Novos financiamentos

Os títulos de crédito advindos do desenvolvimento econômico

Autor

  • Ricardo Montu

    é advogado em São Paulo. Pós-graduado em Direito Comercial/Societário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Estratégia Empresarial e Direito Comercial no Centro Universitário Radial / Universidade Estácio de Sá

9 de junho de 2009, 14h27

O desenvolvimento da economia e a constante atualização do Direito fizeram com que inúmeros tipos de diferentes títulos de crédito fossem criados ao longo do tempo e, hoje, no Direito brasileiro, conhecemos dezenas de espécies distintas (REQUIÃO, Rubens).

Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, a implantação e a exploração de atividade econômica depende de tal forma de acesso regular ao crédito bancário que a ordem jurídica brasileira, além de contemplar mecanismos que procuram assegurar o financiamento às atividades empresariais, desenvolve instrumentos negociais próprios para atendimento às peculiaridades de cada setor da economia. Menciona o ilustre professor que no plano dos instrumentos negociais, criado pelo direito para viabilizar o fomento de atividades econômicas, cabe destacar os diversos títulos de financiamento, introduzidos ou redisciplinados pela Lei no contexto das reformas desenvolvimentistas implementadas a partir da segunda metade dos anos 1960.

De acordo com Coelho os primeiros desses instrumentos financeiros remodelados foram as Cédulas de Crédito Rural, redisciplinadas pelo Decreto-Lei n. 167/67, com o objetivo de vocacioná-las ao atendimento, de um lado, das necessidades de garantia das instituições financiadoras das culturas rurais e, de outro, das peculiaridades do empreendimento rural fomentado. Seguiram-se às Cédulas de Crédito Rurais outros instrumentos creditícios. Em 1969 foram criadas as Cédulas de Crédito Industriais (Decreto-Lei 413/69), destinadas ao fomento da atividade industrial e em 1975 as Cédulas de Crédito à Exportação (Lei 6313/75), representativas de operações de financiamento à exportação. Finalmente, em 1980 surgiram as Cédulas de Crédito Comerciais, relacionadas ao financiamento de atividade comercial ou de prestação de serviços (Lei 6840/80).

Estes instrumentos funcionam como mecanismos de facilitação ao crédito, estimulando o desenvolvimento das atividades econômicas, permitindo a obtenção de financiamento junto ao sistema financeiro.

Estas cédulas assumem as características gerais dos títulos de crédito, o que torna possível a sua circulação, normalmente possibilitando a constituição de garantias.

Acerca das Cédulas Rurais o professor Arnoldo Wald, com propriedade, descreve que estas se dividem em quatro tipos diferentes: cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária, e nota de crédito rural. A diferença principal, como se depreende da própria nomenclatura, é quanto às garantias reais constituídas na cédula (penhor, hipoteca, ambas ou nenhuma, respectivamente). Por fim, menciona que em qualquer das modalidades, as cédulas de crédito rural caracterizam-se como “promessa de pagamento em dinheiro” (art. 9º, caput), e destinam-se à concessão de financiamento rural, por órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural, a pessoas físicas ou jurídicas, incluindo cooperativas rurais, seus associados e filiados (art. 1º).

WALD explica que, em resumo, o emitente toma dinheiro emprestado contra a promessa de pagamento, dadas as garantias constantes do título. A promessa de pagamento é em dinheiro, e há compromisso de utilização dos recursos na forma e para os fins pactuados, tratando-se, pois, de um crédito vinculado ou afetado a uma determinada finalidade.

Ocorre que este modelo vinha se mostrando ineficaz e ultrapassado, uma vez que as garantias oferecidas não se mostravam suficientes para os financiadores e em contrapartida, para os tomadores, o cumprimento da promessa de pagamento em dinheiro era temerária, diante da dificuldade de projeção dos preços agrícolas frente a uma inflação galopante.

Neste contexto, para o produtor, vislumbrar o cumprimento da obrigação através da efetiva entrega de produtos se tornou algo muito mais atraente, eis que, para o produtor é algo plenamente possível de se dimensionar, independentemente do fluxo inflacionário.

Seguindo esse parâmetro é que foi editada a lei n. 8929/94, criando a Cédula de Produto Rural (CPR), que tem por objeto a promessa de entrega de produtos rurais e não mais a quantia em dinheiro.

O presente trabalho tem por objetivo abordar algumas características da Cédula de Produto Rural.

Cédula de Produto Rural
A Cédula de Produto Rural, regulada pela Lei n. 8929/94, é um título que tem por objeto uma promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.

Por sua natureza a CPR é título líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto nela expresso, não obstante a lei permita a sua liquidação financeira, uma vez observados os requisitos previstos no artigo 4º da lei n. 8929/94.

A lei confere legitimação para emitir a Cédula de Produto Rural somente ao produtor rural e suas associações, inclusive cooperativas.

No momento da sua emissão a CPR deverá essencialmente conter: denominação “Cédula de Produto Rural”; data da entrega; nome do credor e cláusula à ordem; promessa pura e simples de entregar o produto, sua indicação e as especificações de qualidade e quantidade; local e condições da entrega; descrição dos bens cedularmente vinculados em garantia; data e lugar da emissão; assinatura do emitente.

Importante observar que a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto, podendo constar, inclusive, de documento à parte, com assinatura do emitente, fazendo-se menção na cédula dessa circunstância.

Dessa forma, o que se extrai é que com o surgimento da CPR, através da qual o emitente não se obriga a pagar determinada quantia, mas sim a entregar certa quantidade de produto, conforme descrito no título, as operações de fomento à atividade rural tornaram-se mais viáveis eis que esta sistemática já não traz restrições quanto à pessoa do credor nem tampouco quanto ao uso dos recursos de financiamento, o que ocorria com as operações objeto de emissão das Cédulas Rurais reguladas pelo Decreto-Lei 167/67.

Dessa forma, qualquer tipo de produto rural pode ser objeto de emissão de CPR, desde que se cumpram os requisitos formais constantes do artigo 3º da lei 8929/94.

Entretanto, conforme leciona o professor Arnoldo Wald, os juristas que até agora se manifestaram sobre os produtos rurais passíveis de promessa de entrega futura na forma da lei 8929/94 não tiveram a preocupação de defini-los.

Em sua lição WALD ensina:
Como exemplo, Paulo Salvador Frontini usa por vezes a expressão “produto agropecuário”, ao passo que Waldirio Bulgarelli limita-se a repetir o termo empregado na lei, ou seja, “produto rural”. Se formos às definições de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, veremos que “produto” é “aquilo que é produzido pela natureza (produto vegetal, produto mineral)”, e também “resultado de qualquer atividade humana– física ou mental (o produto da colheita, um produto da imaginação)”. A palavar “rural”, por sua vez, é definida como “pertencente ou relativo ao, ou próprio do campo”. Assim, podemos concluir que, dentro da expressão “produto rural”, estaria inserido “o resultado de uma atividade humana relativa ao campo”. O açúcar e o álcool certamente se enquadram nessa categoria, pois são o resultado direto do aproveitamento da cana colhida.

Ainda como característica peculiar à CPR, verifica-se que o emitente além de responder pela evicção dos produtos objeto do título, não podem invocar em seu benefício a ocorrência de caso fortuito ou força maior, em função da segurança da relação firmada, eis que, se ao contrário fosse, traria demasiado risco ao credor.

Na época avençada o credor não poderá recusar o recebimento dos produtos. Entretanto a entrega antes da data prevista pode ocorrer, mediante a sua anuência.

 Garantias

A lei prevê a possibilidade de se estabelecer garantia cedular da obrigação, que poderá consistir em: hipoteca, penhor ou alienação fiduciária.

Importante se faz ressaltar que a instituição da garantia se perfaz no próprio título, não havendo a necessidade de instrumento próprio para isso.

Por outro lado, a emissão da CPR pode também prescindir da instituição da garantia real, conforme se extrai do artigo 1º da lei 8929/94.

Aval:No entendimento do ilustre professor Arnoldo Wald, apesar de não haver menção expressa acerca da aplicação do aval, o parágrafo 1º do artigo 3º da lei 8929/94 admite que a CPR possa conter outras cláusulas em seu contexto, o que justificaria a sua aplicabilidade. Por outro lado o artigo 10 da referida lei determina a aplicação, no que for cabível, das normas de direito cambiário, explicitando em seu inciso III, como exceção às regras cambiárias gerais, a dispensa do protesto cambial para assegurar o direito de regresso contra avalistas. Se há regras sobre direitos em face de avalistas é porque o título em tela comporta a concessão do aval.

Hipoteca: Embora a lei admita a instituição da hipoteca sobre bens móveis, a lei que regula a CPR somente admite que esta recaia sobre imóveis rurais e urbanos, nos casos em que envolvam a garantia de que trata a emissão do título em tela, conforme preceitua o artigo 6º da lei 8929/94. No mais, aplicam-se as normas gerais acerca do instituto, naquilo em que não colida com a lei da CPR.

Penhor: Podem ser objeto de penhor cedular os bens suscetíveis de penhor rural e de penhor mercantil, bem como os bens suscetíveis de penhor cedular, é o que determina o artigo 7º da Lei da CPR. A utilização do penhor na CPR foi uma inovação legislativa nessa seara, eis que o Decreto-Lei 167/67, que trata das Cédulas Rurais em Geral não contemplava tal hipótese.

Alienação Fiduciária: A CPR admite também a constituição da garantia através da alienação fiduciária. Criada pela Lei 4.728/65, com nova redação dada pelo art. 1º do Decreto-Lei n.º 911/69, têm-se que: "Art. 66 – A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal."

Dessa forma, o credor da CPR receberá a propriedade (resolúvel) de determinado bem, identificado na cártula, e em caso de inadimplemento deverá vendê-lo para satisfazer o crédito.

O artigo 8º da lei 8929/94 dispõe também que a não-identificação dos bens objeto da alienação fiduciária não retira a eficácia da garantia, que poderá incidir sobre outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade, de propriedade do garante.

Registro: Para que a CPR tenha eficácia contra terceiros, em função das garantias estabelecidas, deve-se inscrevê-la no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente e no caso de hipoteca e penhor deverá também ser averbada na matricula do imóvel hipotecado e no cartório de localização dos bens apenhados. A lei atribui ainda o prazo de 3 dias úteis, a contar do recebimento do título oficial de registro, para que se efetue a inscrição ou averbação da CPR ou aditivos, sob pena de responsabilidade funcional do oficial encarregado de promover os atos necessários.

Por fim, para efeitos de registro, a cobrança de emolumentos e custas das CPR será regida de acordo com as normas aplicáveis à Cédula de Crédito Rural.

Negociabilidade
O artigo 19 da lei 8929/94 prevê que a CPR poderá ser negociada nos mercados de bolsas e de balcão.

Entretanto, como condição indispensável para a negociação em bolsa e mercado de balcão deverá obter o registro da CPR em sistema de registro e de liquidação financeira, administrado por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil.

A CPR devidamente registrada será considerada ativo financeiro e não há incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

Para que possa ser viabilizado o registro da CPR em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil deverão ser atendidos os seguintes requisitos:

I – será cartular antes do seu registro e após a sua baixa e escritural ou eletrônica enquanto permanecer registrada em sistema de registro e de liquidação financeira;

II – os negócios ocorridos durante o período em que a CPR estiver registrada em sistema de registro e de liquidação financeira não serão transcritos no verso dos títulos;

III – a entidade registradora é responsável pela manutenção do registro da cadeia de negócios ocorridos no período em que os títulos estiverem registrados.

Por fim, na hipótese de contar com garantia de instituição financeira ou seguradora, a CPR poderá ser emitida em favor do garantidor, devendo o emitente entregá-la a este, por meio de endosso-mandato com poderes para negociá-la, custodiá-la, registrá-la em sistema de registro e liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil e endossá-la ao credor informado pelo sistema de registro.

Bibliografia:
COELHO, Fábio Ulhoa – Curso de direito comercial, volume 1 : empresa e estabelecimento e títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008
MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 9. ed. Forense, 1994.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 16. ed. Saraiva, 1986.
WALD, Arnoldo. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal – n. 136 – out/dez 1997.

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    é advogado em São Paulo. Pós-graduado em Direito Comercial/Societário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Estratégia Empresarial e Direito Comercial no Centro Universitário Radial / Universidade Estácio de Sá.

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