devido processo.”

O modo como o sistema eleitoral para juízes nos Estados Unidos é organizado pode se revelar arriscado. “A verdade é que as eleições acabam sendo decididas com base nos pontos de vista dos candidatos sobre temas como o ‘casamento’ entre pessoas do mesmo sexo e o aborto, para citar só os mais delicados e mais debatidos. Os riscos que essa realidade pode trazer para o desenvolvimento da sociedade dispensam comentários.”

Efeito do voto
Penny White fala de algo pelo qual já passou. Em 1996, ela não foi reeleita para o cargo de juíza da Suprema Corte do Tennessee em razão de um voto proferido durante um julgamento. O caso era tão polêmico quanto os citados acima. Ela votou contra a pena de morte para réu que estuprou e assassinou uma mulher de 78 anos.

“Apesar de não ter sido a única a votar contra a aplicação da pena de morte naquele caso específico, o julgamento foi feito pouco antes do término do meu mandato e o fato deflagrou uma verdadeira campanha por parte do Partido Republicano contra a minha reeleição. Meus opositores foram a público afirmar que eu seria contrária à aplicação da pena de morte em qualquer hipótese, o que, na época, não era verdade”, explica.

A professora disse que a pena de morte é uma questão nevrálgica para os cidadãos do Tennessee. “A população não reage bem à possibilidade de esse instituto deixar de existir e quer continuar a ter a certeza de contar com ele”, disse.

Se na época do julgamento White não era contra a pena de morte, hoje, é. Isso porque, explica, o sistema dos Estados Unidos é incapaz de garantir a ampla defesa dos acusados. “Nós temos um sistema público de defesa estadual e um federal, que está sobrecarregado, e um programa de remuneração de advogados dativos. Só que os valores pagos são muito baixos e os escritórios não dispõem dos mesmos recursos que os chamados defensores públicos — e muito menos a acusação — têm”, afirma.

Outra questão abordada pela professora é o que chama de politização do Judiciário. Ela contou o caso do Partido Republicano de Minnesota versus White, de 2002. “A Suprema Corte dos Estados Unidos aplicou a Primeira Emenda ao decidir que proibir os candidatos à magistratura de debater questões políticas é inconstitucional. Isso porque o Judiciário do estado de Minnesota, como muito outros, tem em seu código de ética a chamada ‘cláusula de anúncio’.” O dispositivo impede os juízes de declarar ou anunciar sua opinião sobre questões que podem ser, eventualmente, apreciadas em ações judiciais. “É como se a imparcialidade do juiz ficasse automaticamente comprometida se ele respondesse a algumas questões políticas publicamente”, explica.

Para Penny White, que participou de evento na Escola da Magistratura Federal da 2ª Região no Brasil, o modelo brasileiro, em que a maioria dos julgadores entra na carreira por concurso, evita alguns problemas pelos quais o Judiciário americano já teve. “A oportunidade de ver de perto o Judiciário brasileiro me ajudou a refletir sobre o americano, principalmente no que se refere à preocupação que o Brasil tem com a transparência da instituição e com universalização do acesso à Justiça. Talvez vocês é que tenham o melhor sistema judicial do mundo”, disse.

A mesma impressão teve a juíza Elizabeth A. Jenkins, do Distrito da Flórida, que também já falou para juízes e advogados no TRF-2. Ela assistiu sessões do tribunal e se surpreendeu com o fato de os desembargadores deliberarem seus votos em público. Nos Estados Unidos, explicou, o debate que dará origem à decisão colegiada é feito em uma sala reservada. Ela também disse que os tribunais não costumam divulgar as decisões em suas páginas na internet. Até há empresas que fazem esse serviço, mas cobram por ele.

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