Poder e direito

Teoria traz novas concepções às relações do trabalho

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26 de junho de 2009, 8h45

A compreensão de poder nas relações sociais sempre se revelou um fértil campo de estudo, servindo como objeto de trabalho para filosofia, sociologia, história, política e direito, fato este que impossibilitou a formação de um conceito uníssono de poder.

Ao analisar a diversidade dos conceitos, observa-se que as assertivas sobre o que é poder estão diretamente relacionadas ao projeto político que cada um dos seus defensores acredita. Tradicionalmente, o poder é compreendido como algo que é exercido por um agente capaz de impor sua vontade a outrem, independentemente da sua anuência. Essa noção tradicional está necessariamente ligada à ideia de liberdade, ou melhor, de restrição da liberdade individual pela dominação de um indivíduo por outro.

Max Weber (1991, p.33) apresenta um clássico conceito de poder ao asseverar que: “poder significa toda probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Ou melhor, é a probabilidade de que uma ordem com um determinado conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas.

Ao analisar o poder Weber (1991, p.16) fala do conceito de potência que segundo ele seria: “toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”. Nessa definição, apesar de aparentemente idênticos os conceitos de poder e potência, distinguem-se pelo fato do primeiro apresentar um elemento diferenciador, qual seja, a especificidade.

Existe poder quando a potência, determinada por certa força, se explicita de uma maneira muito precisa. É o caso de alguém que recebe uma ordem de outrem e deve cumpri-la. Por esse conceito, têm-se no mesmo patamar os conceitos de poder e dominação, de tal forma que ambos dão-se dentro da ótica da relação social.

A moderna sociologia norte-americana apresenta uma teoria interessante e que reforça a ideia de Max Weber. É a teoria do “poder de soma zero”. Defende essa teoria que o poder que alguém ou uma instituição possui é a contrapartida do fato de que alguém ou outra instituição não possui. Se ‘X’ detém poder é porque um ou vários ‘Y’ estão desprovidos de tal poder.

Hodiernamente, a teoria tradicional do poder teve seu espírito renovado por Dahl que, em meados do século XX, apresenta a seguinte definição: “poder é a relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário não ocorreria”. Dessa feita, enquanto relação entre dois sujeitos, o poder está estritamente ligado à ideia de liberdade; os dois conceitos são definidos um mediante a negação do outro: “O poder de ‘A’ implica a não liberdade de ‘B’; a liberdade de ‘A’ implica o não poder de ‘B’ ”(PERISSINOTTO, Renato Monseff. Revista de Sociologia e Política, nº 20, 2003).

Nessa esteira de entendimento há também, para essa teoria e de forma geral para a teoria tradicional do poder, a ideia de benefício, de tirar proveito e vantagem em torno de uma ação de poder. Assim, o poder serve a quem o detém dentro do sistema capitalista e com a função de acumular mais riqueza para quem o exercita.

Outros sociólogos acreditam que a visão relacional-tradicional de poder é, no mínimo, contestável, recusando-se ele a conceber o poder como sendo, essencialmente, “uma ação imposta por um ator a um outro ator”. Segundo ele, ter o poder não significa ter condições de impor a própria vontade contra qualquer resistência. Essa capacidade de ‘A’ dominar ‘B’ através do poder dá-se em consonância com as regras sociais a quem ambos estão submetidos.

Caminhando no mesmo sentido, Hayward apud PERISSINOTTO (2003, p.38) atesta que o poder deve ser entendido não como algo que uma pessoa poderosa tem, mas como um conjunto de mecanismos sóciopolíticos que funcionam no sentido de limitar o campo de ação de todos os agentes sociais, até mesmo daqueles que a literatura chama de poderosos.

Nesse enfoque, o poder não tem face e não é exercido dentro de uma relação individual, pois é constituído por mecanismos que, por meio de normas, regras, hábitos e outros constrangimentos, que definem identidades e comportamentos a serem “naturalizados” pelos atores submetidos a eles.


Hayward apud PERISSINOTTO (2003, p.42) entende que toda relação de poder entre indivíduos deve ser entendida como fruto de um processo social no qual ambos estão inseridos. Para ela, o poder não se manifesta somente nas situações de conflito ou de violência, no consenso inclui-se também a ideia de poder.

Insta ponderar neste ponto, que as relações de poder existentes em nossa sociedade são notadamente influenciadas pelas forças sociais no qual estão inseridas. Esse contexto social que é formado pelas leis, costumes, preconceitos e crenças constroem e reformulam o poder. Deve-se desconsiderar a ideia de que o poder somente é exercido por um ator que impõe sua vontade para outro ator. O Estado detém poder, as leis, o direito certamente tem uma carga de poder considerável.

Todos os autores posteriores a Dahl enfatizaram que sua visão de poder, cometia, em termos gerais, três equívocos fundamentais. Nesse sentido, Perissinotto analisa de forma precisa tais lapsos, in verbis:

Primeiro, tomava como dadas às preferências manifestas dos atores envolvidos numa dada relação e não as entendia como fruto de um processo social anterior à própria relação e que, por essa razão, deveria ser incorporado a qualquer noção de poder; segundo não incluir no conceito de poder o processo social de construção do consenso, não percebia que nem todas as relações de poder caracterizam-se por situações de conflito aberto; por fim, que, em função dos dois equívocos anteriores, a decisão não poderia ser a evidência incontestável da existência do poder de A sobre B, já que o decisor pode orientar-se pelos limites colocados pelo consenso social e/ou pelos desejos daqueles que se encontram fora do processo decisório stricto sensu. Portanto, nenhum conceito de poder seria completo se não levasse em consideração o contexto social. (Hayward apud PERISSINOTTO, 2003, p.54)

Dessas observações, amplia-se a noção de poder e dos agentes que o efetivam. Assim, além das pessoas exercerem poder, as instituições, valores sociais, costumes, enfim, todos os “mecanismos sociais” podem ser considerados como seus efetivadores. Por mecanismos sociais, entendam-se as práticas cristalizadas na sociedade e as instituições responsáveis pela sua (re)produção.

Não se poderia deixar de analisar dentro da noção de poder as observações exaradas dos estudos feitos por Norberto Bobbio. O filósofo italiano traz afirmações elucidativas sobre o tema ora em foco. Desse modo, assevera que não existe teoria política nem conformação do Estado que não partam de alguma maneira, direta ou indiretamente, de uma definição do fenômeno do poder. A filosofia política, segundo Bobbio (2000, p.251), apresenta três teorias acerca do poder: a substancialista, a subjetivista e a relacional. A substancialista defendida por Hobbes entende que o poder é como qualquer substância material que o homem possui e usa para atingir um determinado objetivo. Para essa primeira teoria, o poder de um homem consiste nos meios de que dispõe para a obtenção de outro bem.

A teoria subjetivista, defendida por John Locke, ensina que poder não é a coisa que serve para alcançar certo objetivo, mas a capacidade do sujeito em obter certos efeitos. Seria, por exemplo, o poder que o soberano tem em determinar e influenciar a conduta dos seus súditos. Na corrente mais moderna e defendida por Bobbio tem-se a teoria relacional, em que o poder é a relação entre dois sujeitos de modo que o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria. É uma versão atualizada da concepção tradicional de poder.

Segundo Bobbio (2000, p.221), existem três formas de poder: o poder econômico, que tem grande importância no cenário de globalização que se encontra a sociedade humana; o poder ideológico, exercitado na maioria das vezes pelos meios de comunicação; e o poder político que é a forma mais “completa” de poder por ter a capacidade de recorrer à força física e a violência para ser executado.

As formas de poder são, em verdade, os mecanismos sociais que, para a teoria moderna de poder, influenciam nas relações humanas e na concepção relacional de poder. Eis o ponto de convergência entre as teorias tradicional e moderna a respeito do poder.


Depreende-se do exposto acima, que o poder deve ser compreendido como uma relação entre dois indivíduos, de modo que um determina o comportamento do outro, com o animo de tirar-lhe alguma vantagem, econômica ou não, de tal forma que essa relação é decisivamente influenciada pelo Estado, pela cultura, pelos costumes, pelas instituições, enfim, pelas forças sociais existentes naquele determinado aglomerado social.

O conceito do Direito
Conceituar direito é arvorar-se pelo mundo jurídico, repensando conceitos, rediscutindo institutos e redefinindo ideias, principalmente, pelo quantum de elementos e particularidades diversas que envolvem o tema. Por isso, pretende-se, a título de introdução, apresentar uma noção sobre a essência do direito observando-se a multiplicidade de conceitos e opiniões que formam o tema, esclarecendo também, que não é da alçada deste trabalho apresentar um conceito acabado do direito.

À guisa de introdução cumpre apresentar o conceito do verbete direito proposto por Guimarães, que diz:

Direito – Palavra plurívoco-analógica, derivada do latim, directu, que substitui o termo jus, do latim clássico, por ser mais expressiva. O jus era o conjunto de normas formuladas pelos homens, destinadas a dar ordem à vida em sociedade. Em Roma, havia também o faz, cuja aplicação cabia aos pontífices. Remotamente a palavra direito significa conduzir, guiar. Porém, hoje em dia, direito traduz o conjunto de normas de conduta impostas para regularizar a convivência humana. (GUIMARÃES, 2006, p.84)

Reale assevera sobre o conceito de direito o seguinte: Direito significa, por conseguinte, tanto o ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras jurídicas que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades de agir, como o tipo da ciência que o estuda, a Ciência do Direito ou Jurisprudência. (REALE, 1998, p.62)

A concepção de direito como ciência será deixada de lado neste trabalho. Buscar-se-á apenas a concepção técnica de direito segundo o ordenamento jurídico vigente. Nessa visão, o direito é identificado como fruto da experiência social, pois só pode existir em função do homem. Isso remete a idéia de Aristóteles onde o homem é compreendido dentro da concepção de ser um animal político e que não apenas existe, mas principalmente coexiste, isto é, vive necessariamente em companhia de outros semelhantes.

Dessa constatação formam-se entre os indivíduos relações sociais de toda ordem: de coordenação, de integração, de dominação, etc, e destas relações tem-se a constituição de grupos e agrupamentos sociais. Surge assim, a estrutura tridimensional do direito que passa a ser compreendido a partir da coexistência dos elementos fato, valor e norma.

Sobre a teoria tridimensional do direito:
Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. (Op.cit. p.67)

Tais elementos ou fatores, quais sejam, fato, valor e norma, não existem separados uns dos outros, eles coexistem de tal forma que se exigem reciprocamente e passam a atuar como elos de um processo dinâmico e dialético que dá vida ao direito. Um fato liga-se a um valor para se expressar e ser protegido através de uma norma, eis a teoria tridimensional do direito.

Diante do apresentado, pode-se definir o direito como uma ordenação heterônoma de relações sociais, baseada numa integração normativa de fatos e valores. Convém lembrar que, como Estado não detém o monopólio dos fatos humanos e nem dos valores que a sociedade estabelece para as relações sociais, ele também não tem o monopólio das normas. Os diversos grupos sociais que existem na sociedade são fontes inexauríveis de normas e por isso, há em nossa sociedade um pluralismo de ordenamentos normativos. Esse pluralismo, como poderá ser observado ao longo deste trabalho, chega a tal ponto que para cada relação social específica chega-se a ter uma espécie de micro-ordenamento jurídico, que muitas vezes é destoante do ordenamento jurídico construído pela sociedade como um todo através do Estado.

Todavia, cabe asseverar que o Estado é a única instituição social que dispõe de amplos poderes, fornecidos por toda a sociedade (contrato social) para dar efetividade às normas jurídicas produzidas pelos seus representantes. Assim, é nítida a relação entre o direito e o poder, cabendo a este último ser o elemento decisório no processo de criação e elaboração da norma jurídica, a partir é claro, dos fatos sociais dotados de valor. A norma jurídica que não reflete os fatos e valores da sociedade, transmitidos através do poder, é como uma torre de marfim em uma ilha deserta, isolada, à margem da realidade e sem efetividade alguma.

Há que se distinguir aqui o seguinte: norma é uma coisa e norma jurídica é outra. A primeira é toda e qualquer regra estabelecida entre indivíduos ou por toda uma sociedade, cujo caráter coercitivo/punitivo é nulo ou praticamente inexistente. A segunda é a norma criada a partir das regras estabelecidas pela Constituição Federal e pelo ordenamento jurídico vigente, com observância obrigatória para todos os indivíduos que compõe a sociedade, sob pena de punições administrativas, penais e civis.

De acordo com nesse raciocínio podemos acrescentar que dentre os elementos do direito, além dos que compõe a teoria tridimensional do direito há o elemento poder. O poder, cuja noção já foi apresentada, é que dá efetividade, cria e mantém o respeito e a obediência de toda a sociedade à norma estabelecida. Como já relatado, o poder não deve ser compreendido somente como poder do Estado, mas é somente o poder estatal que estabelece as normas jurídicas e dota-as de eficácia.

Urge aqui ressaltar uma noção sobre o que é direito objetivo e direito subjetivo. O direito objetivo ou norma agendi é o conjunto de normas que regem o comportamento humano de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção em caso de violação. Dessa forma, fala-se de direito civil, de direito penal, comercial, etc, como um conjunto de normas que regula o comportamento de todos em sociedade.

O direito, no sentido de direito objetivo, é um preceito hipotético e abstrato, cuja finalidade é regulamentar o comportamento humano na sociedade e sua característica essencial é a força coercitiva atribuída pela própria sociedade. Por outro lado, o termo direito subjetivo significa a facultas agendi, que é o poder de exigir um comportamento alheio equilibrado com o próprio comportamento, ou melhor, é a permissão, dada por meio da norma jurídica (leia-se: direito objetivo), para fazer ou não fazer algo, para ter ou não ter alguma coisa, ou para exigir o cumprimento de uma norma infringida ou a reparação de um dano sofrido.

Há duas espécies de direito subjetivo: o direito subjetivo comum de existência que é a permissão de fazer ou não fazer algo, ter ou não ter algo, sem violação de preceito normativo; e o direito subjetivo de defender direito que é a autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo que o lesado pela violação da norma está autorizado por ela a resistir contra a ilegalidade, a fazer cessar o ato ilícito, a reclamar reparação pelo dano sofrido e a processar os ofensores.

Sedimentando foi apresentado, deve-se atentar para a clara influência que o direito também exerce junto às relações de poder. É o direito que legitima e fundamenta a ação ou omissão dos atores sociais. Nesse sentido, as relações interindividuais são influenciadas pelo poder e reguladas pelo direito em um sistema de interação mútua. A relação de trabalhado enquadra-se nessa assertiva, sendo determinada pelo direito laboral e pelas forças de poder que fazem e compõem essa relação fática.

Não cabe no presente estudo fazer uma análise jurídica da relação de trabalho. Isso já foi feito de forma exaustiva ao longo do curso de direito. Deve-se priorizar o estudo dos elementos que influenciam e determinam a relação de trabalho da forma como ela está estruturada hoje.

A relação de trabalho como uma relação de poder é composta por três elementos de poder: o primeiro é o elemento-poder capital, o segundo é o trabalho e terceiro o elemento-poder Estado. Cabe deixar claro que as relações de trabalho que estão sob análise deste estudo são aquelas formadas dentro do sistema capitalista, cujo início deu-se com a substituição da mão de obra servil da Idade Média pelo trabalho livre e subordinado das Idades Moderna e Contemporânea.

Com a queda do feudalismo na Europa, num longo processo iniciado a partir do século XVII, a sociedade se divide claramente em duas classes. De um lado, a burguesia, dona dos meios de produção – instalações, máquinas, matérias primas etc. O termo burguesia deriva de burgos, que eram as pequenas localidades nos arredores dos feudos, onde viviam os comerciantes e os artífices – os germes dos futuros industriais. Do outro, o proletariado, desprovido de tudo, obrigado a vender a sua força de trabalho aos capitalistas. A expressão proletariado vem do latim da antiga Roma e designa os cidadãos que viviam à beira da miséria e que tinham uma prole numerosa. (texto internet origem e papel dos sindicatos).

Feita esta ressalva, passa-se a analisar cada um dos elementos-poder.

O elemento-poder capital representa o poder do empregador no contexto de formação e modificação das relações laborais. Ele surgiu com próprio sistema capitalista através do acúmulo de capital e concentração de riqueza nas mãos de poucos, tendo sua importância ampliada desde Revolução Industrial no século XVIII até a atual fase do capitalismo conhecida como Neoliberalismo.

Esse elemento tem uma enorme influencia na formação dos Estados Modernos e nos processos de transformação que a sociedade global viveu a partir das três revoluções burguesas: a francesa, a industrial e a americana. Assim, o elemento capital além de força própria busca de todas as formas aparelhar-se da estrutura e das ações do Estado, impondo-lhe diretrizes e cobrando metas, fato este já bastante estudado por inúmeros autores, o que nos faz dispensar maiores delongas.

O elemento-poder trabalho representa o poder dos trabalhadores, organizados ou não, no contexto da relação de trabalho. Esse elemento-poder começou a ser exercitado, digamos, com busca dos trabalhadores por condições de trabalho humanas e dignas. As primeiras relações de trabalho surgiram notadamente a partir da Revolução Industrial, nessas o poder do capital era sobejamente superior ao poder emanado dos trabalhadores, cabendo àqueles quase que exclusivamente estabelecerem as condições de trabalho a serem cumpridas pelos empregados.

As condições de trabalho do século XVIII que, diga-se de passagem, não são muito diferentes das que encontramos em alguns lugares do Brasil, eram marcadas por jornadas de trabalho excessivas chegando até a dezesseis horas diárias, baixos salários, péssimo ambiente de trabalho causando inúmeras doenças e acidentes aos trabalhadores, exploração da mão de obra infantil e feminina nas fábricas, enfim, os trabalhadores não tinham proteção alguma e sofriam com um trabalho desumano e degradante.

Cumpre apresentar aqui alguns trechos de escritores da época que bem retratam a realidade em que viviam [1]: Mais de 1 milhão de seres humanos estão realmente morrendo de fome e esse número aumenta constantemente. …Ë uma nova era na história que um comércio ativo e próspero seja índice, não de melhoramento da situação das classes trabalhadoras, mas sim de sua pobreza e degradação: é a era que chegou a Grã-Bretanha. (P. Gaskell, 1836)

Quando um estrangeiro passa pelas massas humanas que se acumulam ao redor das tecelagens e estamparias…não pode deixar de contemplar essas ‘colmeias abarrotadas’ sem uma sensação de ansiedade e apreensão que beira o desalento. A população, tal como o sistema a que ela pertence, é nova, mas cresce a cada momento em força e extensão… Há energias vigorosas adormecidas nessas massas…A população manufatureira não é nova apenas em sua formação: é nova também em seus hábitos de pensamento e ação, que se formaram, pelas circunstâncias da sua condição com pouca instrução, e orientação externa ainda menor. (W. Cooke Taylor, 1842)

Com o crescimento do operariado, a sua concentração nos centros urbanos, as constantes revoltas por melhores condições de vida e de trabalho fizeram com que a classe operária aos poucos aprendesse a se organizar.

Nessa realidade, os trabalhadores começaram a exercer seu elemento-poder buscando melhores condições de trabalho e para isso atuavam ora junto ao empregador, ora junto ao Estado.

Para ser efetiva e fazer frente ao capital, a ação dos trabalhadores passou a ser coletiva e deu origem aos primeiros movimentos e associações de operários. Surgem então o ludismo, cartismo, sindicalismo, etc.

Na Inglaterra, onde o emprego da máquina era mais generalizado, surgiu o Ludismo, movimento que recebeu o nome de seu líder, Ned Ludd que pregava a destruição das máquinas como forma de resolver os problemas sociais. A máquina, portanto, era a inimiga principal dos trabalhadores.

Organizando-se de forma mais consistente e para atender os casos de acidentes de trabalho, doenças ou mesmo de desemprego, os operários criaram as primeiras associações de auxílio mútuo, que funcionavam por meio de cotizações. Dessas associações surgiram os sindicatos de trabalhadores, reunindo operários de um mesmo ofício. Através de seus representantes, os sindicatos conseguiam obter dos patrões melhores salários e horários de trabalho, Essas conquistas foram fruto de muitas lutas porque durante muito tempo os parlamentos dos diversos países procuraram dificultar a organização dos trabalhadores proibindo o funcionamento dos sindicatos.

Em 1832, o Parlamento inglês aprovou o Reform Act (lei eleitoral que privou os operários do direito ao voto). Os trabalhadores reagiram e formularam suas reivindicações na "Carta do Povo", fundando o primeiro movimento nacional operário do nosso tempo, o "cartismo” que ajudou os operários ingleses a melhorarem suas condições de vida e deu-lhes experiência de luta política. Assim, em 1833, surgiu a primeira lei limitando a 8 horas de trabalho a jornada das crianças operárias. Em 1842 proibiu-se o trabalho de mulheres em minas. Em 1847, houve a redução da jornada de trabalho para 10 horas.

O "cartismo" extinguiu-se por volta de 1848, mas foi uma etapa importante do aprendizado e da conscientização política dos trabalhadores, não só ingleses como de toda a Europa. Mostrou que a miséria do operariado devia-se não à máquina ou a mesquinhez pessoal dos empresários, mas à própria estrutura do sistema capitalista. Segundo a definição de Lénine, o cartismo foi “o primeiro movimento revolucionário proletário amplo, verdadeiramente de massas, politicamente estruturado”, sendo, portanto, um marco na organização dos trabalhadores [2].

Como resultado de algumas conquistas dos trabalhadores, que em outros termos significava diminuição do lucro da burguesia, houve uma reação do elemento-poder capital que, com seus ideais liberalizantes, tentaram inviabilizar as conquistas do poder trabalhista.

A título de exemplo, tivemos a aprovação da Lei Chapelier que na época da Revolução Francesa e em nome da liberdade dos Direitos do Homem, considerou ilegais as associações de trabalhadores e patrões. Modernamente, essa atuação do elemento-poder trabalho dá-se de várias formas, seja através dos sindicatos ou partidos políticos, seja nas mesas de negociações dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho.

Passa-se a analisar o elemento-poder estatal. Com o passar do tempo, o poder laboral sentiu a necessidade de buscar um aliado importantíssimo na busca do equilíbrio na relação de trabalho: o Estado. Havia a necessidade do Estado tomar um lado no choque de poder que começava a existir e para isso deveria construir um conjunto de regras mínimas que levassem ao trabalhador dignidade e ao empregado o lucro: surge o Direito do Trabalho.

Tal situação não posicionava o Estado do lado do trabalhador, muito pelo contrário como veremos adiante nesse estudo. Apenas atesta-se que o Direito do Trabalho surge num contexto de elevada pressão das forças laborais e apresenta-se como um conjunto de normas e princípios que objetivam regular a relação de trabalho, dotando-a de equilíbrio.

Desse raciocínio, depreende-se facilmente que o direito do trabalho surge como resultado das forças sociais de poder. Mesmo já tendo sido caracterizando como fato, valor e norma, tais elementos ganham maior ou menor importância na constituição do direito de acordo com o poder. E no direito do trabalho não poderia ser diferente.

Como já dito, o Estado aparece na relação de trabalho com o intuito de dotar essa relação de um desequilíbrio menor. E para isso ele utiliza-se do direito laboral.  O Direito do Trabalho surge como exercício do poder Estatal, ora influenciado pelos trabalhadores, ora influenciado pela burguesia e apresenta as seguintes fases históricas: a etapa das manifestações incipientes ou esparsas; a fase de sistematização e consolidação; a institucionalização do Direito do Trabalho; e a crise e transição do Direito do Trabalho. Passamos a analisar cada uma delas.

A fase das manifestações incipientes ou esparsas inicia-se com a expedição do Peel’s Act em 1802, na Inglaterra e se estende até 1848. O Peel’s Act fixou inúmeras restrições ao trabalho dos menores garantindo aos mesmos melhores condições de trabalho.

As leis dessa época buscavam tão somente reduzir a brutal e desumana superexploração do capital em relação aos trabalhadores, com especial destaque para a proteção dos menores e das mulheres. O surgimento de tais normas não foi suficiente para criação de um ramo autônomo do direito e não se estabeleceu um conjunto ordenado e sistemático de normas para as relações de trabalho.

Na segunda fase caracteriza-se a de sistematização e consolidação, iniciando-se em 1848 e estendendo-se até 1919. Como o próprio nome indica nessa fase há uma consolidação dos atos normativos que tratam da relação de trabalho, consolidação esta que tem por base o exercício do elemento-poder Estado e este a partir das pressões sociais dos trabalhadores organizados, ou seja, poder do trabalho.

Dentro dessa fase, o ano de 1848 apresenta-se como marco inicial por uma considerável ampliação do poder dos trabalhadores na sociedade da época. Isso ocorre a partir da ampliação das ideias socialistas e comunistas disseminadas no mundo pelo Manifesto do Partido Comunista, lançado nesse mesmo ano. Há também nesta data a eclosão de diversas Revoluções em toda a Europa, notadamente na França há uma insurreição dos operários em Julho de 1848, que almejavam a implantação de uma República com natureza democrática e socialista. Essa revolução teve como resultados a instauração da liberdade de associação e a criação do Ministério do Trabalho da França.

Nesse sentido tem-se a seguinte afirmação: "O ano de 1848 é, de fato, marco decisivo à compreensão da História do Direito do Trabalho. Isso, pela verdadeira mudança que produz no pensamento socialista, representada pela publicação do Manifesto de Marx e Engels, sepultando a hegemonia, no pensamento revolucionário, das vertentes insurrecionais ou utópicas. Do mesmo modo, pelo processo de revoluções e movimentos de massa experimentado naquele instante, indicando a reorientação estratégica das classes socialmente subordinadas. Estas passam a se voltar a uma linha de incisiva pressão coletiva sobre o pólo adverso na relação empregatícia (o empresariado) e sobre a ordem institucional vigorante, de modo a insculpir no universo jurídico mais amplo da sociedade o vigor de sua palavra e de seus interesses coletivos." (DELGADO, 2006, p.95)

Todo o processo que se segue do histórico ano de 1848 até 1919 com o fim da 1ª Guerra Mundial, é marcado por avanços e retrocessos na ação dos movimentos de ação coletiva dos trabalhadores. Mas dentre essas idas de vindas, resultantes dos choques de poder entre o capital e o trabalho há que se chegar a seguinte conclusão: é nessa fase que ocorre um aumento significativo nas normas que regulam as relações de trabalho e o caminho adotado pela maioria dessas leis é o de humanizar a relação laboral.

A terceira fase do Direito do Trabalho, fruto do exercício do elemento-poder Estado é tida como fase de institucionalização. O marco inicial dessa fase é a Constituição de Weimar e a criação da Organização Internacional do Trabalho (fim da 1ª Guerra Mundial), ambas em 1919, estendendo-se até o final do século XX com a 3ª Revolução Industrial a partir da década de 70.

Nessa fase histórica, o Direito do Trabalho é alçado a categoria de direito fundamental, merecendo proteção constitucional. O exercício e a efetiva proteção aos direitos dos trabalhadores passam a ser tratados como condição de exercício da cidadania.

Há também uma efetiva intervenção normativa na economia, em favor, via de regra, buscando a distribuição social dos ganhos do sistema econômico. Assim, os trabalhadores começaram a ser efetivamente protegidos pelo Estado em face da ação opressora do capital.

É nesse momento também que o Direito do Trabalho passa a ser considerado como ramo jurídico autônomo e incorpora-se à dinâmica institucional da sociedade e à concepção jurídica Estatal. Por dinâmica social entende-se que os trabalhadores, através da negociação coletiva, passaram a produzir autonomamente normas trabalhistas. Por concepção estatal entenda-se a constante produção heterônoma de normas jurídicas.

Portanto, a oficialização e institucionalização do Direito do Trabalho fez-se em linha de respeito a duas dinâmicas diferenciadas de formulação de normas jurídicas: a dinâmica negocial autônoma, concretizada no âmbito da sociedade civil, e a dinâmica estatal heterônoma, produzida no âmbito do aparelho do Estado.

Ainda na terceira fase e com o fim da 2ª Guerra Mundial, há um aprofundamento do processo de constitucionalização do Direito do Trabalho e o surgimento do Estado do Bem Estar Social, com a social-democracia européia, para fazer frente ao Estado Liberal. É nesse contexto também que os princípios são incorporados às Cartas constitucionais de diversos países, dando uma carga valorativa e humanizadora à relação de trabalho.

A quarta fase do Direito laboral é a que vivemos agora, a partir terceira Revolução Industrial, com a microeletrônica, robótica e informática, até os dias atuais. Nesse contexto surge a ideologia do Neoliberalismo econômico e suas influências na concepção de Estado, modificando a visão adquirida com a consolidação do Estado do Bem Estar Social.

Do neoliberalismo advém a concepção de se desregulamentar o Direito do Trabalho, bem como a de buscar sempre a intervenção normativa do Estado na economia e nas relações a ela inerentes, leia-se relação de trabalho. Além do já relatado essa fase pode ser compreendida como uma crise para a ruptura do atual modelo trabalhista e o surgimento de um Direito do Trabalho renovado.

O poder nos dias atuais deve ser compreendido como fruto das relações sociais de forma que toda relação existente entre indivíduos é uma relação de poder. Nesse contexto, as instituições e o Estado exercem considerável papel na forma como será dada a relação fático-jurídica de poder.

O direito pode ser compreendido como uma ordenação heterônoma de relações sociais, baseada numa integração normativa de fatos e valores. Dessa concepção, pode-se asseverar que assim como o poder, o direito é fruto as experiências sociais.

Assim sendo, o direito e poder são duas faces da mesma moeda, de modo que o poder passa a integrar o direito em todas as suas etapas constitutivas e vice-versa. Tanto é verdade que se pode atestar a existência do poder como o quarto elemento constitutivo do direito, dotando os fatos e valores normativos de maior ou menor importância, legitimidade e eficiência.

Ante a essas observações e levando-se em consideração a consolidada teoria tridimensional do direito do notável Professor Miguel Reale, pode-se sugerir a existência de uma nova teoria: a teoria quadrimensional do direito, em que aborda-se o direito como um fenômeno decorrente conjunção dos elementos fato, valor, norma e poder.

Nesse diapasão, a relação de trabalho também passa a ter uma concepção diferente, sendo composta por três elementos de poder, a saber: capital, trabalho e Estado. O capital manifesta-se através do poder daquele que dispõe dos meios de produção; o trabalho pela organização e influencia dos trabalhadores na composição da relação laboral; e o Estado através da construção do ordenamento jurídico pátrio e das suas instituições.

Outra constatação que pode ser feita é que a maioria das relações de trabalho que vigoram em nosso país ofendem os direitos dos trabalhadores e o princípio da dignidade da pessoa humana, ante a preponderância concreta do elemento-poder capital em nossas vidas. As exceções, que são aquelas que respeitam os direitos laborais, são dessa forma por que foram decisivamente influenciadas pelos elementos trabalho e Estado.

Referências
[1] CARMO Gisele Abraão do. A vida do Trabalhador na Inglaterra do éculo XIX. Clique aqui para acessar.
[2] OLGA Maria A. Cartismo e Ludismo. Clique
aqui para acessar.

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