Crédito de IPI

Situação do contribuinte é melhor que da União

Autor

  • Nabor A. Bulhões

    é advogado; presidiu a Comissão de Assuntos Tributários do Conselho Federal da OAB e representou os exportadores nos leading cases sobre a vigência do Crédito-Prêmio de IPI perante o Superior Tribunal de Justiça.

28 de julho de 2009, 4h36

O crédito-prêmio de IPI foi instituído pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69 em função da execução de uma política nacional de exportações e tendo como escopo a promoção do superior interesse social e econômico nacional.

Embora continue em vigor, como se verá a seguir, a sua subsistência, a despeito de sua relevância evidentíssima para a economia do país, tem sido objeto de controvérsia e de consequentes disputas judiciais entre contribuintes-exportadores e a União/Fazenda Nacional.

Nesta curta notícia sobre a evolução jurisprudencial do tema, não temos a pretensão de defender teses sobre as razões da subsistência desse importante mecanismo de incentivo às exportações, mas de apenas registrar o estágio atual da controvérsia à luz das decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Pois bem. A primeira grande questão sobre esse importante e indispensável incentivo às exportações girou em torno de saber se eram constitucionais as autorizações concedidas pelos artigos 1º do Decreto-lei 1.724/79 e 3º, I, do Decreto-lei 1.894/81, ao ministro de Estado da Fazenda para aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou restringir os estímulos concedidos pelos artigos 1º e 5º do Decreto-lei 491/69 (crédito-prêmio de IPI e crédito de IPI insumos).

Por se tratar de questão eminentemente constitucional, a matéria terminou sendo resolvida de forma definitiva pelo Supremo Tribunal Federal no início desta década quando o Tribunal, mediante o julgamento dos Recursos Extraordinários 186.623-3/RS, relator ministro Carlos Velloso, e 208.260-1/RS, relator ministro Marco Aurélio, inter plures, decidiu que:

“É inconstitucional o artigo 1º do DL 1.724, de 7.12.79, bem assim o inc. I do artigo 3º do DL 1.894, de 16.12.81, que autorizaram o Ministro de Estado da Fazenda a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou restringir os estímulos fiscais concedidos pelos artigos 1º e 5º do DL nº 491, 05.3.69. Caso em que tem-se delegação proibida: CF/67, artigo 6º. Ademais, matérias reservadas à lei não podem ser revogadas por ato normativo secundário” (DJ de 12/4/2002).

Vale dizer: no primeiro e único questionamento feito perante o Supremo Tribunal Federal sobre o crédito-prêmio de IPI, os contribuintes-exportadores saíram vitoriosos. A propósito, é importante destacar que por força da Resolução 71/05 do Senado Federal os dispositivos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal tiveram a sua vigência suspensa — razão por que, do ponto de vista constitucional, o crédito-prêmio de IPI continuou vigente sem qualquer restrição.

Ocorre que, posteriormente, a partir das decisões com que o Supremo Tribunal Federal afastou as restrições inconstitucionais quanto à vigência do crédito-prêmio de IPI, surgiu outra questão, já agora afeta ao plano do direito federal infraconstitucional: passou-se a discutir se o crédito-prêmio teria sido, ou não, extinto em 30 de junho de 1983, por força do artigo 1º, parágrafo 2º, do Decreto-lei 1.658/79, com a redação dada pelo Decreto-lei 1.722/79.

Tratando-se de direito federal infraconstitucional, a matéria foi deslindada pelo Superior Tribunal de Justiça mediante numerosos e uníssonos acórdãos proferidos ao longo de aproximadamente 15 anos, nos quais o Tribunal assentou que o crédito-prêmio de IPI não foi extinto por força do Decreto-lei 1.658/79, com a redação dada pelo Decreto-lei 1.722/79, tendo em vista que o Decreto-lei 1.894/81 manteve o benefício em comento, sem definição de prazo (v., nesse sentido, inter plures, REsp 315.813/RS, relatora ministra Eliana Calmon, e AgRg no REsp 433.661/CE, relator ministro Francisco Falcão).

Nada obstante já haver o Superior Tribunal de Justiça (que tem a missão constitucional de uniformizar a interpretação e aplicação do direito federal infraconstitucional) consolidado o entendimento de que o crédito-prêmio de IPI continuava vigente, sem definição de prazo, a 1ª Turma e a 2ª Seção do Tribunal, nos anos 2004 e 2005, de forma surpreendente e com grave afronta ao princípio da segurança jurídica, modificaram o entendimento do Tribunal, por escassa maioria de um voto, para dar por extinto o crédito-prêmio de IPI em 30/6/1983, por força do artigo 1º, parágrafo 2º, do Decreto-lei 1.658/79, com a redação dada pelo Decreto-lei 1.722/79 (v., nesse sentido, REsp 541.239/DF,relator ministro Teori Zavascki).

Não tardou muito, o Superior Tribunal de Justiça voltou à boa razão: no início de 2006, restabeleceu o seu antigo entendimento no sentido de que, efetivamente, o crédito-prêmio de IPI não foi extinto em 30/6/1983, tendo em vista que o Decreto-lei 1.894/81 manteve o benefício em comento – tendo aí esgotado o âmbito temático dos recursos especiais de competência do Tribunal, motivo pelo qual deveria ter se limitado a proclamar o resultado dos recursos sob sua apreciação de forma favorável aos contribuintes-exportadores.

Justamente aqui começou a ocorrer o imponderável: o Superior Tribunal de Justiça, por escassa maioria de um voto, passou a decidir, com manifesta extrapolação de sua competência e com inaceitável usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, que o crédito-prêmio, embora não houvesse sido extinto em 1983, teria sido extinto em 4/10/1990, por força do artigo 41, parágrafo 1º, do ADCT/CF 88, pois ao seu ver se trataria de incentivo fiscal de natureza setorial não confirmado por lei dentro de dois anos da vigência da Constituição.

Esse entendimento equivocado do Superior Tribunal de Justiça vem sendo desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal ao fundamento de que, em sede de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu o que lhe competia (não extinção do crédito-prêmio de IPI em 1983, por razões infraconstitucionais), sendo-lhe vedado naquela sede decidir matéria constitucional reservada à competência exclusiva da Suprema Corte. Nesse sentido, depois de assentar que o tema do artigo 41, parágrafo 1º, do ADCT/CF 88 é matéria eminentemente constitucional a ser deslindada pelo Supremo Tribunal Federal, e não pelo Superior Tribunal de Justiça (RE 577.302/RS, relator ministro Ricardo Lewandowski), a Suprema Corte vem suspendendo decisões mediante as quais o Superior Tribunal de Justiça tem decidido recursos especiais com aquele fundamento constitucional, por “usurpação da competência… prevista no artigo 102, III, a, da Constituição Federal” (v. medidas cautelares concedidas nas Reclamações 6.162/AL, 6.288/PB e 6.581/RJ).

Com efeito, como o Supremo Tribunal Federal vem desautorizando decisões com que o Superior Tribunal de Justiça tem dado por extinto o crédito-prêmio de IPI em 1990, por razões constitucionais, o certo é que esse incentivo às exportações continua vigendo sem definição de prazo, pois as únicas decisões definitivas proferidas pela Suprema Corte (inconstitucionalidade das delegações legislativas) e pelo Superior Tribunal de Justiça (não extinção do crédito-prêmio de IPI em 1983 por razões infraconstitucionais) são integralmente favoráveis aos contribuintes-exportadores.

Por último, a única questão ainda pendente de apreciação sobre o crédito-prêmio de IPI – extinção ou não desse benefício em 1990, por força do artigo 41, parágrafo 1º, do ADCT/CF 88 – já conta com o reconhecimento da relevância jurídica e econômica da tese dos contribuintes-exportadores, conforme se colhe do RE 577.302/RS, relator ministro Ricardo Lewandowski, em que o Plenário da Suprema Corte reconheceu a existência de repercussão geral da matéria. Sobremais, eminentes constitucionalistas e tributaristas brasileiros têm se manifestado pela inaplicabilidade do artigo 41, parágrafo 1º, do ADCT/CF 88 ao crédito-prêmio de IPI, por não se tratar de incentivo fiscal de natureza setorial.

Nessa linha, confiram-se as lições de Paulo de Barros Carvalho (in Crédito-Prêmio de IPI, Estudos e Pareceres, Editora Manole, São Paulo, 1ª edição, 2005, págs. 24/26), José Souto Maior Borges (ob. cit., págs. 61/64), Roque Antonio Carrazza (ob. cit., págs. 81/86), Ives Gandra da Silva Martins (ob. cit., págs. 113/117), HELENO TAVEIRA TORRES (ob. cit., págs. 173/177), Hugo de Brito Machado (ob. cit., págs. 236/240), Tércio Sampaio Ferraz Junior (in Crédito-Prêmio de IPI, Estudos e Pareceres III, Editora Manole, São Paulo, 1a edição, 2005, págs. 46/52), Alcides Jorge Costa (ob. cit., págs. 125/130) e Gabriel Lacerda Troianelli (ob. cit., págs. 252/263), inter plures.

Como se vê, ao contrário do que têm divulgado setores da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional, a situação dos contribuintes-exportadores em tema de crédito-prêmio de IPI é juridicamente mais confortável do que a da União/Fazenda Nacional, pois, presente o quadro fático-jurídico aqui apresentado, o crédito-prêmio de IPI continua vigendo sem definição de prazo.

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    é advogado; presidiu a Comissão de Assuntos Tributários do Conselho Federal da OAB e representou os exportadores nos leading cases sobre a vigência do Crédito-Prêmio de IPI perante o Superior Tribunal de Justiça.

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