Ações políticas

Antonio de Souza é contra punição de procuradores

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15 de junho de 2009, 11h13

Após quatro anos como procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza deve deixar o cargo em breve. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele criticou o polêmico projeto de lei do deputado Paulo Maluf (PP-SP), que prevê punição para procuradores que propuserem ações motivadas por "questões políticas”.

Também lembrou que, durante a sua gestão na PGR, instaurou 141 inquéritos, o triplo da média dos antecessores. No caso do mensalão, conseguiu tornar réus 40 acusados de integrar um esquema de compra de apoio ao governo. "Ao menos parte do dinheiro é de natureza pública", disse, pela primeira vez de forma assertiva ao jornalista Alan Gripp. O procurador destacou, ainda, que não há riscos de prescrição de crimes no inquérito do mensalão e falou do mal-estar que teve com o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, por conta de críticas ao Ministério Público.

Leia a entrevista concedida à Folha

O sr. deixa o cargo com mais amigos ou inimigos?
Antonio Fernando Souza — Amigos continuam os de sempre, e não considero que tenho inimigos. Mesmo as pessoas que, por dever de ofício, adotei alguma providência [contra]. Pode alguém me considerar inimigo, mas eu não me considero inimigo de ninguém.

Já sofreu pressão de autoridade investigada?
Antonio Fernando — Recebo todo mundo, converso, mas nunca ouvi pedido ou sugestão para favorecer alguém. Pelo contrário, já disse para várias pessoas que eu ia pedir [a abertura de] um inquérito judicial porque dúvidas precisavam ser esclarecidas. Meu estilo reservado talvez não dê margem para isso.

O sr. acredita que algum réu será condenado por envolvimento com o mensalão?
Antonio Fernando — A denúncia foi feita à luz de dados que indicavam elementos suficientes de autoria e materialidade. O Supremo [Tribunal Federal] corroborou essa compreensão em quase tudo. A expectativa é a de que, ao final, o Supremo faça um julgamento justo. Não posso antecipar, mas em alguns casos os elementos probatórios eram muito robustos.

Há 600 testemunhas só de defesa. Não há o risco de crimes prescreverem?
Antonio Fernando — Não há nenhuma possibilidade. A ação penal está indo num ritmo surpreendente, graças ao ministro Joaquim [Barbosa, relator do processo], que tem pedido aos juízes designados que façam a coleta de depoimentos com brevidade.

Por prescrição, então, ninguém será absolvido?
Antonio Fernando — Não há essa possibilidade.

O sr. sofreu críticas por ter usado termos como "organização criminosa" e "quadrilha". Está convencido da compra premeditada de apoio político?Antonio Fernando — Existem expressões técnicas que ganham externamente conteúdo mais forte. Por exemplo, quadrilha. É um tipo descrito no Código Penal. Não teve nenhum outro conteúdo. Até porque todas as minhas manifestações são desprovidas de adjetivo. Mas a imputação [desses crimes aos réus] foi feita com convencimento.

Então, há indícios claros de compra de apoio?
Antonio Fernando — Suficientes. E o Supremo num juízo preliminar entendeu que os elementos eram suficientes.

Afinal, houve dinheiro público no mensalão?
Antonio Fernando — Sim. A imputação é a de que ao menos parte do dinheiro é de natureza pública.

O sr. já declarou não ter visto indícios da participação do presidente Lula. Acha que ele sabia?
Antonio Fernando — Não há, pelo menos no juízo que eu fiz, elementos indiciários capazes de comprometer a participação dele naqueles episódios. Agora, o que eu acho pessoalmente é irrelevante.

Surpreendeu-se ao ser reconduzido pelo presidente Lula ao cargo em 2007 [o Ministério Público Federal faz uma eleição interna, que pode ou não ser seguida pelo presidente]?
Antonio Fernando — Não me surpreendi. Mas revelou uma grandeza. [Ele] não misturou sentimentos que possa ter de natureza partidária com o comportamento de uma autoridade que tem a missão de tomar uma providência. Não se pode viver na gestão da coisa pública de vinganças.

O que o sr. pensa sobre a hipótese de terceiro mandato para presidente?
Antonio Fernando — Com a visão de eleitor, eu preferia que não houvesse nem a reeleição. A minha posição é que nesse cargo os mandatos deveriam ser republicanamente alternados a cada período.

Fugindo ao seu estilo, o sr. comprou uma briga pública com o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, quando ele criticou a falta de ação do Ministério Público no combate a ações ilegais dos sem-terra. Acha que ele foi desleal?
Antonio Fernando — Eu tenho como método só me manifestar sobre o que eu tenho conhecimento. Quando se exerce cargo público dessa responsabilidade, devemos agir com o máximo de cuidado. O Ministério Público é acusado de viver divulgando fatos. Nesse caso, o Ministério Público atuou sem divulgação. E isso surpreende as pessoas às vezes. Faltou informação suficiente [a Gilmar Mendes].

O presidente do Poder Judiciário pode estar tão presente na mídia?
Antonio Fernando — Cada um tem o juízo de como deve se conduzir num cargo público. No meu caso, as minhas aparições têm que ser em momentos muito seguros. Por isso me preservei nesses quatro anos.

O Supremo é capaz de conduzir investigações criminais? O foro privilegiado protege autoridades?
Antonio Fernando — Algumas investigações são mais complexas e outras, menos. Não se pode fazer uma relação necessária do foro com uma inviabilidade da investigação ou de uma ação penal. No caso da ação decorrente do inquérito 2.245 [do mensalão], há muitos réus, muita prova a ser colhida e, mesmo assim, está tendo um curso razoável.

O Ministério Público corre o risco de ter seu poder de investigação limitado?
Antonio Fernando — Nesse momento, há uma preocupação muito grande em se atribuir todas as dificuldades ao Ministério Público. Talvez, se as pessoas tivessem a noção exata do que cabe a cada um fazer, chegariam à conclusão de que o Ministério Público cumpre o que manda a Constituição.

O sr. está se referindo à chamada Lei da Mordaça?
Antonio Fernando — Sim. Temos em torno de 20 mil membros do Ministério Público no Brasil. Apontam-se os mesmos cinco, dez casos em que teria havido exagero. Será que é razoável criar um obstáculo ao trabalho da instituição por isso? Esse projeto é um desserviço à sociedade. Há mecanismos para responsabilizar quem exerce mal a sua atribuição. O que se quer é criar um impedimento à instituição.

Em sua opinião, o Ministério Público deve fazer grampo?
Antonio Fernando — É um instrumento que deve ser usado com muita parcimônia. É fundamental, mas tudo o que se obtém em interceptações deve ser concretizado ou em documentos ou em documentação de encontros, entre outros mecanismos. O Ministério Público não tem nenhum aparelho de escuta, é bom que fique bem claro. Um procurador ficar executando uma escuta me parece desproporcional.

O expediente do sigilo de Justiça é exagerado no Brasil?
Antonio Fernando — Acho que sim. Quando se tem elementos que sugerem que o sigilo está sendo usado para esconder um delito, não pode haver essa dificuldade tão grande que se tem para se obter resultado [em uma investigação].

Que efeito educativo pode ter essa série de cassação de governadores?
Antonio Fernando — A pessoa vai pensar duas vezes. Quem quer se desviar tem que estar ciente de um risco efetivo de sofrer a punição.

E por que no Congresso os escândalos não param?
Antonio Fernando — Há também o amadurecimento da sociedade. A partir de 1988 há uma liberdade absoluta de imprensa e há uma circulação mais rápida de notícias e de dados. Há uma série de circunstâncias que militam para que essas informações apareçam.

O sr. então vê esse processo com otimismo?
Antonio Fernando — Sim. As instituições e o Estado devem funcionar bem. Por isso eu insisto tanto: não queiram amordaçar o Ministério Público! Essa é uma instituição para preservar exatamente a lisura na atividade estatal.

Acha que programas como o Bolsa Família são usados como moeda eleitoral?
Antonio Fernando — A história do administrador vai ficar marcada pelo que ele faz. Pode ter potencial [eleitoral]? Pode. Mas pode ter potencial negativo. O administrador público não pode ficar tolhido em implantar programas porque isso pode ser visto como um programa com conteúdo eleitoral.

Preocupa o fato de a campanha de 2010 já estar nas ruas?
Antonio Fernando — Quem tem a idade que eu tenho verifica que termina uma eleição e todos já começam a se articular para uma nova. Aí fica a grande disputa: fulano está fazendo campanha, beltrano está fazendo campanha. Mas na mídia a gente vê todos aqueles que querem ser candidatos a alguma coisa presentes. Não me parece que tenha alguém ausente (risos).

O que fará após deixar o cargo?
Antonio Fernando — Eu vou tirar 40 dias de férias (risos).

E depois?
Antonio Fernando — Vou decidir nesses 40 dias.

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