Conflitos em arbitragem

Justiça do trabalho deve avaliar peso das partes

Autor

  • Mauro Tavares Cerdeira

    é advogado e economista especialista em técnicas de negociação e administração legal para advogados pela FGV-SP pós-graduado em políticas e estratégia pelo núcleo de políticas e estratégia da Universidade de São Paulo em Direito do Trabalho e Direito Constitucional pelo Centro de Extensão Universitária em São Paulo e sócio fundador do escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais

4 de junho de 2009, 8h39

Recentemente, foi publicada decisão da 3ª turma do Tribunal Superior do Trabalho sobre a impossibilidade de utilização da arbitragem na solução de conflitos individuais trabalhistas. O tema, como todos sabem, ainda “vai dar pano pra manga”. Nossa intenção é analisá-lo sob o aspecto prático, uma vez que a utilização da arbitragem em questões de natureza trabalhista é crescente.

A decisão do TST, muito perfuntoriamente, está baseada no argumento de que "os direitos individuais trabalhistas são indisponíveis e existe isonomia de tratamento legal para todos os níveis de trabalhadores; já que no caso específico julgado, tratava-se o empregado de um alto funcionário (sic)."

A decisão, como já dito, está longe de ser uma unanimidade, já que existem algumas cortes internas no TST e figuras jurídicas de peso, internas e externas àquele órgão, que defendem a aplicabilidade da arbitragem na Justiça do Trabalho, em geral com algumas restrições.

Segundo decorre da análise de textos recentes de alguns respeitados juristas, contudo, a arbitragem não estaria adstrita, na esfera trabalhista, à aplicabilidade na prevenção de dissídios coletivos, mas de acordo com sua própria Lei 9.307/96, a CLT e a Constituição Federal, teria sim possibilidade de aplicabilidade na solução de conflitos na esfera individual.

A verdade, porém, no nosso humilde enxergar, é que a interpretação do conjunto legislativo sempre depende do intérprete, de sua capacidade de convencimento, e mais ainda, de sua efetiva influência, aceitação social e principalmente de seu poder político. Isso é evidenciado nas questões polêmicas e de elevada repercussão que costumamos vivenciar.

A verdade, então, como dizem nas nossas Minas Gerais, depende de quem conta a história, independentemente do que tenha ocorrido. Aqui no Brasil já vi isso ocorrer mais de cem vezes. Ou até mil. O direito indisponível pode ser disponível e voltar a ser indisponível, a mercê da inteligência humana, da lógica e logística do raciocínio, da teleologia aplicável, de diversas circunstâncias “e de outras”, da ordem com que se deu a interpretação legislativa, dos efetivos interesses, ou se o negócio se deu antes ou depois do almoço.

E isso eu me lembro como se fosse hoje, e quem me ensinou, já na militância de advogado, foram mesmo os Ministros do TST, na primeira metade da década de 90. Conto a história, rapidamente.

Na época em que iniciei minha advocacia, tinha um governante chamado Collor. Depois, fez umas barbáries e acho que foi esquecido. Ou estou sendo irônico? E também naquela época havia uma inflação, “galopante” ou “inercial” ou “estratosférica”, enfim, cheia de apelidos, mas que era mesmo brava. No ano de 1991, se não me engano, no mês de março, o índice oficial mediu esta inflação em cerca de 84%.

Os mais jovens não lembram, mas os mais pobres, que não tinham acesso ao over night, corriam para comprar todas as necessidades do mês na hora exata em que recebiam os seus salários, pois no dia seguinte, ou até dali a poucas horas, já seria bem mais caro.

O fenômeno da hiperinflação é uma praga de difícil combate, que já acometeu diversas economias em ambientes históricos distintos. É um descontrole absurdo, e costuma sacrificar bem mais os menos favorecidos, que não conseguem instituir barreiras de proteção. Lembro-me de um antigo Professor de Economia, alemão, que contava que após a primeira guerra, em seu País, ao sentar em um bar ou café, pedia logo 4 cervejas de uma vez e as pagava, pois senão quando pedisse a segunda, esta já seria 50% mais cara, e a terceira o dobro do preço, e a quarta não daria para tomar, pois haveria acabado o dinheiro e o garçom ainda ficaria sem a gorjeta.

Bom, esse Collor, que nunca mais ouvimos falar, graças a Deus (estou sendo irônico?), decretou um plano, que tinha seu nome (ele era meio “vaidosão”) e inventou uma moda, de não aplicar o índice inflacionário do mês de março, cuja carestia de preços já tinha ocorrido, nas remunerações dos trabalhadores. Entendeu ele que o “bom” seria aplicar só uma metade, ou menos, não me lembro tão bem, o que provocou uma perda de uns 25% ou 30% nos salários reais, mas tudo bem, que ele mesmo era rico e não era assalariado e a verba da presidência era só para comprar um terno Armani etc.


Todo mundo entrou com ação na Justiça do Trabalho. Queriam, lógico, esta importante diferença salarial. E os julgados vieram reparando as perdas. E as ações foram “subindo”, e o tempo passando. E as ações chegaram ao TST. Como passaram anos, e as diferenças eram grandes, os interlocutores das empresas e de órgãos públicos disseram todos que se tivessem que pagar as diferenças iriam quebrar, que o País quebraria, igual quando o Lula foi eleito para o primeiro mandato. Lembram do Dr. Mário Amato, que iria com uma turma de mais de cinquenta mil empresários para Miami? E que levariam a Regina Duarte?

No TST, a questão para a formação da tese jurídica que resolveria o impasse foi entregue às mãos de um experiente Ministro. O Relator então designado, brilhante jurista, fez um voto notável, e nele, explicou que aqueles 84% da inflação passada, computada e agregada, que todo mês “gatilhava” (esse era o termo, salvo engano) nos salários de todos, que já estava ganha e fazia mesmo parte do patrimônio de todos trabalhadores, e que só não foi paga por decreto do Presidente Collor (aliás, teve trabalhador que chegou a receber, havendo compensação no mês seguinte), não se tratava de “direito adquirido”, mas de mera “expectativa de direito”, ainda “não incorporada ao seu patrimônio”, ou algo parecido.

Era como te dizer algo assim: “Olha, você concebeu o seu filho, acompanhou a gravidez, mas o médico atrasou umas horas para a cesariana e um minuto antes dele sair de sua barriga, foi aprovado um decreto “collorido” que dá a guarda dos filhos recém nascidos aos vizinhos, e então agora ele é do seu vizinho, e você, infelizmente, não tem direito algum, já que como faltava um minuto para você ver a carinha dele, somente havia expectativa do direito ao seu filho e ele não se incorporara ao seu patrimônio jurídico “filial”, ok?”

E o mais angustiante, essa tese era explicitada, para mim, um advogado novo em folha, em umas folhas branquinhas, mas tão bem redigida, de forma tão lógica e fundamentada, que parecia cada vez mais me envolver e convencer, a ponto de eu conseguir explicá-la para as pessoas prejudicadas, sem que apanhasse em seguida. Olha que sorte!

Então eu aprendi naquele dia, uma coisa que fico pensando sempre até hoje, e que talvez até mesmo já soubesse; o direito é uma coisa muito bacana e a gente tem um “tantão” de leis e cada dia mais umas “cento e cinquenta", mas a justiça não é coisa mesmo para os homens. Como diz o meu caseiro: “a gente faz o possível para viver, né Seu Mauro? Por mais que a turma tente atrapalhar!”.

O que é dado ao juiz é resolver as lides, não fazer exatamente justiça. E eles resolvem da melhor forma possível, isso eu tenho certeza, mas as limitações são imensas, de ordem humana, social, econômica, política, interpretativa etc. E olha que não estou eu a maldizer o TST ou o doutor relator daquele brilhante voto. Já que sei muito bem o que é sofrer pressões e o que é ter nas costas uma responsabilidade daquelas, criada por um político aventureiro.

E outra coisa interessante, que é para se pensar: Talvez seja até fácil ler uma ou duas normas, confrontar umas jurisprudências e desenvolver uma tese. O que dá medo é o que será da repercussão no caso concreto!

E já repararam como os juízes decidem? Parece-me e tenho observado cada vez mais, que quando começam a julgar, já decidiram a questão, somente faltando escolher a linha de fundamentação. Ou seja, acredito que o direito é constatado ora até intuitivamente, ora por razões simples ou complexas, que tem relação tanto com o direito quanto com outras modalidades do conhecimento e várias circunstâncias e exemplos práticos, e após, há uma pesquisa ou procura para se fundamentar a decisão.  Isso agora, no atual estágio da minha carreira, parece óbvio, mas por muito tempo pensei que o negócio se dava em ordem inversa, que o direito, como teoria, viria antes até a sua mente.

Uma ocasião, já faz tempo, estive assessorando uma parte em uma demanda, em que havia uma filmagem e gravação em vídeo, que resolveria de fato a demanda. A prova era contundente, mas não era prova, não se permitia seu uso. Não correríamos o risco de levar a fita ao juiz “extra-autos”, nem isso era por nós considerado ético. Optamos por juntar a fita, tentar pedir ao juiz o deferimento de seu uso como prova. A fita ficou nos autos por uns três meses. Ao final, foi ordenado o seu desentranhamento. Perdemos? Em relação à fita sim. Não tínhamos outras boas provas. Ninguém tinha. Mas ganhamos a ação. A decisão foi justa, pelo menos para nosso cliente. Um dia sonhei que aquele juiz, pessoa boa, competente e simpática, um tanto mais velho que eu, estava em seu leito de morte, e eu fui visitá-lo. Ele soluçou e me chamou bem perto e me disse, voz rouca: “eu assisti aquela fita!”, e o aparelho apitou constante. Sonhos são sonhos. Liguei para ver se o juiz estava bem. Tudo em ordem!


Enfim, neste aspecto, há como defender legalmente a arbitragem na esfera trabalhista. Há como renegá-la. Dependemos, sempre, do interesse do intérprete, e de circunstâncias diversas. Senão, nossa vida de advogado seria fácil, ou, pelo contrário, talvez muito difícil.

Nós, que estamos na “lida do direito”, vivemos uma contradição por dia, pelo menos, disso não há dúvida. O Groucho Marx, certa feita, andou peregrinando para tentar satisfazer uns requisitos para se associar a um clube social importante. Foi difícil, mas por fim conseguiu, e o aceitaram. Mas ele então se recusou a se associar. Negava-se terminantemente a ser sócio de um clube que o admitisse como sócio. Afinal, se conhecia muito bem! E não era flor que se cheirasse! Não é à toa que nós advogados usamos tanto dos embargos de declaração. E não é raro que a nossa razão por vezes se misture com a razão da parte oposta. Daí a termos de pensar duas vezes antes de criticarmos uma decisão de um julgador, a não ser que esta seja contrária ao nosso cliente; o que possibilita logicamente a abertura de uma humana exceção.

Sobre a disponibilidade ou não dos direitos trabalhistas individuais, aí sim a questão se complica. Há a questão da hipossuficiência do trabalhador em relação ao direito material, mas é certo que processualmente existe a necessidade de tratamento igualitário das partes. Há categorias em que a arbitragem é prevista na própria norma coletiva. Há as Comissões de Conciliação Prévia espalhadas por aí, que também não tem aceitação tão tranquila pelo Judiciário. Há mecanismos criados somente para lesar os trabalhadores e há outros com real intenção de prevenir conflitos. E há uma Justiça congestionada que poderia se beneficiar destes últimos.

Uma primeira questão a ser tratada em virtude do julgado do TST em comento é a proteção do Judiciário Trabalhista ao empregado. A proteção se dá em face de uma situação de desequilíbrio, mas há que se frisar que a proteção, diferentemente do que se ouve por aí e do que até mesmo eu escrevi acima, não é do Judiciário e nem do Processo, mas do conjunto normativo material.

O empregador é o gestor da empresa, o mandante na relação de emprego, a quem o empregado se subordina. Não poderia mesmo ser diferente, já que o empresário é quem corre os riscos da atividade. Por princípio, então, temos uma relação desigual, entre o empregado (parte fraca) e o empregador (parte forte).

Mas enquanto a Lei fica lá parada, escrita no papel, a realidade é dinâmica e o princípio que a originou passa a conviver com um mundo que se desenvolve, universaliza-se e ecletiza-se a todo instante, ora se horizontalizando, ora se verticalizando, ora fazendo zigue-zague, ou virando cambalhota.

O fato é que hoje temos empregados humildes, na zona urbana e rural, empregados sem formação, sem especialização, empregados que não conhecem sequer seu empregador, uma informalidade crescente, terceirização, quarteirização e aí vai. Mas temos também, todos sabem, trabalhadores de altíssimos salários, mandatários de empresas, executivos que falam dez idiomas, com cinco cursos superiores, que vivem em três países ao mesmo tempo, trabalhadores acionistas, empresas que não são de ninguém, empregados-empresários, gênios-criativos-mau-humorados, rackers do bem e do mal que trabalham em casa, técnicos e tecnólogos que se vendem (ou melhor, o seu trabalho e conhecimento) a preço de ouro, jogadores de futebol bilionários, famosos em geral com contratos múltiplos de publicidade e empregados que não se sujeitam a nenhum grau de subordinação mesmo de verdade (e então são empregados?).

O fato, portanto, é que existe uma disparidade de situações e relações. E coloquemos disparidade nisso, em uma distinção total de condições e circunstâncias, enquadrados em uma mesma situação jurídica, que é a de um contrato de trabalho e submetidos a uma mesma justiça especializada. Muitos dos atores destas relações, se distanciaram da subordinação típica, e não precisam ou merecem, e nem querem, a não ser, talvez, quando isso se torne conveniente, a proteção justrabalhista.


Enquanto há outros, simples e humildes trabalhadores, cada vez mais expurgados dos benefícios do desenvolvimento, cada vez mais vitimados pela nefasta distribuição de renda desse País e cada vez mais alvos de engodos e de politicagens diversas, que nunca necessitaram tanto da aplicação do princípio da proteção, bem como da tutela da Justiça do Trabalho e de outras que ainda não inventaram. E logicamente que há os que se encontram em situações intermediárias diversas, a merecer a avaliação de sua circunstância concreta.

De sorte que, ignorar que neste universo, há severa distinção entre os diversos atores, a ponto de conviverem direitos absolutamente indisponíveis com direitos totalmente disponíveis, estes últimos a mercê do livre arbítrio de seu detentor, é comungar com o passado e com uma ficção total.

Isso é dito aqui, pois consta do julgado ora em questão, que justamente não há, na Justiça do Trabalho, distinção entre os jurisdicionados, tendo ainda a pesar que na esfera extraordinária do TST, as questões de fato (a de que a ação tratava de um “chefe graduado” e esclarecido) não vem à tona para uma efetiva análise.

Ora, o que nos permitimos concluir é que, diante da realidade que se nos apresenta, e pelo menos enquanto a lei não se atualizar, ou vier a tratar da realidade no aspecto temporal, parece caber aos nossos magistrados, sempre, uma análise em concreto dos casos que lhe são apresentados. De sua análise é que decorrerá o “grau de disponibilidade” do direito que está sendo discutido, a se pesar, de um lado, a formação do profissional, a sua remuneração, atividade efetiva, experiência, tempo de empresa, poder de decisão, equipe, projetos, colocação atual, e tudo o mais que pareça importante no caso, e de outro, o porte da empresa, setor de atuação, importância no mercado, relevo do cargo ocupado, características de mandato do cargo, e também, porque não, as condições e o objeto do ajuste, sua conveniência, termos etc, e por último, as condições em que se deram o procedimento arbitral.

E diga-se que a circunstância do TST, como Corte extraordinária, não apreciar questões de natureza fática é altamente prejudicial. Uma coisa é apreciar a demanda como um todo, outra é analisar friamente o direito. Em alguns casos as duas coisas são inseparáveis. Como se saber se o direito é ou não disponível sem se analisar de que direito se está tratando? E a quem o direito pertence? E como teria se dado o procedimento de arbitragem em questão?

Então, concluímos por aqui, dizendo que seria muito difícil concordar com a invalidação de uma cláusula arbitral e do acordo ou decisão correspondente, feita, exemplificativamente e no futuro, entre o Ronaldo Fenômeno e o Corinthians, ou entre o a Embraer e seu atual Presidente, ou entre o BNDES e um de seus Conselheiros, ou entre a Rede Globo e a Suzana Vieira, Ferrari e Felipe Massa etc.

De outro lado, e para isso é que na verdade existe a Justiça Especializada do Trabalho, há uma massa de trabalhadores não qualificados e de baixos salários, que competem com uma multidão de informais e desempregados (1), e que compõem uma categoria que merece uma proteção especial, e que poderia, ou pode, estar sofrendo lesões em procedimentos arbitrais sem controle, aplicados hoje, ao que parece, em escala crescente; pelo menos é o que se observa na Cidade de São Paulo.

Em primeiro lugar, é de se notar que os trabalhadores, pelo menos os mais humildes, não costumam, sozinhos, ter a ideia de buscar uma câmara arbitral ou um árbitro. O que ocorre, quase sempre, e o quase é força de expressão, é que o empregador indica ao trabalhador o endereço de uma “câmara” e o empregado vai até lá para tentar receber alguma coisa, coisa esta que tem caráter alimentar, ou, como dizem alguns trabalhadores que costumam confraternizar vez em quando conosco, “é pão pra boca”.

Lembremos que o árbitro verdadeiro é aquele que tem a confiança das partes. É alguém tão confiável para ambas, que são capazes de entregar a questão em litígio para que seja resolvida por ele, sem pestanejar, acreditando mesmo que a sua decisão será a melhor possível, imparcial e justa.


Ora, é evidente que isso é muito difícil. E é evidente que o trabalhador, se tiver opção, prefere entregar sua demanda ao Juiz do Trabalho, ainda que seja demorado, ainda que seja difícil. O juiz, para ele, é uma instituição, com quem ele se sente protegido.

Mas é evidente também que a “esperteza” anda por todos os lados. O trabalhador, que não tem outra opção, é orientado a receber “o que lhe derem no procedimento arbitral”, para depois reclamar “o resto” na Justiça do Trabalho. “E que vantagem a Maria leva?” Tem momentos que é difícil saber. Mas os interesses são complexos e multifacetários. E todos entram em um labirinto que parece não ter mesmo saída.

E o mais comovente: é muito comum que os trabalhadores sejam obrigados a transitar por câmaras, empresas ou tribunais de arbitragem, ou seja lá o nome que se dê, sem antes terem recebido sequer as suas verbas rescisórias. E assim é mais fácil “obrigá-los” a aceitar um “acordo geral”, pois senão nada recebem e tem de ir para a justiça, onde tudo é demorado, sem ao menos terem levantado o seu FGTS e terem como iniciar o procedimento de recebimento do seguro desemprego.

E estas lesões não ficam só nas chamadas “câmaras arbitrais”. Tem empresas que rescindem os contratos e enviam seus empregados simplesmente a um escritório qualquer, que por vezes dizem ser de “advocacia”. E lá obrigam o empregado a assinar uma procuração e um acordo, tudo já pronto, “para receber as verbas na primeira audiência trabalhista”, se receber. São lesões para todos os lados.

As Comissões de Conciliação Prévia que são citadas no voto do TST, muitas delas também lesam trabalhadores. O Ministério Público, temos conhecimento, firmou acordos com algumas empresas usuárias do sistema, para que os procedimentos de CCP sejam feitos após a “homologação” (assistência sindical) às rescisões. Mas há empresas que sequer “homologam” rescisões há muito tempo, mesmo aquelas de contratos com mais de um ano de duração. Em alguns casos, o empregado simplesmente vai para a rua e então que reclame seus direitos, onde quiser! E as gigantescas perdas de postos das empresas terceirizadas, em que ninguém recebe nada, nem o FGTS! E ademais nem depósitos existem. E os informais, mais da metade da população economicamente ativa?

E os que são lesados também procuram lesar. Com o movimento intenso do judiciário e o questionamento quase que obrigatório das questões “resolvidas” por arbitragem ou câmaras de conciliação, tudo parece se misturar, passar por um mesmo ralo. Na coordenação de algumas comissões de conciliação prévia em âmbito sindical, acompanhamos procedimentos, pós-homologação, logicamente gratuitos, com assistência e orientação de advogados e dirigentes sindicais, que eram filmados e gravados, com anuência dos participantes envolvidos.

Anos mais tarde, a CCP recebia pedido do juiz para juntada do DVD, em virtude das alegações em autos de processos em que se buscava a “nulidade” do procedimento e quase sempre recebíamos cópias da inicial. Em grande parte das vezes, o reclamante faltava com a verdade no que relatava e o DVD fazia prova contundente disso. Ou seja, uns são lesados e outros aproveitam da situação.

Parece, portanto, que a arbitragem, salvo nos casos de empregados com situação realmente diferenciada, não deveria ser aplicada na esfera trabalhista individual. Não há garantias de proteção ao trabalhador e nem mesmo segurança jurídica ao empregador. Isso é o que vem demonstrando o estudo dos casos concretos que chegam ao nosso Judiciário Trabalhista e que foram por nós analisados.

Situação um pouco distinta pode ser a dos procedimentos arbitrais em que há previsão em convenção coletiva. Há algumas categorias que transigem, em instrumentos coletivos, a possibilidade de utilização da arbitragem, instituindo câmaras próprias para a solução de conflitos individuais internos à categoria, entre empregados e empresas.

A estipulação pressupõe a existência de uma câmara de negociação/mediação trabalhista, espécie de CCP, a qual, não obtendo êxito na conciliação de eventual conflito, tem seguimento na possibilidade da instituição de um procedimento tipicamente arbitral.


É de se pressupor, também, nessas criações coletivas, que haja um regulamento interno específico, que seja dada exata ciência das normas aos participantes, que as partes sejam acompanhadas por membros e assistentes de sua categoria, sendo comum a orientação e assistência também por advogados fornecidos pelas entidades sindicais instituidoras. O árbitro, logicamente, é pessoa de confiança de ambas as representações sindicais, e deve ter conhecimento pleno do direito discutido, além de bom senso e equilíbrio.

Mesmo assim, é de se frisar, como já observamos no que se refere ao questionamento sobre as CCPs, que não há qualquer garantia de que os procedimentos deste tipo não terão vícios ou nulidades, muito menos que não serão questionados na Justiça do Trabalho.

Tudo dependerá de alguns fatores, entre eles o grau de confiança e credibilidade do trabalhador no sistema e na própria entidade sindical profissional convenente e copartícipe da câmara arbitral.

Mas o mais importante, realmente, é a intenção da empresa quando participa do procedimento. Caso tenha a intenção de verdadeiramente solucionar alguma pendência que tenha restado do contrato de trabalho, de forma efetiva e convincente, e em termos razoáveis, o procedimento arbitral tenderá a solucionar a controvérsia e encerrar ali o litígio. Caso a tentativa seja apenas a de consolidar uma lesão ao trabalhador ou apenas escapar de uma ação trabalhista sem qualquer esforço ou razão, provavelmente o procedimento arbitral não passará de tempo perdido e a ação trabalhista será respondida em breve.

De toda forma, frisamos, mesmo a mais bem intencionada das empresas, e que tenha se esforçado para a solução eficaz do conflito de origem trabalhista, digamos, em uma transação ocorrida em um procedimento arbitral não estará livre de responder a uma ação (que sobretudo é um direito constitucional do empregado) e, em um primeiro momento, ainda não estará livre de ter a opção pela arbitragem, encarada como uma forma de tentativa de lesão do trabalhador.

Daí a dizermos não haver segurança jurídica, na esfera trabalhista, para a adoção, pelas empresas, do procedimento arbitral, a não ser em casos realmente diferenciados.

Por último, do que nos propusemos a comentar, resta a disponibilidade dos direitos oriundos do contrato de emprego, quando da conciliação na ação trabalhista, especialmente em sede de audiência.

A conciliação é mesmo um princípio a ser seguido na Justiça do Trabalho. Coaduna-se com a celeridade e com a natureza alimentar das verbas discutidas. Podemos dizer, inclusive, que a conciliação passou a ser tão mais almejada, quanto mais a celeridade, no processo, deixou de ser alcançada ordinariamente. Ou seja, a conciliação, hoje em dia, talvez seja a única forma célere (ou mais próxima da celeridade desejada em princípio) de solução da demanda trabalhista.

Quanto à disponibilidade do direito do trabalhador, para que seja transacionado já em sede de ação trabalhista, especialmente em audiência, devemos lembrar que o contrato, em geral, já se findou, que se iniciou um procedimento judicial, que nesta nova fase, instrumental/processual, o direito se torna mesmo disponível, até porque há um condutor do processo, que é o Juiz do Trabalho, neste caso com poderes especiais (vide os termos do artigo 765 da CLT), e que há o acompanhamento de um advogado (existem algumas lendas brasileiras, algumas folclóricas, como o saci pererê, outras não, como o jus postulandi na Justiça do Trabalho). Há ainda que se considerar a igualdade das partes no processo, por princípio. Assim, como já dissemos, no processo, a igualdade deve prosperar, não havendo que se aplicar aqui o princípio da proteção, que está vinculado ao ramo material.

Estas características e outras mais que poderíamos verificar em um estudo pouco mais aprofundado torna o procedimento judicial específico trabalhista bastante diferenciado em relação à arbitragem, o que nos parece, não justifica a comparação entre os dois. Mas logicamente que a rapidez com que os processos judiciais em geral são analisados e o pouco estudo dos autos e das situações concretas em audiências (que se justifica pelo excesso de ações que se acumulam na Justiça do Trabalho) causa prejuízos aos acordos que são realizados.


Efetivamente, uma maior atenção poderia gerar transações de melhor qualidade, mais criativas e com maiores benefícios mútuos. Mas o sistema trabalha de acordo com sua dimensão e possibilidades. A alteração do sistema, com o uso racional de câmaras de mediação e arbitragem poderia de fato auxiliar a operação atual a trabalhar com maior agilidade e efetividade com ganhos aos usuários, mas tudo isso implicaria em uma mudança no regramento, e, portanto, na normatização que temos e em toda realidade presente.

De fato, a conclusão a que chegamos, sempre, ao analisar questões do nosso mundo do trabalho, é que os problemas são sistêmicos e inter-relacionados. Condições como o desenvolvimento econômico e social, a educação e a formação profissional e também a distribuição de renda estão no cerne de qualquer solução que se imagine.

Outras circunstâncias como o trabalho informal crescente, tendência à terceirização de mão-de-obra e necessidade urgente de sua regulação, valorização do trabalho, responsabilidade e cumprimento dos contratos são pontos-chave. E até a redefinição dos papéis do mercado e do Estado na economia são fundamentais para a solução definitiva de nós existentes nas relações humanas trabalhistas. Sozinhas, as questões que surgem parecem nunca terem qualquer solução definitiva.

Ao finalizar essa pequena contribuição à reflexão dos colegas da área, já começo a sorrir imaginando os poucos amigos que terão paciência de ler, dizendo: lá vem ele de novo com a mesma ladainha! Mas é como escreveu Molière na Peça Don Juan: “digo sempre a mesma coisa porque é sempre a mesma coisa”.

Referência
(1) Karl Marx observava, à sua época, ser essencial ao capitalismo ou a “exploração capitalista”, a existência ou “manutenção” de uma massa de trabalhadores em situação de desemprego. Esse contingente, serviria a manter os salários na economia sempre em baixo nível ou apenas suficientes para a compra da “cesta” do trabalhador que era o montante apenas suficiente para a sua subsistência. Para Marx, o atingimento da situação de “pleno emprego” na economia obrigaria o “capitalista” a elevar os salários, em função de uma crise de oferta de mão de obra, o que não seria desejável. Talvez algum “marxista” que ainda reste possa comparar a situação atual do contingente de trabalhadores ao exército de desempregados daquela fase de início da industrialização, apontando a informalidade e o desemprego como causa de opressão dos níveis remuneratórios e de benefícios. Embora isso possa ser em parte verdade, nos parece que há problemas sérios quanto a este ponto na atualidade que são os seguintes, entre outros: 1) inexistência efetiva de postos de trabalho, em virtude da elevação da produtividade industrial e agrícola 2) falha na distribuição dos frutos gerados pelo aumento da produtividade, que gerou grande disparidade na distribuição de renda 3) desvio excessivo de recursos da esfera produtiva, inclusive via corrupção 4) falta de intervenção estatal adequada, com dimensionamento do mercado de trabalho e de consumo e como políticas de distribuição eficaz de renda.

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