Pacto dos Poderes

As necessidades do país vão além do Pacto Republicano

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11 de junho de 2009, 15h18

É louvável o esforço dos poderes constituídos, ao anunciarem o II Pacto Republicano de Estado, que pontua diversas iniciativas para o aprimoramento institucional do Estado Democrático de Direito. Porém, sem dúvida nenhuma, nesse momento histórico de amadurecimento da ordem, democrática, muito mais que um pacto dos Poderes de Estado, nosso país precisa urgentemente lançar as bases de uma verdadeira cultura republicana.

Nos sucessivos escândalos de corrupção, passando pelos indesculpáveis privilégios dos cargos públicos, até aos favorecimentos de amigos, tráficos de influência, desvios de conduta e até mesmo no paternalismo estatal, ressentimos a ausência dos valores e princípios republicanos de muitos daqueles que deveriam servir a res publica.

Na Roma republicana, a maior honraria pessoal era servir à república. Serviço esse que não importava em nenhuma remuneração. O preenchimento dos cargos na republica romana se dava por eleição, com mandato anual, sem direito à reeleição. Durante séculos, servir a res publica de Roma era uma honra que não poderia ser superada por nenhum outro tributo, nem maculada pelo interesse ou pela vaidade pessoal. Somente quando a expansão imperialista-militar contaminou a republica romana com esses dois vírus – interesse e vaidade – seus valores desfaleceram e não demorou muito para ser submetida à ditadura por Julio César.

No Brasil, carregamos no ventre de nossa insipiente república, a herança de nosso passado colonial e monarquista. O cargo público no Brasil é visto como título e atributo personalíssimo, prestígio e distinção acima dos demais, como outrora eram os títulos de nobreza, confundindo-se com “status” e privilégios. O apego ao cerimonial dos pronomes de tratamento e títulos revela sua origem aristocrática. Por isso o conceito de autoridade no Brasil é deturpado, sendo entendido, primeiramente, como “aquele que manda”, donde exsurge o hábito das “carteiradas” e do “sabe com quem está falando?”. A autoridade aqui não se conjuga com responsabilidade de servir a coisa pública, mas sucumbe no vício de se servir da coisa pública. Assim, o senso comum considera o privilégio inerente ao cargo público: “quem tem padrinho não morre pagão”, diz o adágio popular.

A falta de uma cultura republicana no Brasil alcança mesmo o próprio povo, deturpando-lhe o conceito de cidadania, aqui alienado do binômio “direitos e deveres”. Daí o paternalismo estatal passar a ser usado como instrumento político útil e necessário à manipulação de massa. Mas essa falta de valores republicanos, não se subsume a esfera político institucional.

É visível também em nosso Poder Judiciário e não me refiro ao recente confronto de egos em nossa Suprema Corte. Quem vive o dia-a-dia de nosso judiciário, sabe que a pompa e o cerimonial que envolve os depositários da função judicante, há muito afastou da sociedade a apreensão do correto significado da justiça. Mas esse afastamento é muito mais grave do que se supõe. Pior do que o mero senso de impunidade contribui para apartar do inconsciente coletivo a dimensão cotidiana da ética como valor da vida social.

O homem que não vê a justiça dos homens se despe da ética entre os homens. E pouco adianta as atuais medidas de “democratização” do acesso ao judiciário, através dos juizados especiais, pois na prática estão resultando em prejuízo à qualidade da prestação jurisdicional, com magistrados cada vez mais distanciados do caso concreto, premidos por metas de produtividade, que são atingidas a qualquer custo, com a distribuição de micro-tutelas compensatórias, não contribuindo para o aumento proporcional da confiabilidade no poder jurisdicional do Estado.

Por outro lado, é comum em nosso país confundir-se Estado e nação. Talvez porque em nossa História como colônia, o Estado nasceu muito antes de a nação brasileira ter se formado. Isso inverteu as prioridades em nossa cultura política, dando margem às relações “umbilicais” entre o Poder Econômico e o Poder Público, que lançaram nosso regime republicano sobre novas bases, reeditando a metáfora crítica de George Orwel: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros”. Mas acontece que o pressuposto republicano fundamental para um Estado Democrático de Direito é justamente a igualdade entre os seus cidadãos, que repele a idéia de “privilégios” para o serviço da coisa pública e impele a vedação de favorecimento pessoal ou de influência de interesses subjacentes sobre o exercício dos poderes públicos.

A supremacia da igualdade como valor supremo de nossa República, encontra-se expressa no preâmbulo de nossa Constituição, donde é possível afirmar, que sobre o princípio da isonomia, tanto quanto o da legalidade, se apóia toda a ordem institucional democrática, afinal como bem advertiu Tácito "Numa república corrompida fazem-se muitas leis".

Mas é preciso reconhecer, que uma cultura republicana precisa ser iniciada no ensino escolar, através de um amplo e sincero esforço educacional de base, pois vai muito além da simples ética na gestão da coisa pública: exige compromisso, senso de dever, postura de altivez e serviço, alicerces de uma verdadeira cidadania. Acima de tudo, implica na correta apreensão de que a autoridade republicana não é um atributo personalíssimo, nem outorga transcendental, deflui unicamente da lei e, desta forma, está sempre, diretamente, relacionada e dependente da estrita observância da lei.

A república é o governo das leis e não de personalidades, onde o titular absoluto do poder é o povo, que o exerce diretamente ou por representantes eleitos. Assim, austeridade e sobriedade são virtudes republicanas, que não se conjugam com os vícios do personalismo. O ethos público exige que o político, o magistrado, enfim, o ocupante de cargo público, antes de tudo deva ser um cidadão e, como tal, saber exercer sua função ou autoridade, com o denodo e a responsabilidade de um servidor público.

Só quando nosso povo inteirar-se de que a cidadania implica em efetivo exercício de direitos e deveres político-sociais; só quando uma autoridade compreender que ocupa o seu cargo por outorga do povo, que sua autoridade decorre da estrita observância da lei, que o cargo que ocupa não é um privilégio pessoal, nem um “status” social, mas tão somente uma honra pelo serviço prestado à coisa pública, aí sim, teremos uma verdadeira cultura republicana em nosso país, realçando o significado das palavras de John F. Kennedy: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer por seu país.”

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