Conceito aberto

"MP abusa na acusação por formação de quadrilha"

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3 de junho de 2009, 20h33

A falta de definição para o termo organização criminosa tem levado ao uso abusivo do conceito de quadrilha ou bando. O Supremo Tribunal Federal tem censurado muitas denúncias com esse tipo de acusações. A análise foi feita pelo presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira (3/6), onde discutiu o Projeto de Lei 150/06, que trata do combate ao crime organizado no Brasil.

O ministro lembrou do processo contra o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Ele chegou a ser afastado do cargo quando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, com base em falsas acusações. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inepta a denúncia e trancou a Ação Penal contra o juiz. Em 2007, o STF confirmou a decisão. “Não se pode utilizar o processo como pena”, disse Gilmar Mendes.

Para a procuradora da República Ana Lúcia Amaral, um erro de digitação na declaração de renda do juiz, informando ter dinheiro no Afeganistão — o que já havia sido corrigido junto à Receita — configurava evasão de divisas e sonegação. Uma conversa ao telefone sobre pessoas que rastreavam grampos epoderiam grampear custou ao juiz a denúncia de interceptação telefônica. No caso de outra vítima, a juiza Adriana Soveral, o uso de chapas frias — porém controladas pela polícia — virou falsificação de placas.

Para o ministro, esse foi um caso ridículo e vergonhoso. “Como é possível se imputar organização criminosa? Faltou senso de justiça. Mais do que isso: faltou senso do ridículo”, declarou. E acrescentou: “Podemos rezar, até os ateus, para não perdermos o senso de justiça. Mas se perdermos, devemos rezar para não perder o senso do ridículo. Aqui a Justiça perdeu o senso do ridículo”.

Gilmar chamou a atenção do senadores para o modelo que se vinha querendo estabelecer: o policial, o procurador e o juiz consorciam-se, combinam o espetáculo com a imprensa e destroem a imagem do acusado. Com a opinião pública convencida e muito rufar de tambores, os tribunais resistiam a enfrentar a impopularidade de chocar-se com o senso comum — o que abriu avenidas para o populismo judicial. Perguntado a respeito, Gilmar respondeu que "Justiça se faz com contraditório e não em mesa de bar". Caso contrário, afirmou, os julgamentos seriam feito pela internet, com "voto popular".

Ele disse que é preciso uma legislação que de fato combata o crime organizado com meios mais modernos e que estabeleça parâmetros para a investigação: “Não se faz combate ao crime cometendo crimes.”

O presidente do STF tocou também na questão do populismo judicial e observou que o Direito deve ser aplicado a todos da mesma forma. Segundo ele, o juiz não pode punir com o argumento de que a pessoa discorda da sua opinião. Por outro lado, não pode punir só porque há clamor das ruas. “Dependendo da história que se conta, a opinião pública aprova até linchamento”, afirmou.

“É natural que, às vezes, alguns imaginem que fazer justiça é ouvir as ruas, que fazer justiça é atender a determinados segmentos. Quando se pensa na democracia representativa, que não é a democracia direta, os senhores precisam fazer essa mediação”, disse aos senadores e lembrou que eventualmente o Legislativo tem de aprovar leis que contrariam a opinião pública.

Projeto de lei
Ao fazer reflexões sobre o projeto de lei em tramitação, o ministro disse que a proposta peca em alguns pontos que podem gerar constrangimento ilegal e nulidade da investigação. Em relação à prisão preventiva, disse que ela pode ocorrer logo após a sentença desde que haja a fundamentação adequada. Gilmar Mendes destacou duas decisões do Supremo em relação aos procedimentos de investigação: a Súmula Vinculante 8, que disciplina o uso de algemas, e a Súmula Vinculante 14, que permite ao investigado o acesso aos autos.

Ele também levantou a possibilidade de se fiscalizar a atividade de inteligência policial para evitar os abusos em relação aos direitos à intimidade e à vida privada.

Investigação do MP
Em relação ao poder de investigação do Ministério Público, o ministro disse que não se pode definir que só a Polícia investiga, mas é necessário estabelecer uma regulamentação para o MP na área. “Não penso que pode ser resolvida assim, dada a complexidade do tema, mas também não se trata de converter o Ministério Público em juiz no processo”, afirmou. A questão depende de julgamento do Supremo e, segundo o ministro, poderá entrar em pauta no início do próximo semestre.

Para o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, o projeto é uma contribuição do Senado no combate ao crime organizado. Em sua participação, defendeu principalmente o poder de investigação do Ministério Público. Para Antonio Fernando, esse posicionamento não é corporativista e busca permitir que haja um combate eficaz ao crime.

A investigação criminal, disse, não se faz apenas no inquérito policial e o MP utiliza outros meios para oferecer a denúncia. Assim, ele defendeu que o projeto mantenha a independência do MP para promover a investigação.

O procurador-geral afirmou que o próprio Ministério Público instituiu a Resolução 77 para estabelecer as regras para a atuação dos procuradores no procedimento, dando, por exemplo, ciência ao investigado, respeitando seus direitos, entre outras garantias constitucionais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

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