Fumódromo liberado

Leia a decisão que suspende parte da Lei Antifumo

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24 de junho de 2009, 16h06

“Qual magistrado seria mais imparcial (com perdão da tautologia) para apreciar a controvérsia o fumante ou o não-fumante? Tenho ouvido opiniões ora num, ora noutro sentido, o que leva à conclusão de que nenhum dos dois pode ser considerado suspeito. Assim também ocorre em relação a questões sobre aborto, pesquisa de células-tronco embrionárias, casamentos “gay”, divórcio, guarda de filhos etc. Em todos esses casos, o pressuposto é que a decisão será orientada sem preconceitos morais ou religiosos, mas exclusivamente por fundamentação jurídica”.

A observação foi feita pelo juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública, ao suspender, na noite de terça-feira (23/6), parte da Lei Antifumo no estado de São Paulo. O pedido de liminar foi feito pela Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi). Na prática, a decisão libera apenas a existência de fumódromos em estabelecimentos fechados.Clique aqui para ler a a decisão.

A lei, que está prevista para entrar em vigor no início de agosto, determina que os fumódromos sejam banidos de todos os estabelecimentos fechados. Em caso de descumprimento, as multas podem variar de R$ 220 a R$ 3,2 milhões para o dono do local. Essas multas, contudo, não poderão ser aplicadas enquanto a liminar estiver em vigor.

Ao analisar o pedido, o juiz ressaltou que a matéria já é regulamentada pela Lei Federal 9.294/96 e que esta permite a existência de áreas exclusivas para tal finalidade (os“fumódromos”), em respeito à liberdade individual dos fumantes e em proteção dos não-fumantes. Segundo ele, a norma estadual é radical por suprimir esse direito.

“A competência legislativa concorrente sobre saúde possibilita aos Estados editar normas que apenas especifiquem as normas gerais federais, mas não extrapolá-las ampliando a restrição de direitos dos usuários e dos empresários; estes têm direito adquirido de manter os “fumódromos”, instalados com alto custo por exigência da lei federal; o tabaco não é produto ilícito, tanto que autorizados a produção e consumo; há afronta ao princípio da proporcionalidade, por suprimir totalmente a liberdade de iniciativa, a liberdade individual e o direito de propriedade”, fundamentou o juiz em sua decisão de 72 páginas.

Ele acrescentou que tal tipo de preocupação, que constitui o cotidiano de qualquer empresário sério e bem sucedido, não costuma entrar nas cogitações de parte dos legisladores e dos administradores públicos, nem dos juristas de gabinete, ainda que notáveis. “Leis são feitas com propósitos demagógicos ou com os mais saudáveis propósitos, mas sem a exata noção de sua viabilidade e conseqüências (veja-se a enorme dívida de precatórios contraídas sem a necessária dotação orçamentária)”, disse.

Por fim, o juiz acrescentou que, segundo firme orientação do Supremo Tribunal Federal, a norma estadual extrapola os limites da competência meramente suplementar, pois não cuida de singularidades e peculiaridades locais, mas ostenta natureza de verdadeira substituição e não mera suplementação.

De acordo com o professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UERJ, Gustavo Binenbojm, a decisão merece aplausos por sua fundamentação técnica. “O juiz não deixou de aplicar o direito ao caso concreto por força de pressões políticas. A decisão prestigia o sistema constitucional brasileiro, por destacar que as normais estaduais devem respeitar as federais, e celebra, ainda, a independência do Poder Judiciário em relação ao Poder Executivo”, disse.

O especialista também destacou que a decisão representa a capacidade do Judiciário de se pautar por critérios técnicos-júridicos, além de deixar claro que os fins não justificam os meios.

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