Competência concorrente

Estados podem legislar sobre matéria processual

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19 de junho de 2009, 14h50

"A União não é uma instituição criada pela legislação, mas uma aliança entre as unidades da federação." Esse foi o ponto de partida usado pelo deputado Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados, para defender, em palestra para desembargadores em São Paulo, a autonomia dos legislativos estaduais inclusive para criarem normas processuais.

O 1º Encontro Nacional de Magistrados de 2ª Instância reúne, nesta quinta e sexta-feiras (18 e 19/6), pelo menos cem juízes e desembargadores no Palácio da Justiça de São Paulo e no Hotel Sofitel São Paulo Ibirapuera. Além do presidente da Câmara, já palestraram o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes e do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Roberto Antonio Vallim Bellocchi. À tarde, estão previstas palestras do advogado Miguel Reale Júnior; do secretário da Justiça de São Paulo, Luis Antonio Marrey; e do advogado e ministro aposentado do STF, Francisco Rezek. 

Temer defendeu que os estados podem sim criar leis processuais em casos de ausência de legislação federal. "A competência é concorrente entre estados e União, como prevê o artigo 24, inciso XI, da Constituição Federal", disse. A competência se extende, segundo ele, até mesmo para a definição de regras gerais.

O deputado relacionou as diversas formas de competência legislativa dos estados e municípios, como a concorrente, a residual e a que chamou de competência comum, ressaltando que nenhuma delas é exclusiva da esfera federal, estadual ou municipal em todas as situações. "A União, por exemplo, tem competência residual para legislar em matéria tributária, instituindo impostos extraordinários em situação de guerra", ilustrou.

O tema gerou recentes discussões, como a da Lei paulista 11.819/05, que instituiu o interrogatório de detentos por meio de videoconferência, considerada inconstitucional pelo Supremo em outubro. Os ministros entenderam que a norma disciplinava processo penal, competência exclusiva da União, e não procedimento, como defendeu o estado. O impasse só foi resolvido depois que o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei federal sobre o tema.

Demora legislativa
Atualmente, os cartórios extrajudiciais é que dependem de uma definição quanto à autonomia das leis estaduais. No início de junho, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução que revoga as delegações de titularidade de tabelionatos feitas sem que os oficiais fossem submetidos a concurso público. Cerca de cinco mil cartorários podem perder as delegações por terem preenchido apenas os critérios de títulos para exercer a função, o que inclui o tempo de carreira na área jurídica.

A norma do CNJ se baseou no artigo 236 da Constituição, que exige que os concursos incluam provas e não apenas títulos. Porém, como o artigo demorou a ser regulamentado — o que só aconteceu em 1994, com a Lei 8.935 —, os oficiais nomeados durante o período continuaram a ser nomeados pelos tribunais de Justiça com base na regra antiga. 

Questionado se a resolução do CNJ desprestigia as leis estaduais que nomearam os titulares dessas serventias, o presidente da Câmara preferiu não opinar. "Tenho que analisar o caso mais a fundo", afirmou, mas deu a deixa: "A princípio, a Constituição privilegia os estados ao permitir que as nomeações sejam feitas por norma local".

Poder dividido
Temer também tentou apagar a fogueira de uma suposta disputa entre o Judiciário e o Legislativo devido ao ativismo judicial do Supremo. "O STF não substitui o Parlamento, já que, quando legisla, edita preceitos de natureza individual", afirmou. "Isso desfaz a ideia de litígio entre os Poderes." Segundo ele, no dia em que o Legislativo, por meio de leis, interpretar todos os preceitos da Constituição, "o Judiciário não terá mais que interpretar os preceitos constitucionais, mas apenas aplicar a lei".

O deputado fez questão de levantar também a questão das Medidas Provisórias que trancam as pautas da Câmara. O assunto é julgado pelo Supremo no pedido de Mandado de Segurança 2.793-1, de relatoria do ministro Celso de Mello. A ação pede que o STF declare inconstitucional a decisão da presidência da Câmara de que as MPs só serão priorizadas nas sessões ordinárias do Plenário, e não nas extraordinárias. Para falar do tema, Temer se dirigiu ao ministro Gilmar Mendes. "Vou me permitir fazer uma sustentação oral", brincou, já que a ação ainda tramita na corte.

"Medidas Provisórias não podem ser editadas sobre temas disciplinados em Lei Complementar, Emenda Constitucional ou leis ordinárias de organização, como a da Magistratura ou do Ministério Público. Por isso, não podem trancar a pauta quando projetos desse tipo precisam ser votados", concluiu. Ele comemorou o aumento do número de projetos votados pelos deputados depois que a interpretação começou a ser aplicada. "Antes de maio, votamos três ou quatro projetos. Depois, foram 43. Só em junho já são 46. Estamos colocando em dia propostas de 1995", afirmou.

Para ele, o excesso de MPs também é culpa dos parlamentares. "É a cultura da centralização do poder. É muito mais fácil fazer enxertos nas MPs que tramitam com urgência do que criar leis, que precisam passar por todas as comissões."

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