Após 30 anos

STJ põe fim a conflito sobre compra de terreno

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17 de junho de 2009, 11h09

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça pôs fim a um conflito que se arrastava há mais de 30 anos na Justiça do Espírito Santo. O caso envolve a compra de um terreno superfaturado pela Companhia de Habitação do estado (Cohab-ES), entidade que faz parte da administração pública.

O imbróglio teve início em meados dos anos 70, quando um cidadão entrou com Ação Popular para questionar a compra de um terreno de 224 mil m² em Boa Vista, localidade situada na cidade de Vila Velha (ES). Em setembro de 1975, o proprietário ofereceu o imóvel à Cohab. O valor pedido pelo terreno, que seria utilizado para construção de moradias populares foi de Cr$ 1.800.000,00.

Dias depois de fazer a oferta, o dono do imóvel morreu. Alegando que não pretendia adquirir uma área litigiosa, uma vez que o terreno seria disputado pelos herdeiros, a Cohab rejeitou a proposta. Tempos depois, em janeiro de 1976, a área foi vendida por Cr$ 1.500.000,00 para a empresa Vitoriawagen S/A.

De acordo com o processo, em fevereiro de 1976, mês seguinte a esse negócio, a empresa que adquirira o terreno firmou um contrato de compra e venda da área com a Cohab. Estranhamente, o imóvel foi negociado por Cr$ 6.724.170,00, valor quatro vezes superior ao ofertado pelo dono original do terreno. O negócio foi finalizado em abril de 1976 com a lavratura da escritura definitiva do local em nome da Companhia, que à época chegou até a obter empréstimo do BNH e fiança do governo estadual para concluir o negócio.

Farejando um golpe contra os cofres públicos, Carlos Maciel de Britto ingressou, em janeiro de 1977, com Ação Popular alegando superfaturamento do terreno e inquestionável lesão ao patrimônio público, mas demorou a ver seu pedido julgado. Do ajuizamento da ação até a sentença proferida pela Justiça capixaba se passaram 24 anos.

A primeira instância acolheu o pedido e condenou representantes da Cohab e da Vitoriawagen S/A, além do governador do Espírito Santo à época e dois advogados, a ressarcir o erário estadual pelo prejuízo. O valor a ser devolvido seria apurado na execução da sentença.

Os condenados recorreram. O Tribunal de Justiça capixaba acolheu parte das alegações. Não conheceu da apelação da Vitoriawagen S/A, excluiu o governador e os advogados do processo e anulou a sentença sob o fundamento de que seria necessária a perícia para apurar se houve dano ao patrimônio público.

Inconformados com a decisão da segunda instância, o autor da ação e os representantes da Vitoriawagen S/A recorreram ao STJ.

"Negócio de Papai Noel"
A 2ª Turma não conheceu (não julgou o mérito) do recurso da empresa em razão de ele ter sido ajuizado fora do prazo previsto em lei. Já os argumentos apresentados por Carlos Maciel de Brito foram acolhidos pelo colegiado.

O autor da Ação Popular sustentou que a exigência de prova pericial para provar o dano aos cofres públicos, feita pelo TJ-ES, violou o artigo 14 da Lei 4.717/1965. Esse dispositivo dispõe que o valor da lesão não precisa ser necessariamente aferido na fase de conhecimento, podendo ser apurado na fase de execução.

Ao analisar o caso, o relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin, ressaltou que a lesão ao patrimônio público é fato evidente e incontroverso no processo. Portanto, esclareceu, não necessita de prova para sua comprovação, a teor do que dispõe o artigo 334, III, do Código de Processo Civil.

A esse propósito, o ministro sustentou: “É dispensável a prova pericial determinada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pois não há como afastar a lesividade na aquisição de terreno quando se verifica que, em espaço de tempo inferior a um semestre, a Cohab/ES o recusou para, logo depois, tornar-se sua proprietária pagando quantia superior a aproximadamente quatro vezes o valor original”.

O ministro classificou a compra do terreno feita pela Cohab como “um negócio jurídico típico de Papai Noel”. Ele também chamou a atenção, em seu voto, para a excessiva demora no julgamento do processo — mais de 30 anos —, fato que, em sua opinião, contraria o princípio da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição de 1988.

Ao julgar o recurso, a 2ª Turma do STJ restabeleceu a decisão do juiz de primeira instância. Desse modo, poderá prosseguir a execução de sentença que vai apurar o valor que terá de ser devolvido aos cofres públicos por causa da irregularidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

REsp 80.623-5

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