O conselheiro Marcelo Nobre, do Conselho Nacional de Justiça, determinou nesta terça-feira (23/6) a suspensão do julgamento do processo disciplinar contra o juiz federal Ali Mazloum, que corre no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Os desembargadores não podem retomar o julgamento do caso, ao menos até que as informações pedidas pelo conselheiro cheguem ao CNJ. O pedido de providências do juiz Mazloum chegou ao CNJ no último dia 19 de junho. Clique aqui para ler a decisão.
O processo contra o juiz foi aberto em 2005. Já há cinco votos a favor da punição a Mazloum. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista da desembargadora Suzana de Camargo. Se for condenado, o juiz pode ser removido para comarca no interior de São Paulo ou para Mato Grosso do Sul. A desembargadora disse à revista Consultor Jurídico que pretendia trazer seu voto a julgamento na semana que vem.
Marcelo Nobre justifica sua decisão com o argumento de que se o juiz é julgado e removido compulsoriamente, o CNJ poderia não ter mais tempo de sanar a situação depois. "Como o processo é de 2005, não causará qualquer prejuízo se o julgamento esperar por mais 20 ou 30 dias", afirmou o conselheiro à ConJur.
Na decisão, o conselheiro reconhece o poder dos tribunais de julgar seus membros. Ou seja, para ele, a avocação de processos pelo CNJ tem de ser cuidadosa. "Todos devemos defender a autonomia dos tribunais. Se um julgamento for equivocado, cabe a revisão da decisão pelo CNJ", justificou.
O Lobo e o Cordeiro
Para aqueles cujo propósito é injusto, nenhuma justificativa tem valor. A síntese da fábula O Lobo e o Cordeiro é citada pelo juiz federal Ali Mazloum no pedido que protocolou no CNJ.
O processo contra Mazloum foi instaurado depois de o juiz conceder, após as 19h, uma liminar em Habeas Corpus para adiar o julgamento de um médico pelo Conselho Regional de Medicina, que aconteceria às 8h30 do dia seguinte. O fato aconteceu em 2002 e o médico já fora inocentado. Em 2005, contudo, o Órgão Especial do TRF-3, sob relatoria do desembargador Baptista Pereira, resolveu instaurar processo administrativo contra Mazloum. Na ocasião, o Ministério Público também pediu sua cassação. É a oitava vez que o órgão representa contra o juiz. Até agora, ele foi absolvido em todas.
“Jamais vou me submeter a qualquer tipo de ilegalidade e abuso como este que estão tentando fazer contra mim. Depois de seis anos, alvo de sucessivos procedimentos (todos julgados ineptos), o TRF-3, ao invés de me pedir desculpas, investe novamente contra minha reputação”, disse o juiz à revista Consultor Jurídico. Mazloum também entrou com pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça.
No TRF-3, os mesmos desembargadores que votaram em favor do juiz Fausto De Sanctis, votaram pelo afastamento de Ali Mazloum. Ele aceitou a denúncia contra o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz e o tornou réu pelos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual por vazamento de informações da Operação Satiagraha. O juiz também é o responsável pela abertura dos arquivos secretos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Depois que Mazloum negou a devolução de arquivos apreendidos na Abin, em dezembro do ano passado, a procuradora Ana Lúcia Amaral ingressou com representação contra ele. Ela se disse ofendida por algo que Mazloum teria dito dois anos atrás. Em janeiro, depois de nova negativa do juiz, outra representação foi apresentada. Esta pela procuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.
O caso
O processo disciplinar contra o juiz foi instaurado para apurar possíveis irregularidades praticadas por ter concedido a liminar fora do horário normal do funcionamento da vara criminal e “sem que tivesse qualquer risco à liberdade de locomoção do médico”. Por isso, Mazloum foi acusado de ofensa ao artigo 35 da Loman, que trata de direitos e deveres dos magistrados.
No pedido encaminhado ao CNJ, o juiz alega que a decisão do TRF-3 foi genérica, pois sequer citou quais os incisos foram contrariados. Mazloum alega também que desde que foi instaurado o processo administrativo, “o relator realizou exaustiva investigação, ouviu testemunhas que selecionou ao longo da instrução, requisitou documentos e informações, esmiuçou os fatos com empenho e obstinação. E nada de anormal encontrou”.
De acordo com ele, a liminar concedida ao médico não acarretou dano à administração, já que ele foi absolvido pelo Conselho Federal de Medicina. O juiz também alega que, desde 2004, os fatos “receberam diferentes roupagens, em uma espécie de acusação camaleônica, que muda sempre que a versão é desnudada ou desmoralizada pelas provas carreadas".
O juiz registra ainda que o TRF-3, no último dia 10 de junho, resolveu mudar a acusação. Desta vez, apontou um fato novo que se resumiria à violação de regra de competência e pediu sua imediata remoção. Para o relator do processo, o juiz deveria ter mandado distribuir o pedido de liminar antes e, verificando com qual juiz iria cair, se certificar de que ele estava mesmo ausente e, só depois despachar o pedido de urgência no HC.
“Percebe-se, às claras, que a acusação é indefensável. Não existe defesa contra essa nova acusação. Qualquer que fosse a decisão, segundo esse inovador procedimento, o magistrado praticaria ‘alguma’ infração e seria condenado, lembrando a célebre Fábula de Esopo do diálogo entro o lobo e o cordeiro”, registra o juiz. Por fim, Mazloum alega constrangimento ilegal e pede que o processo disciplinar seja arquivado (clique aqui para ler o pedido).
Por enquanto, ele conseguiu suspender a retomada do julgamento do caso. Depois da chegada das informações pedidas pelo CNJ ao TRF-3, o conselheiro Marcelo Nobre se manifestará sobre os outros pedidos feitos pelo juiz.
O presidente da Associação dos Juízes Federais em São Paulo, juiz Ricardo Castro Nascimento (na foto à esquerda junto com Ali Mazloum), saiu em defesa de Mazloum. Segundo ele, estão cometendo uma injustiça. “É um absurdo”, destacou.
O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, também defendeu publicamente o juiz. O ministro participou, nesta segunda-feira (22/6), de um almoço-debate em São Paulo. Gilmar ressaltou que "é natural que haja esse apelo contra a impunidade. Ninguém quer transigir com essa situação e a própria opinião pública aplaude os delegados, promotores e juízes que assumem essa veste de justiceiros, aqueles que decretam as prisões em massa e tudo o mais".
Foto: ConJur