Justiça moderna

Videoconferência: tecnologia a serviço da sociedade

Autor

  • Rodrigo Carneiro Gomes

    é delegado da Polícia Federal pós-graduado em Processo Civil Segurança Pública e Defesa Social. Foi chefe do serviço de apoio disciplinar da Corregedoria-Geral e ex-assessor de ministro do STJ. É professor da Academia Nacional de Polícia lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado e autor do livro O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo Ed. Del Rey

8 de junho de 2009, 16h40

A realização de interrogatórios de presos por meio de videoconferência representa poderoso instrumento de celeridade e desburocratização da Justiça, amparada pela Convenção de Palermo. Por tal razão, o ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu o aproveitamento da “revolução tecnológica, para simplificar, dar segurança e cortar custos”, considerada a garantia ao preso da presença do advogado. Fruto dessa visão alvissareira, a Lei 11.900/2009 conferiu nova redação aos artigos 185 e 222, do CPP, acrescentando o artigo 222-A.

A sanção presidencial resulta de um amplo e polêmico debate que colocou o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal em posições diversas, o que chegou a acarretar o reconhecimento de inconstitucionalidade da lei paulista que disciplinava o uso da videoconferência e, em ato contínuo, o exercício da vontade política do governo paulista que sensibilizou a União para externar o novel regramento federal.

E razão para tanto não faltava. Em São Paulo, cada escolta de preso custa cerca de R$ 2.500, entre uso de viaturas e recursos humanos, com estimativa de 7 mil escoltas por semana. A economia para a União, considerada apenas a realidade paulista, é estimada em mais de R$ 1 bilhão. Não podemos esquecer a inestimável perda de policiais inocentes. Em 2005, dois policiais foram assassinados quando levavam um traficante para audiência, que foi resgatado por um bando armado com fuzis.

A partir da Lei 11.900/2009, a vontade do povo aperfeiçoada pelo processo legislativo e pela sanção presidencial, assegura novas regras para o interrogatório:
— presencial, com deslocamento do magistrado ao presídio (o Juiz vai ao preso). É a regra geral e o interrogatório será realizado em sala adequada do local em que estiver recolhido (de delegacia, presídio, quartel), com a presença do juiz, membro do MP, defensor e seus auxiliares;
— por videoconferência, de forma excepcional e justificada, intimadas as partes com 10 dias de antecedência, presentes os seguintes requisitos: a.) prevenir risco à segurança pública, no caso de preso que integre organização criminosa; b.) risco de fuga ou resgate; c.) dificuldade do preso para o comparecimento em juízo, por enfermidade, restrição de locomoção ou ato análogo; d.) impedir a influência ou coação do réu no ânimo de testemunha ou da vítima; e.) gravíssima questão de ordem pública;
— presencial, com deslocamento do interrogando, requisitada sua apresentação ao juízo competente (o preso vai ao juiz, com escolta policial), quando não for o caso de interrogatório presencial no próprio presídio ou outro local que esteja recolhido, nem caso de videoconferência.

Em todos os casos, é assegurado ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor. Haverá acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso, quando se tratar de videoconferência. Essas regras são válidas para os demais atos que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.

A videoconferência é recurso tecnológico a serviço da sociedade e do bem público. Concebida, inicialmente para interrogatórios de réus presos, pode ter seu uso estendido para oitiva de testemunha, vítima e réu solto que moram fora da jurisdição do juiz (ou distante da sede do juízo, ou mesmo em local de difícil acesso, a partir de telecentros instalados em diversos locais do país, mediante convênio com o Poder Judiciário), permitida a presença do defensor, podendo ser realizada até mesmo durante a própria audiência de instrução e julgamento, em observância aos princípios da celeridade, instrumentalidade e oralidade. Não se trata de mera interpretação ou analogia, mas de previsão expressa do artigo 222, parágrao 3º do CPP.

Nessa esteira, admitido o uso da videoconferência para abreviar o rito das cartas precatórias, o atento legislador acresceu o artigo 222-A ao CPP, estatuindo a excepcionalidade da carta rogatória, que agora dependerá da prévia demonstração da sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. A alteração impedirá manobras procrastinatórias e a eternização de julgamento de ações penais por falta ou demora de expedição e devolução de cartas rogatórias, muito comum em casos de grande repercussão e que envolvam o “colarinho branco”. Atente-se, pois, para os novos requisitos para expedição de carta rogatória: a.) demonstração prévia da imprescindibilidade; b.) pagamento dos custos de envio.

A modificação processual também atende aos anseios de uma Justiça célere e eficaz, mitigando o rigor de formas e o trâmite burocrático de cartas rogatórias entre Cortes de Justiça de países com regramentos jurídicos diversos, a partir do momento que o legislador processual penal incentiva, indiretamente, a adoção de medidas de cooperação jurídica internacional direta ou mesmo cooperação policial.

A Lei 11.900/2009, com a fundamental contribuição da Secretaria de Assuntos Legislativos do MJ, representa a desoneração do Estado e do contribuinte; o aperfeiçoamento da segurança pública; a redução do risco de fugas e a preservação de direitos e garantias fundamentais do preso, policiais, advogados, juízes e promotores, com amparo na Convenção de Palermo (Dec. 5015/04), na Convenção de Mérida (Dec. 5.687/06) e no Estatuto de Roma do Tribunal Pleno Internacional.

Conclui-se pela insubsistência dos óbices que se impunham contra o avanço da modernidade, pela falta de previsão legal para o seu uso (HC 88.914, Rel. Min. Cezar Peluso) e, por fim, será plausível a adoção de tal instrumento de prova em sede de inquérito policial, especialmente quando o investigado esteja preso em outra UF e investigado por delitos praticados em local e data diversos.

[Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira (8/6) do Correio Braziliense]

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    é delegado da Polícia Federal, pós-graduado em Processo Civil, Segurança Pública e Defesa Social. Foi chefe do serviço de apoio disciplinar da Corregedoria-Geral e ex-assessor de ministro do STJ. É professor da Academia Nacional de Polícia, lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado, e autor do livro O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo, Ed. Del Rey

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