Sem saída

Súmula 385 impede danos morais a consumidor

Autor

23 de junho de 2009, 8h37

Não se pretende com este artigo apresentar os paradigmas jurisprudenciais pretéritos à Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, nem mesmo tecer críticas as casuísticas fundantes que deram legitimação positiva à prudência dos redatores da Súmula. Pretende-se apontar seu equívoco teórico a par da casuística do próprio Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como suas consequências práticas. A Súmula apresenta o seguinte teor: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

Trabalhemos com a seguinte hipótese: “A” tem um débito com “B” e, em razão de seu inadimplemento, ocorre a anotação de seu nome no cadastro de proteção ao crédito, respeitada a formalidade de notificação prévia (Código do Consumidor, artigo 43, parágrafo 2º). Num segundo momento, “A” tem um débito com “C” e a anotação é efetivada, sem prévia comunicação do inadimplemento pelo órgão de proteção ao crédito. Ocorre que “A” nada deve; possui todos os comprovantes de pagamento. Assim, sem prévia notificação, à luz do Código de Defesa do Consumidor, ocorrerá irregularidade do registro. Resultado: “A” acaba de ter seu nome anotado indevidamente; não teve possibilidade de justificar-se antes do apontamento, nem mesmo de efetuar o pagamento, caso devido. Diante disso, pergunta-se: a anotação pelo órgão de proteção ao crédito, sem notificação prévia, caracteriza ato ilícito?

Tal situação hipotética encontra ressonância fática corriqueira, que dispensam comprovação jurisprudencial. Conforme a Súmula, “A” terá direito ao cancelamento da anotação (“ressalvado o direito ao cancelamento”) e, isso, por evidente, não se discute. A questão reside no fato de “A” não ter direito a indenização por danos morais decorrentes do ato ilícito cometido. Insista-se: embora a Súmula seja clara no sentido de que “não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição”, certo é que, em nosso sentir, o ato ilícito não se torna lícito quando preexistente legítima inscrição; continua ilícito.

Nessa ótica, verificamos que a Súmula 385 do STJ, não encontra correspondência ao que enunciado nos artigos 186, 187, 188 e 927 do Código Civil, nem mesmo no artigo 42, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor. Primeiro: toda anotação irregular (ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência) viola direito e causa dano a outrem, constituindo-se, pois, ato ilícito (Código Civil, artigo 186). Segundo: toda anotação irregular constitui abuso de direito, uma vez que o ato negligente (Código Civil, artigo 187), viola os bons costumes e a boa-fé. Terceiro: por ser irregular o apontamento restritivo de crédito, nem há de se falar em exercício regular de um direito reconhecido (Código Civil, artigo 188, inciso I), tendo em vista a clara violação do disposto no artigo 42, parágrafo segundo do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, é possível concluir que o fato de preexistir legítima inscrição em cadastro de proteção ao crédito, não torna a posterior anotação irregular ato lícito.

A propósito, da lição de Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, 1995, p. 344), “para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha procedido ilicitamente, violando um direito (subjetivo) […], é essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imperícia […]. Agir com culpa significa atuar o agente em termo de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo”.


Ora, voltando à situação hipotética apresentada, pergunta-se: o órgão de proteção ao crédito que efetivou o apontamento sem prévia comunicação poderia ter agido de outra forma? (Sim!). Importa dizer: frente anotação irregular é exigível conduta diversa; neste caso, a diligência revela-se comportamento esperado. Com efeito, o exercício regular de um direito (a anotação) deve estar assegurado na certeza de cumprimento à lei; queremos dizer que o dano moral pressupõe a prática de ato ilícito e, portanto, havendo anotação irregular, há ato ilícito e, portanto, indenização por danos morais.

A par disso, compreendemos que o cerne da análise não reside na violação do direito (isso é indubitável e, por si só, torna insustentável a súmula), mas na existência do dano, isso, em novo ver, fulminado pela conclusão de que “não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição”. Nessa perspectiva, entendemos que o STJ reduz a complexa tarefa de aferição do dano em situações concretas a uma atividade intelectiva meramente positivista, de adequação da “norma” (Súmula) à situação fática (quem já está registrado legitimamente como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido).

Esta pretensão de generalização (característica típica das Súmulas) não comporta aplicabilidade em questões morais, mesmo porque a moral reside no direito subjetivo individual, carregado de valores, cultura e pré-compreensões do mundo da vida. Ademais, além de ser insondável a objetivação da moral por critérios genéricos, em derrocada ao abalo moral individual e, consequentemente, ao valor axiológico da dignidade da pessoa humana, a Súmula encontra-se repleta de confusão conceitual.

Explica-se: ao definir que da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, está-se, em nossa compreensão, dando-se permissão à impunidade no exercício irregular de um direito. Em outras palavras: a anotação irregular sem qualquer condenação por danos morais, torna inconsistente a tentativa do Estado em sanar os abusos praticados no comércio, pois é notória a existência de pessoas (físicas ou jurídicas) que solicitam anotação de dívidas ilegítimas (títulos destituídos de formalidade legal, dívidas já pagas, prescritas, etc.).

Ademais, vale ressaltar ainda, que ao violar o parágrafo segundo do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, suprime-se do ordenamento jurídico a existência do dever de comunicação prévia, que constitui um verdadeiro “filtro” frente às cobranças indevidas.

A ocorrência desenfreada de anotações irregulares é fato público e notório que desencadeia inúmeras ações judiciais visando indenização por danos morais; é certo, igualmente, que muitas dessas ações são infundadas, cerne da “industria do dano moral”. Por outro lado, não se pode deixar de analisar que a Súmula beneficiará os órgãos de proteção ao crédito com a tese jurídica de improcedência do pedido de pagamento de indenização sob o argumento da preexistência inscrição legítima, ressalta-se, mesmo diante da ocorrência do ato ilícito e do prescrito no artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.

Sem a prévia comunicação, o consumidor não tem sequer a possibilidade de obstar, em tempo, a anotação. Ora, “o devedor tem o direito legal de ser cientificado para que possa esclarecer possível equívoco ou mesmo adimplir desde logo” (REsp 1.004.833-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 19/8/2008. Clique aqui para acessar o processo). Entretanto, compreende o STJ que quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido por mais uma inscrição do nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito; para ocorrência de dano moral, haverá ser comprovado que as anotações anteriores foram realizadas sem a prévia notificação do interessado.


Diante disso, pergunta: como inibir tais órgãos, e de certa forma, também as pessoas (físicas e jurídicas), a não mais cometerem equívocos de apontamento irregular, no sentido de compeli-las à diligência incondicionada e ao respeito ao consumidor? Enfim, como educá-las? Estas questões nos levam a encontrar outra problemática da Súmula 385 do STJ, qual seja: a derrocada do caráter punitivo ou inibidor do dano moral e o descompasso da ementa com a jurisprudência do próprio tribunal.

Embora lamentável quantificar em dinheiro valores que absolutamente não são por ele traduzíveis, a função da quantificação da indenização por danos morais sempre fora objeto polêmico no estudo do Direito e, sua aplicação, ainda encontra respaldo em parâmetros subjetivos do magistrado, não olvidando a inteligência do artigo 994 do Código Civil.

Em sentido contrário, a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça vem subtrair a incidência do artigo 944 do Código Civil, retirando do magistrado sua liberdade racional. Ora, se o STJ fora capaz de identificar com a Súmula parâmetro objetivo de não fixação dos danos morais, o subjetivismo do juiz em casos análogos não mais se pode compreender razoável.

Neste ponto e sobre a Súmula, o Ministro Ari Pargendler entende que "não é possível presumir que o consumidor tenha experimentado com a inscrição indevida qualquer sentimento vexatório ou humilhante anormal, porque a situação não lhe seria incomum" (em razão de já ter outra anotação). Ora, como é possível identificar o dano experimentado com base em presunções? Dano moral não se presume, se constata! Além disso, da mesma forma que para o Ministro não é possível presumir a existência dano moral, igualmente não é crível que a ausência de previa notificação não afronta o Código de Defesa do Consumidor. Ora, a quem o Código de Defesa do Consumidor tutela? O consumidor ou o SPC, SERASA, Câmara de Dirigentes Lojistas, dentre outros do gênero?

Ademais, como consequência desta objetivação do abalo moral, verificamos que nem mesmo a acepção punitiva, inibitória ou pedagógica do dano moral aplicar-se-á quando do acontecimento do binômio, anotação-irregular/inscrição-preexistente. Com efeito, os órgãos que eventualmente procederem anotação irregular, nada sofrerão como consequência pelo ato ilícito praticado. Entretanto, tal tendência não se coaduna com a jurisprudência do próprio STJ. O Tribunal entende que o dano moral não se reveste somente de caráter compensatório, mas também de caráter educativo. Vejamos:

[…] 2. Cabe ao Superior Tribunal de Justiça o controle do valor fixado a título de indenização por dano moral, que não pode ser ínfimo ou abusivo, diante das peculiaridades de cada caso, mas sim proporcional à dúplice função deste instituto: reparação do dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punição do ofensor, para que não volte a reincidir. 3. Indenização de 300 (trezentos) salários-mínimos, fixada pelo Tribunal recorrido, que se apresenta razoável, diante da situação descrita nos autos – publicação, na imprensa local, de lista que causou grandes constrangimentos ao autor. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e neste parte improvido. (REsp 575.023/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 21/06/2004 p. 204) (grifo nosso)

[…] No caso sub judice, é inegável o transtorno sofrido pelo recorrido. Contudo, necessário se faz arbitrar o valor da indenização dentro do princípio da razoabilidade, devendo se dar de forma justa, a evitar o enriquecimento ilícito do demandante, sem, contudo, deixar de punir o réu pelo ato ilícito. Além de servir como medida pedagógica para inibir que o causador proceda da mesma forma no futuro. (REsp 971.976/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 22/04/2009) (grifo nosso)

[…] I – A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza. A fixação do seu valor envolve o exame da matéria fática, que não pode ser reapreciada por esta Corte (Súmula nº 7) […] (REsp 337.739/SP, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO) (grifo nosso)


[…] 4. É cediço que esta Corte pode rever os valores fixados à título de danos morais, mas apenas quando se tratar de importância exorbitante ou ínfima, que não é o caso dos autos, haja vista que a condenação no valor de dez salários mínimos decorreu da inscrição de nome da pessoa jurídica em cadastro de inadimplentes indevidamente, o que implica manifesta ofensa à honra objetiva e ao conceito da empresa vítima de erro, obrigando à reparação moral. Razoabilidade do valor indenizatório arbitrado, diante do caráter pedagógico da condenação. 5. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 869.300/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 25/06/2008) (grifo nosso)

[…] O valor fixado pra o dano moral está dentro dos parâmetros legais, pois há eqüidade e razoabilidade no quantum fixado. A boa doutrina vem conferindo a esse valor um caráter dúplice, tanto punitivo do agente quanto compensatório em relação à vítima. 7. Recurso especial conhecido em parte e não-provido. (REsp 965.500/ES, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008 p. 1) (grifo nosso)

[…] 6. A indenização por dano moral deve ter conteúdo didático, de modo a coibir a reincidência do causador do dano, sem, contudo, proporcionar enriquecimento sem causa à vítima. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 521.434/TO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 08/06/2006 p. 120) (grifo nosso)

[…] A extensão do dano moral sofrido, é que merece ser fixado guardando proporcionalidade não apenas com o gravame propriamente dito, mas levando-se em consideração também suas conseqüências, em patamares comedidos, ou seja, não exibindo uma forma de enriquecimento para o ofendido, nem, tampouco, constitui um valor ínfimo que nada indenize e que deixe de retratar uma reprovação à atitude imprópria do ofensor, considerada a sua capacidade econômico-financeira. Ressalte-se que a reparação desse tipo de dano tem tríplice caráter: punitivo, indenizatório e educativo, como forma de desestimular a reiteração do ato danoso. (STJ, Ministro MASSAMI UYEDA, 26/05/2008 – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.018.477 – RJ (2008/0039427-3) (grifo nosso)

Definitivo sobre o aspecto da acepção educadora dos danos morais, a lição sempre autorizada de Caio Mário da Silva Pereira corrobora nossa argumentação[1]: "Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.” (Responsabilidade Civil, p. 55 e 60, itens nº 45 e 49, 8ª ed., 1996, Forense, grifo nosso).

Embora haja posicionamentos no sentido de que a invocação do caráter punitivo da indenização do dano moral decorre de um inadequado entendimento do instituto do dano moral e da difícil tarefa de fixação dessa indenização, entendemos que este posicionamento encontra guarida somente no campo da retórica.

O Supremo Tribunal Federal, a propósito, tem posicionamento uníssono no sentido de compreender o instituto da fixação do dano moral nas duas acepções: punitiva da obrigação de indenizar e compensatória para a vítima. Colacionamos algumas decisões monocráticas que firmam essa necessária dupla função da indenização civil por danos morais.

[…] Os danos morais são fixados pelo juiz de acordo com sua livre convicção e bom senso, levando-se em consideração que a indenização deve possuir um caráter punitivo e compensatório, sem que signifique o enriquecimento do ofendido em detrimento do ofensor e deve ter como critérios a intensidade e a gravidade do dano causado, a repercussão da ofensa e a posição social e econômica das partes. (RE 534345, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 09/05/2008, publicado em DJE-094 publicado em 27/05/2008) (grifo nosso)


[…] I – Decisão monocrática sopesada, observando analiticamente a situação sobre o dano moral, vislumbrando a convergência de dois fatores – o caráter punitivo e compensatório – para que o causador do dano se veja condenado pelo ato praticado e, em contrapartida, desestimulando a reincidência da prática nefasta ou ilícita, repare à vítima e seus familiares, o mal sofrido, há de ser mantida em grua de recurso, não só pelo cotejo da prova, mas pelo auspicioso senso crítico do juízo a quo. […] III – Com efeito, quitada a dívida pela reclamante, a inserção de seu nome em cadastro de inadimplentes, além de indevida, forçosamente, há de se obrigá-la a ressarci-la por danos morais. (AI 578940, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 15/02/2006, publicado em DJ 01/03/2006 PP-00085) (grifo nosso)

[…] Considerando a capacidade econômica da ré, para que a condenação surta os seus efeitos punitivo e pedagógico, de forma a incentivá-la a tomar medidas eficazes para se evitar fatos como ocorrido e outros que, não raramente, são objeto de ações judiciais, deve ser majorado o quantum da condenação por danos morais para o valor correspondente a 50 salários mínimos vigentes na data da sentença, incidindo a correção monetária e juros de mora de 6% ao ano, a contar da mesma data, uma vez que não se pode imputar qualquer ônus de mora antes da condenação a tal título. (AI 558953, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 05/09/2005, publicado em DJ 16/09/2005 PP-00114)

Vale trazer ainda, em arremate, excerto do voto do Ministro Celso de Mello no Agravo de Instrumento nº 455846, que aduz que “[…] a orientação que a jurisprudência dos Tribunais tem consagrado no exame do tema, notadamente no ponto em que o magistério jurisprudencial, pondo em destaque a dupla função inerente à indenização civil por danos morais, enfatiza, quanto a tal aspecto, a necessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de indenizar (‘punitive damages’), de um lado, e a natureza compensatória referente ao dever de proceder à reparação patrimonial, de outro. (AI 455846, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 11/10/2004, publicado em DJ 21/10/2004, p. 160-163).

Pois bem. Como dissemos no início deste ensaio, não se pretende apenas colacionar decisões que decifrem o posicionamento dos tribunais superior sobre a temática do dano moral. Em verdade, dos julgados acima transcritos, verificamos que a condenação por danos morais compreende tanto o aspecto compensatório à vítima do evento danoso, como sua acepção punitiva e pedagógica, voltada ao desestímulo da reiteração do ato ilícito, à inibição da prática negligente doravante, enfim, sobretudo no passo de conscientizar a pessoa causadora do dano para que tome medidas eficazes para se evitar o equivoco (leia-se, anotação irregular).

A par disso, a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, em nosso entender, diverge da tendência do próprio tribunal e do STF, uma vez que subtrai o caráter educativo do dano moral na hipótese do verbete. Ou seja, se por um lado a Súmula ratifica posicionamento de que não há abalo moral quando preexistente anotação regular, de outra banda, nega o caráter punitivo dos danos morais reinante nas decisões. Em face disso, o caráter inibidor não mais se aplica, somente para o SPC, SERASA, etc. O equívoco conceitual reside, pois, nos seguintes pontos:

1) Ao passo que a Súmula pretende causar uniformidade nas decisões, pretende, da mesma forma, uniformizar a moral individual segundo parâmetro objetivo de racionalidade. Se você tem seu nome “sujo” não há mais violação ao direito à personalidade; logo, a preexistência de anotação no cadastro de proteção ao crédito significa ausência de moral a ser violada.

2) A Súmula quando dá apenas a hipótese de cancelamento da inscrição irregular, confirma a existência de ato ilícito, porém, relativiza a inexorabilidade da condenação em indenizar os danos morais com o ato ilícito.

3) A Súmula fomenta ou, no mínimo, traz tranquilidade jurídica aos órgãos de proteção ao crédito, bem como às pessoas e empresas irresponsáveis (que diariamente encaminham o nome de pessoas para os cadastros de proteção ao crédito sem qualquer critério ou prudência), tendo em conta que seus atos de negligência doravante serão tutelados pelo Estado-juiz.

4) Ao definir que os órgão de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, estão blindados quando à condenação por danos morais na hipótese da Súmula, fere-se o artigo 5º caput da Constituição Federal (“todos são iguais, perante a lei”), haja vista que tais órgão são entidades privadas como quaisquer outras.

5) A Súmula não protege o consumidor e, como se não bastasse, garante a este tão-somente o direito de entrar com ação para cancelar a anotação irregular; logo a Súmula está na contramão do Código de Defesa do Consumidor, porém, de mãos dadas com irregularidades e abusos praticados.

6) A Súmula pretende revogar tacitamente o parágrafo segundo do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor; da mesma forma, corrobora com a relativização do direito do consumidor da possibilidade de obstar a anotação, a par de débitos indevidos, mediante instrumentos jurídicos adequados (Tutelas de Urgências, Ação Declaratória de Inexistência de Débito, etc.), não olvidando a possibilidade de pagamento do débito.

7) Caso preenchido o binômio anotação-irregular/inscrição-preexistente, a Súmula retira do dano moral sua carga educativa e inibitória da reincidência do ato ilícito. Consequência: não há mais razão para ser prudente quando da anotação, pois uma conduta irregular e, conseqüentemente, de tormento à pessoa, não trará nenhum consequência ao agente do ato ilícito. Em face disso, como dissemos o caráter inibidor não mais se aplica somente para os órgãos de proteção ao crédito.

Em suma, em nosso sentir, a Súmula 385 do STJ, além de incompatível com a tendência jurisprudencial do próprio STJ e do STF, tutela a prática de anotações irregulares, viola o Código de Defesa do Consumidor, da mesma forma que “fecha os olhos” para a moral individual, tornando-a indolor como regra. Ora, da mesma forma que não se encontra (e não se encontrará) parâmetros objetivos à fixação da indenização por danos morais, igualmente, imprópria a tentativa do STJ em encontrar parâmetro para sua não fixação. Nesse caminhar, dentre todas as considerações, vemos abalo nas estruturas do Estado frente à concretização dos direitos do consumidor.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!