Quem ama, mata

Em júri simulado na USP, a paixão é absolvida

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16 de junho de 2009, 19h42

Defensoria Pública/Renata Tibiriçá
Júri Simulado Waldir Troncoso Peres - Alberto Toron - Defensoria Pública/Renata Tibiriçá

A paixão absolve. A afirmação é resultado do júri simulado em que o advogado Márcio Thomaz Bastos e a defensora pública Daniela Cembranelli pediam, com citações de Voltaire, Djavan e com o argumento de que a paixão é um sentimento avassalador, a absolvição de um imaginário réu acusado de matar a mulher por ciúmes. O criminalista Alberto Zacharias Toron [foto] e o promotor de Justiça Roberto Tardelli fizeram as vezes da acusação, mas não conseguiram convencer os “jurados” com a tese de que “quem ama não mata, constrói”, defendida por Toron, ou “não é porque trabalha e tem filhos, que tem salvo conduto para matar”, como argumentou Tardelli.

Por 166 votos a 41, Bastos e Daniela venceram a descontraída disputa de argumentos contra e a favor da paixão durante cerimônia de homenagem ao ilustre advogado criminalista, especialista em júri, Waldir Troncoso Peres, que morreu em abril. O evento aconteceu nessa segunda-feira (15/6), no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.

Waldir Troncoso Peres, assim como os “jurados”, também acreditava no crime por amor. Ele já dizia que este é um sentimento tão intenso que homem e mulher se fundem e quando acontece a ruptura, aquele que sofreu e foi abandonado é capaz de matar.

A defesa
A defensora pública Daniela Cembranelli, do alto de seus 15 anos de experiência em júris, abriu a sua participação dizendo que estava ali para defender a paixão. “A paixão precisa ser colocada no seu devido lugar. Muitos a consideram sinônimo de tirania, de egoísmo, de vilania. Apesar de poder levar a atos injustos, a paixão opera grandes transformações. Há quem diga que nenhuma obra de arte pode ser feita sem paixão”, bradou, lembrando de obras esculpidas por Mozart ou por  Van Gogh.

Daniela parecia um tanto emocionada durante os seus dez minutos de palavra. Ao se dirigir ao colega de defesa Márcio Thomaz Bastos, se confundiu e o chamou de Waldir, em referência ao homenageado da noite. Mas logo se refez e passou a recitar versos da música Faltando um pedaço, de Djavan — “O amor é um grande laço, um passo pra uma armadilha, um lobo correndo em círculos pra alimentar a matilha” —, para reforçar a ideia de que a paixão é a forma de expressão do amor febril, patológico, que tira a pessoa de seu equilíbrio.

A paixão em versos, escrita pelo francês Voltaire, serviu para arrematar a defesa de Daniela: "As paixões são como as ventanias que sopram as velas do barco. Elas podem afundá-lo, mas sem ela não se pode navegar". Ao voltar à mesa para sentar-se na cadeira reservada à defesa, Daniela tropeçou, caiu e se levantou rapidamente para passar a palavra.

Márcio Thomaz Bastos, advogados criminalista e ex-ministro da Justiça, atuou em diversos júris com Waldir Troncoso Peres, “junto e contra ele”. Depois de Daniela, reforçou a defesa do réu acusado de matar a mulher por traição. “Não viemos defender que a honra se lava com sangue. Viemos defender a paixão como um sentimento avassalador”, ressaltou.

Para ele, não é sempre, mas existem casos em que a paixão pode, deve e precisa ser absolvida. Bastos afirma que a característica de um apaixonado é ser uma pessoa séria e, “quanto mais séria, mais sofre”, podendo cometer um crime totalmente impensado.

Ele questiona aos jurados se vale a pena mandar para a cadeia um cidadão de bem, que nunca cometeu um crime, que é trabalhador e não vai cometer novos crimes. “Quem pode condenar o pai que mata o assassino de seu filho?”, ilustra com outro exemplo de sentimentos à flor da pele.

A acusação
O criminalista Alberto Zacharias Toron (foto abaixo), no papel da acusação, dizia que não se pode justificar um crime com o argumento de que a pessoa foi traída. “Vamos voltar à Idade Média para justificar a paixão? Não podemos tudo no momento de raiva.” Para o advogado, usar a paixão como forma de explicar um assassinato por parte de uma pessoa traída é o mesmo que afirmar que “a honra do homem está na vagina da mulher”.

Ele elogiou o discurso de Daniela, quando fala da arte, mas diz que é preciso “cair na real”. A cadeia é uma mazela, afirmou, mas quem mata e deixa filhos órfãos tem de pagar de alguma forma, sentenciou. “O IDDD [Instituto de Defesa do Direito de Defesa], o IBCCrim [Instituto Brasileiro de Ciências Criminais]defendem os réus, mas e quem fala pelas vítimas?”

O promotor Roberto Tardelli questiona o amor que agride, que esfaqueia, que atira. Para ele, não é possível se esconder atrás da paixão e deixar de ser responsabilizado pelo crime cometido por esse motivo.

Para ele, os argumentos de que o réu é primário, tem bons antecedentes e é trabalhador não convencem. “Não podemos legitimar a violência”, afirmou. E acrescentou que seria necessária uma vacina anti-traição para pessoas que matam por esse motivo, já que dá próxima vez que forem traídas podem matar novamente.

As cédulas azuis, que representavam a absolvição, foram as mais depositadas nas sacolas que passaram pelo Salão Nobre da faculdade após as palavras da acusação e da defesa.

[Foto: Renata Tibyriça/Defensoria Pública de São Paulo]

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