Fraude em concurso

TJ-SP adia julgamento que pode expulsar procuradores

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24 de julho de 2009, 12h29

O Tribunal de Justiça de São Paulo adiou por mais uma semana o julgamento que vai decidir se os procuradores de Justiça Artur Pagliusi Gonzaga e Roberto da Freiria Estevão devem ser expulsos dos quadros do Ministério Público. A decisão estava prevista para a última quarta-feira (22/7), mas o desembargador Maurício Vidigal, um dos que pediram vista do processo, não concluiu seu voto.

Artur Pagliusi e Roberto da Freiria estavam presentes na sessão do Órgão Especial de quarta e se retiraram assim que foi confirmado o adiamento do julgamento. O primeiro está aposentado e o outro, em atividade. O caso é inédito na história da instituição paulista. Os dois respondem por violação de sigilo. São acusados pelo vazamento de informações sobre questões do 81º concurso público de ingresso na carreira de promotor de Justiça, feito em 1999. Depois de responder Ação Penal e ser condenados em primeira instância, os dois enfrentam ação de improbidade administrativa e outra para a perda do cargo.

O concurso foi anulado em 31 de janeiro de 2000, quando deveria acontecer a prova oral. A defesa dos procuradores alega que a Procuradoria-Geral de Justiça valeu-se de provas ilícitas, que a ação é desastrosa e, por isso, deve ser julgada improcedente. Estavam inscritos 6,6 mil candidatos. Na prova preambular, 648 pessoas foram aprovadas e na escrita, que aconteceu em 12 de setembro de 1999, 163 candidatos foram classificados.

O julgamento no tribunal começou há duas semanas. Os dois primeiros votos foram pela cassação da aposentadoria de Artur Pagliusi e a perda da função pública de Roberto da Freiria. Pelos votos, a punição deve ser acumulada com indenização por danos materiais, morais e multa. Se forem condenados nos termos dos votos do relator e do revisor, os procuradores terão que desembolsar algo em torno de R$ 3 milhões e começar uma nova vida profissional.

A indenização pelos danos materiais, prejuízo que a instituição suportou com a anulação do concurso e a preparação de novas provas, foi arbitrada pelo relator em R$ 578,3 mil. Pelo dano moral causado ao Ministério Público, os procuradores teriam de pagar uma vez mais o apurado pelo dano material, incluindo correção monetária e juros de mora. O relator reservou ao procurador Artur Pagliusi mais uma punição: o pagamento de multa civil correspondente a 100 vezes o valor da remuneração que receber quando da cassação de sua aposentadoria, após o trânsito em julgado da sentença.

Após o voto do relator, desembargador Palma Bisson ,e do revisor, Armando Toledo, o julgamento foi suspenso com quatro pedidos de vistas sucessivos dos desembargadores Laerte Sampaio, Antonio Carlos Malheiros, Maurício Vidigal e Walter de Almeida Guilherme. Os dois primeiros já concluíram seus votos.

A eventual condenação a perda da função não significa a imediata expulsão dos procuradores de Justiça dos quadros do Ministério Público. Isso porque a Constituição dá aos procuradores o privilégio do cargo vitalício. Assim, só depois de publicada a sentença e esgotados os recursos de defesa, até no Supremo Tribunal Federal, é que poderia levar os acusados ter seus nomes riscados da folha de pagamento da procuradoria.

O relator e o revisor justificaram suas posições alegando que os réus arranharam a fundo e jogaram na lama a imagem de altivez e probidade do Ministério Púbico paulista. “O ato foi de uma gravidade absoluta”, disse Bisson. Para ele, não há improbidade mais grave que a de procurador e promotor de Justiça frustrarem concurso de ingresso na carreira da instituição encarregada por lei de coibir irregularidades.

Em seu voto, Palma Bisson lembrou a imagem da porta de entrada, muito usada nos discursos de saudação aos novos integrantes da instituição. A imagem diz que a porta de entrada no MP é alta e estreita. Estreita para que nela não possa entrar qualquer um, mais os melhores em qualidade técnica e saber jurídico. “E alta para que os que ingressarem na instituição o façam de pé, jamais curvados pelo peso das máculas do caráter humano”, completou Bisson.

A fraude
O chefe do Ministério Público acusa o procurador e o promotor de vazamento de informações no concurso para promotor de Justiça. Artur Pagliusi era um dos examinadores e membro da comissão organizadora do certame. Já Roberto da Freiria, na época promotor de Justiça, era professor do Curso Preparatório para as Carreiras Jurídicas da Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha. O cursinho funcionava na cidade de Marília.

Segundo a acusação, a fraude começou a ser arquitetada quando Roberto da Freiria substituiu seu colega Artur Pagliusi nas aulas de Direito Penal. A troca aconteceu quando este foi nomeado para a banca examinadora do concurso. O então promotor Roberto da Freiria formou uma turma especial, composta de oito alunos, que receberiam treinamento diferenciado e “dicas quentes”. De acordo com a ação, Artur Pagliusi revelou ao colega o tema que escolhera para a dissertação e entregou os demais tópicos das perguntas da prova e o assunto da questão prática, que trataria de roubo e latrocínio em concurso.

O vazamento foi descoberto porque, em setembro de 1999, às vésperas do exame, uma das candidatas que fazia parte da classe especial procurou um juiz de Lins e um promotor de Justiça aposentado para que eles a ajudassem nas respostas de alguns temas envolvendo matéria de Direito Comercial. Dias depois, a publicação do conteúdo das provas na edição do Diário Oficial levantou a suspeita de vazamento.

As provas foram anuladas e deu-se início ao procedimento investigatório para verificar se houve crime ou ato de improbidade. O Ministério Publicou ouviu uma candidata que confirmou que ela, entre outras pessoas, havia obtido informações privilegiadas sobre o teor do exame. O episódio causou indignação nos integrantes da instituição.

A candidata alegou ter feito gravações telefônicas com os colegas de curso e com o procurador e o então promotor de Justiça. Com o início das investigações, Artur Pagliusi pediu aposentadoria do Ministério Público e, em depoimento na Procuradoria-Geral de Justiça, negou qualquer envolvimento com o vazamento de informações.

Outro lado

A defesa do procurador Artur Pagliusi sustenta a improcedência da ação. Diz que seu cliente nunca esteve junto com o então promotor de Justiça Roberto da Freiria na Faculdade de Marília, especialmente no dia que antecedeu a prova. Garante que o procurador aposentado jamais compactuou com a suposta revelação de segredo e sustenta que era gratuita a alegação de quebra de sigilo. O procurador aposentado argumenta ainda que não se pode confiar em provas ilícitas, retiradas a partir de conversas telefônicas “traiçoeiramente” obtidas por uma das candidatas. Artur Pagliusi sustenta que os danos morais são ilegais e indevidos porque o Estado não é pessoa física capaz de ter sentimentos e, portanto, não pode ficar abalado moralmente para ter direito a indenização.

A defesa de Roberto da Freiria pede a improcedência dos pedidos do chefe do Ministério Público. Argumenta que não há prova cabal de que os acusados arriscaram suas carreiras para fazer sigilo em curso preparatório. O hoje procurador de Justiça aponta sua baterias contra uma das candidatas a que chamou de “tresloucada ou psicologicamente perturbada”.

O relator e o revisor da Ação Civil de improbidade aceitaram em parte a reclamação, reconhecendo que a instituição tem direito a ser ressarcida pelo dano moral, expresso no arranhão que sofreu sua imagem e reduziram o pedido para uma vez mais o valor da indenização pelo dano patrimonial. Foram mais duros com o procurador Artur Pagliusi, considerado o capitão da improbidade, a quem condenaram ao pagamento de multa civil correspondente a 100 vezes o valor dos proventos e a cassação da aposentadoria.

O desembargador Palma Bisson justificou a sanção da perda da função argumentando que o castigo deve ser compreendido em seu sentido amplo, alcançando diferentes espécies de vínculo funcional com a administração. “Desse modo, vale para o inativo [aposentado], pois a improbidade praticada na atividade era causa que impunha desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença anula a aposentadoria e aplica-lhe a perda da função pública”, argumentou o relator.

Ação Penal

Na Ação Penal, os procuradores foram condenados por crime praticado por funcionário público contra a administração pública e violação de sigilo funcional. Em 2004, o Tribunal de Justiça julgou a ação procedente e condenou os dois pelo crime previsto no artigo 325 do Código Penal. Arthur Pugliusi Gonzaga foi condenado a um ano de reclusão, mas a reprimenda foi substituída por pena de prestação pecuniária destinada a uma entidade de Marília, no valor de 100 salários mínimos. Roberto da Freiria Estevão foi condenado a oito meses de reclusão e teve reconhecida a prescrição da pena. Eles recorreram ao Superior Tribunal de Justiça.

Há recurso pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, que tem como relator o ministro Og Fernandes. A defesa pede a reforma da sentença e a absolvição dos acusados e ainda sustenta falta de justa causa para a ação penal.

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