SEGUNDA LEITURA

Estado deve resguardar o limite do teto salarial

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de junho de 2009, 9h35

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No Brasil, o tema “teto salarial” vai e volta no noticiário. A discussão não é nova, mas ainda suscita debates. A mais recente referência é a de que o “Senado paga para cerca de 350 funcionários salários maiores do que os dos ministros do Supremo Tribunal Federal” (Consultor Jurídico, Noticiário Jurídico, em 23/6/2009). Em poucas palavras, paga-se mais aos 350 servidores do que aos ministros do Supremo Tribunal Federal, que detém o limite máximo no serviço público, conforme artigo 37, inciso XI, da Constituição.

O tema veio a debate nos anos 1990 e seguiu nos anos 2000. O site do Consultor Jurídico (acesso em 27/6/2009) registra antigas notícias sobre o assunto, como: “Teto salarial: decisão volta para o Congresso”, medida tomada pelos ministros do STF (22/6/1998); “O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro continua bloqueando os reajustes salariais da magistratura (13/10/1998); “Os três poderes e o teto salarial do funcionalismo”, artigo em 14/3/2000; “Rosinha pede aos três Poderes teto salarial para servidores”, notícia envolvendo o Estado do Rio de Janeiro (20/2/2003).

Os subsídios de um ministro do STF são de R$ 24.500,00. É o teto máximo dos servidores públicos brasileiros. Ele foi definido na Reforma da Previdência, em dezembro de 2003 (EC 41/2003). Não é tanto quanto os US$ 14.173 da Corte Internacional de Justiça, em Haia, nem tão pouco como o equivalente a US$ 30, recebidos por um juiz da Suprema Corte Popular de Cuba. Nem cabe comparar o teto dos servidores com a remuneração da iniciativa privada, pois são situações absolutamente distintas.

Na iniciativa privada não há teto salarial. Evidentemente, uma empresa pode ter normas internas regulamentando o assunto. Mas não há lei a disciplinar a matéria. Pela simples razão de que isto atentaria contra a livre iniciativa. Jogadores de futebol, por exemplo, recebem elevados salários (diretos ou indiretos) e, para isto, inexiste limite. Apesar disto, na Itália o “presidente-executivo do Milan, Adriano Galliani, propôs que o futebol adote um teto salarial para cortar os custos, uma vez que o esporte tem sofrido os impactos da crise econômica global” (www.google.com.br, notícia em 19/3/2009, acesso 27/6/2009).

Nas sociedades de economia mista não vigora o teto constitucional, porque elas são pessoas jurídicas de Direito Privado. Ainda assim, cogita-se a instalação de uma CPI para apurar os salários da Petrobrás, em que o presidente receberia em torno de R$ 60 mil mensais (O Estado de São Paulo, 26/6/2009, A9).

Como se vê, o tema, que não é novo, suscita debates com alta carga de emoção. A norma (Constituição e legislação que a complementa) não eliminou a discussão. Os vencimentos foram postos sob controle, mas questões particulares continuam a bater às portas do Judiciário e do CNJ.

Mas então, o que se encontra atrás de toda esta discussão? Muito individualismo, sem dúvida. E desprezo pelo contido no artigo 3º, inciso I, da Constituição, que fala em uma sociedade livre, justa e solidária Algumas conclusões podem ser tiradas. Vejamos:

1) Nos discursos, de todas as origens e instâncias, combate-se, com veemência, a desigualdade social no Brasil. Mas a realidade é bem diferente. Poucos abrem mão do que quer que seja, a favor dos menos favorecidos. Os supersalários do serviço público constituem a mais eloquente demonstração de pouco caso com uma adequada distribuição de renda. Os limites entre o mínimo e o máximo pago, nos países socialmente mais avançados, fica na proporção de 1 para 10. No Brasil, a disparidade vai longe. Tivemos casos, antes da existência do teto, de remunerações superiores a R$ 50 mil. Regra geral, por força de decisões judiciais. Isto em um país que, por vezes, paga pouco menos ou pouco mais de R$ 1 mil a um professor ou a um policial.

2) O administrador público, por vezes, vale-se de subterfúfios para pagar acima do teto. São pagamentos feitos fora do contra-cheque (hollerit). Por vezes, até, com boas intenções, como forma de estímulo. Outras, nem tanto. Mas, agindo desta forma, ele estará assumindo o risco de responder ações judiciais, criminal e por improbidade administrativa. No caso dos Tribunais, o presidente é o ordenador de despesa e assume, sozinho, esta responsabilidade.

3) O Judiciário e o CNJ devem estar atentos às frequentes tentativas de descumprimento do teto salarial, uma das mais difíceis e relevantes conquistas deste país em toda a sua história. Elas sempre vêm acompanhadas de argumentos bem deduzidos e fundamentados. Mas o princípio deve ser mantido, sob pena de flagrante retrocesso.

4) A iniciativa privada não deve ser objeto de interferência. Se o presidente da Petrobrás, ou de outra grande sociedade de economia mista, recebe bem, é porque, no mercado em que atua, assim recebem os executivos. Diminuir sua remuneração significará perda dos mais competentes para as empresas concorrentes.

Voltando ao início, a última notícia de ofensa ao teto parte do Senado. A este caso, isoladamente, caberá ao Ministério Público tomar as medidas pertinentes. Porém, mais importante do que isto, é que entre a necessidade e a ambição do ser humano o Estado ponha limites e, em se tratando de remuneração do servidor público, este limite chama-se teto salarial.

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