Defesa judicial

Cade não quer ser representado pela AGU

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30 de julho de 2009, 10h00

A Portaria 164, da Advocacia-Geral da União, virou objeto de intensa discussão. A norma estabelece que as entidades federais serão representadas nos tribunais superiores por procuradores da AGU. Associações de procuradores federais já garantiram que não há perda de autonomia por parte das agências reguladoras e autarquias federais. Mas o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, e ex-conselheiros do órgão afirmam que há incompatibilidade se a defesa judicial de processos de interesse da instituição for feita pela AGU.

Em seminário organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na quarta-feira (29/7), Badin afirmou que o risco de haver conflito com a determinação da Portaria e a independência do Cade não é teórico. Ele citou a discussão que, desde 2001, não tem conclusão. Badin explica que neste ano a AGU, em parecer, afirmou que o Cade não tem competência para lidar com bancos. Em 2007, continua, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que o Cade tinha razão.

O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça. Segundo Badin, a AGU pediu que o julgamento fosse suspenso, já que o Cade e o Banco Central reconhecia cada um sua competência. A AGU ficou de rever o parecer, mas não o fez, diz. Para Badin, a Portaria impede que o procurador do órgão defenda a posição do Cade.

De acordo com ele, a Portaria da AGU não só ameaça a independência do Conselho como causa ineficiência na defesa. Ele disse que os procuradores das agências são os maiores especialistas na área onde atuam, já que acompanham sessões do órgão e conhecem as teses que estão sendo discutidas. Badin acredita que a centralização dos processos na AGU vai acarretar perda de qualidade, além de ir na contramão do que ocorre na advocacia privada, que se especializa cada vez mais.

Ex-conselheiro do Cade, o professor da USP Celso Campilongo afirmou que a Procuradoria é um braço do plenário do Cade. É este último, diz, que determina o que a Procuradoria deve fazer em juízo. Ele afirmou que o Cade não é órgão formulador de política pública e suas decisões estão baseadas em normas. Logo, tem de tomar atitudes eventualmente antipáticas perante os poderes econômico e político.

Para a ex-conselheira do Cade, Neide Malard, a situação do órgão é diferente das agências reguladoras. Há, diz, agências que determinam políticas públicas orientadas pelo próprio governo. Já o Cade, explica, defende o consumidor e a concorrência e atua como defensor de direitos difusos e não apenas de interesse público. Segundo ela, a AGU nunca interveio num processo para se aliar ao consumidor, mas para defender a política das agências. “A AGU é advogada do governo. O Ministério Público quem defende o interesse da sociedade”, diz.

Malard considera válida e apoia a medida da AGU em relação às agências, já que há diferentes entendimentos dentro da própria Advocacia-Geral quanto a assuntos idênticos ou de uma agência para outra.

Para Malard, não há problema que a AGU indique dentre seus membros o procurador-geral do Cade. “Não tem problema, porque ele não vai cumprir determinação da AGU, mas do Plenário do Cade.”

O professor da Uerj, Gustavo Binenbojm, concorda que há situações que vai haver incompatibilidade. Mas para ele não se pode reduzir atuação da AGU e das agências à orientação das diretorias, sem levar em conta o papel consultivo desses órgãos.

Também professor da Uerj, o advogado Alexandre Aragão diz que a questão é saber até onde a AGU pode ir sem interferir na competência das agências. Para ele, há o problema de haver conflito de interesses já que uma autarquia pode propor ação contra União. Embora tal iniciativa, diz, possa ser vista como má gestão administrativa, as autarquias têm legitimidade para entrar com ação contra a União.

Ele explica, ainda, que há tribunais de conta que não tem advogados próprios para atuar judicialmente. É o caso do Rio de Janeiro, conta. Segundo ele, em certas situações, as agências estaduais podem contratar advogados próprios. “Acho o modelo fluminense bastante razoável”, diz, já que coloca a estrutura da Procuradoria a favor das agências, mas onde há conflito de interesse estas podem dispensar a Procuradoria na sua defesa. Para Aragão, a centralização do sistema jurídico das agências pela AGU não pode significar a transferência da decisão a respeito da interpretação jurídica a ser adotada.

Contexto em questão

Membro da AGU, que também participou das palestras no Ipea, Farlei Martins Riccio de Oliveira disse que a discussão sobre a Portaria está sendo colocada em um contexto equivocado. “A Portaria, longe de apontar interferência política, converge para consolidação do processo regulatório”, diz. O advogado da União também conta que a Portaria 164 teve o objetivo de uniformizar os entendimentos e teses nos tribunais superiores, fazendo com que os procuradores não atuem de modo isolado.

Ele afirmou que não se deve confundir o órgão de defesa do estado com órgão de defesa do governo. Segundo Farlei, a AGU resguarda o interesse público. Para ele, o receio de que a Portaria possa interferir na autonomia das agências não se confirma.

Farlei de Oliveira rechaçou, ainda, o argumento de que a AGU não teria conhecimento técnico suficiente para fazer frente às demandas envolvendo o Cade. Ele classificou o argumento como “absurdo e corporativo”. Para ele, deficiências podem ser supridas por intercâmbio pelos procuradores da AGU e das autarquias.

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