Eliana x Benedito

Novo pedido de vista acirra ânimos no STJ

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24 de junho de 2009, 17h11

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça foi palco, nesta quarta-feira (24/6), de discussão e troca de críticas entre os ministros Benedito Gonçalves e Eliana Calmon. A ministra se irritou quando Gonçalves adiou pela terceira vez — depois de ter pedido vista há oito meses — o julgamento de um Recurso Especial contra a Eletrobrás que pode resultar em prejuízo de até R$ 3 bilhões para a empresa.

O adiamento jogou uma ducha de água fria na ministra Eliana Calmon, relatora do caso. Ela havia sobrestado algumas centenas de ações semelhantes sob o regime de Recursos Repetitivos. A expectativa é votar a questão no dia 12 de agosto, primeira sessão do segundo semestre. 

O recurso discute a prescrição do pedido de correção monetária de empréstimos compulsórios feitos pela Eletrobrás entre 1964 e 1993. A depender dos critérios para o cálculo da dívida, esse valor pode chegar a R$ 3 bilhões, que devem ser pagos para os consumidores/credores. No voto proferido em outubro, ela foi a favor dos contribuintes e disse que o caso não prescreveu. Se o caso não for julgado até abril de 2010, os consumidores que não ajuizaram ações terão prescrito o direito de cobrar a dívida. 

No dia 16 de junho, Gonçalves informou que finalmente colocaria o recurso em pauta. Na manhã desta quarta-feira, porém, o ministro comunicou aos colegas de Seção que adiaria o julgamento, poucas horas antes da sessão começar. Segundo Benedito Gonçalves, o motivo de adiamento foi uma conversa, na sexta-feira, com o advogado-geral da União, Antonio Dias Toffoli.

De início, Gonçalves disse que Toffoli pretendia apresentar fatos novos e, por isso, não teve condições de terminar o voto-vista em tempo. “Eu não tive como concluir meu voto”, afirmou Gonçalves. Eliana, irritada, rebateu: “Eu sei que não vai adiantar nada, mas não posso me omitir e devo dizer que sou contra o adiamento”. Ela ainda ironizou o conteúdo da conversa entre Gonçalves e o advogado-geral da União. “É interessante. Eu sou a relatora e não conheço nenhum desses fatos novos”, disse. “E até poderia mudar meu voto”, completou a ministra.

Benedito Gonçalves não deu detalhes do fato novo a que se referia, já que o processo em discussão remete a acontecimentos de décadas atrás. Eliana Calmon então tentou reverter o pedido e propôs que a Seção desse a palavra final. Para isso, a ministra levantou a questão “genérica”: “É possível um ministro decidir monocraticamente sobre pedidos de adiamento?”. O presidente da Seção, ministro Luiz Fux, até tentou levar para votação a indagação, o que jogaria uma tremenda pressão no colo de Benedito Gonçalves.

Os outros ministros da Seção, no entanto, chamaram de “indelicadeza” a tentativa de revogar o adiamento. “Eu não me sentiria bem em um tribunal que me obrigasse a votar”, disse o ministro Herman Benjamin. Ele completou que, em três anos de tribunal, nunca teve de colocar em votação um pedido de vista. Vale lembrar que Herman Benjamim segura, há sete meses, um processo que pode mudar o padrão urbanístico de São Paulo. Ele pediu vista mesmo depois de já ter votado.

Mais uma vez, Eliana Calmon disparou críticas: “O senhor (Benjamin) está equivocado. Você está aqui há três anos e eu estou há dez e coloco para votação os pedidos de vista”. Após a recusa dos ministros em votar o pedido de vista, Eliana Calmon tentou mais uma manobra para colocar em votação o Recurso Especial 1.028.592. Por ser a relatora, ela pediu vista regimental. Assim, poderia esclarecer os tais fatos da AGU e votar antes de Benedito Gonçalves. Com essa manobra, a ministra acabaria com as justificativas dele em relação aos pedidos da União.

Versões
Apresentada a sugestão de Eliana, Benedito Gonçalves mudou de versão. Disse que Toffoli não apresentou fatos novos, mas que havia pedido para estar presente durante julgamento. O pedido de Toffoli foi feito, segundo Gonçalves, para que a União pudesse se manifestar caso surgissem fatos novos — daí as diferentes versões sobre o mesmo pedido de adiamento.

Eliana Calmon não deixou barato. Ela relembrou que, na sessão do dia 22 de outubro, quando Toffoli fez a primeira sustentação oral no STJ em nome da União, o ministro não deu toda essa importância aos desdobramentos do caso. Naquele dia, Toffoli pediu para sair mais cedo para poder participar de sessão no Supremo Tribunal Federal.

Para acabar a discussão, Benedito Gonçalves prometeu que apresenta o voto-vista na primeira sessão após as férias, em 12 de agosto. “Impreterivelmente acontecerá o julgamento. Já fiz, inclusive, intimação pessoal das partes”, disse. Depois de ver tantas trocas de farpas entre os ministros, o advogado Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo, pegou a toga e foi à tribuna. “Eu dou ciência. Mas não posso deixar de dizer que no dia 12 de agosto é uma quarta-feira e há sessão no Supremo”, disse, em referência a uma possível ausência de Toffoli.

Em tom conciliador, o ministro Herman Benjamin pediu que Benedito Gonçalves envie o voto com dez dias de antecedência. A ideia é evitar que surjam dúvidas no voto de Gonçalves e que outros ministros tenham de pedir vista. Benedito Gonçalves se comprometeu, publicamente, a atender a sugestão de Benjamin. Va

O caso
Os ministros decidirão se ainda há tempo para os credores recorrerem contra o pagamento da dívida, que foi feito sem a correção monetária. O recurso está enquadrado no rito da Lei de Recursos Repetitivos. Ou seja, sua decisão será aplicada a todas as causas com semelhante teor. 
O julgamento se dá no Recurso Especial da empresa credora Máquinas Condor.

Antes do pedido de vista de Benedito Gonçalves, votaram os ministros Eliana Calmon e Teori Albino Zavascki. A dupla foi favorável ao contribuinte em relação à não prescrição da causa. Segundo a relatora, o pagamento foi feito somente após a homologação da conversão da dívida em ações. Isso ocorreu em assembleia no dia 30 de junho de 2005 e, portanto, o caso ainda não prescreveu. A Eletrobrás, por outro lado, defende que a data da prescrição conta a partir da data que os credores receberam ação. Assim, não seria mais possível exigir a correção monetária da conversão de créditos. Os ministros votaram também que cabe a Eletrobrás decidir a forma de pagamento.

Os empréstimos compulsórios da Eletrobrás remetem a uma época atribulada da economia brasileira, com troca de moedas e índices de inflação estratosféricos. O empréstimo compulsório foi instituído pela Lei 4.156/62 e vigorou de 1964 a 1993. A Eletrobrás tomava empréstimos mensalmente do contribuinte, com valores embutidos na conta de luz. Esse empréstimo foi cobrado de consumidores de energia que usavam mais de 2.000 kw/h por mês. O pagamento dos juros foi feito antecipadamente. O pagamento do montante principal, por sua vez, foi feito por meio da transferência de ações.

REsp 1.028.592

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