Agilidade na cobrança

Execução pela Fazenda alivia Judiciário, diz Lucena

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24 de julho de 2009, 19h47

A principal mudança apontada pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, em projeto de lei sobre execução fiscal administrativa, é a transferência de parte dos procedimentos que hoje são feitos pelo Judiciário para a esfera administrativa. Em entrevista concedida à jornalista Andréa Assef, da revista ETCO, o procurador falou das expectativas sobre os projetos de lei que tramitarão no Congresso e que, no seu entender, vão agilizar a execução fiscal no país.

Segundo o procurador-geral, o novo sistema proposto, em dois anteprojetos, possui três princípios: agilidade na cobrança; flexibilidade, ou seja, se não for possível recuperar todo o crédito, recuperar ao menos parte dele, e responsabilidade no relacionamento entre fisco e contribuintes.

“É preciso criar instrumentos para que o devedor encontre soluções para seu problema, pois às vezes a pessoa quer efetivamente pagar, mas não tem recursos nas condições originais”, diz.

O procurador afirma que em outros países iniciativas como essas deram certo. Na Itália, explica, onde a lei já existe, o número de devedores inscritos caiu de 2,3 milhões para 500 mil em 15 anos. Em outros países, onde a legislação também funciona dessa maneira, os valores pagos à União em débitos triplicaram em dois anos.

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Lucena Adams foi nomeado para o cargo na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) por decreto de 24 de maio de 2006. Antes, ocupou a Secretaria Executiva Adjunta do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Leia a entrevista

Por que, no Brasil, um processo de cobrança tributária leva, em média, 16 anos?
Existe muita demora na cobrança de créditos tributários, pois nosso sistema admite vários recursos e garantias que são usadas para evitar a cobrança. Isso não acontece em outros países. Em Portugal, por exemplo, é identificado o crédito, lançada a cobrança na hora e a pessoa tem administrativamente 90 dias para impugnar. Vale ressaltar que lá a execução já começa a correr no momento da identificação do crédito. Cada país tem suas peculiaridades, mas no Brasil realmente se leva muito mais tempo do que na maioria dos países.

Qual o motivo?
No Brasil, há um excesso de formalismo no processo. Os procedimentos não permitem algum nível de flexibilização com vista à solução do problema. Eles se sustentam na necessidade de cumprir formalidades ou formas previamente estabelecidas. Isso faz parte do nosso perfil não só na questão tributária; nossa legislação em geral é assim. A chamada crítica à burocracia estatal está associada a essa pequena margem de decisão. Basta analisar nosso orçamento público que é todo engessado. Isso é tradição. A busca de eficiência é fato acessório, porque eficiência pressupõe capacidade de escolha e de tomada de decisão. Isso praticamente não existe no Brasil. O que nós temos aqui são as obrigações que geram gastos.

Como funciona essa burocracia estatal no caso da cobrança tributária?
A atuação do juiz de execução fiscal limita-se, em grande parte, à prática de atos burocráticos. Ao mesmo tempo, temos 2,5 milhões de ações, nas quais, pelo menos em um milhão, o Judiciário talvez esteja enfrentando dificuldade para encontrar os bens dos devedores. Acho que teríamos condições efetivas de reduzir a carga do Judiciário, até mesmo qualificando sua atuação. O Judiciário é uma instância de prestação de Justiça e não, como acontece na execução fiscal, de práticas de atos burocráticos.

Isso não pode ter criado uma indústria da impunidade?
Não é bem isso. O que acontece é que o tempo de execução acaba sendo elemento de planejamento tributário. A pessoa pensa assim: “Há problemas no meu fluxo de caixa e tenho uma série de dívidas; tenho de pagar a folha, fornecedores e tributo. O que vai me dar menos problema? Tributo”. Então, esse ele deixa para pagar quando der. Só que isso vai acumulando e no fim não se paga nada. Ou seja, a demora e a inflexibilidade acabam favorecendo essa opção. Ao não oferecer alternativas para que ela possa pagar, estamos favorecendo a aposta na demora como solução para o problema imediato.

Qual o resultado disso?
O contribuinte vai para a informalidade. No Brasil, temos um modelo que, muitas vezes, induz a isso, ou seja, para garantir um fluxo necessário de arrecadação são criadas cada vez mais restrições na atividade econômica privada por conta da não-regularidade fiscal, como as certidões negativas de débito. Isso faz com que qualquer empresa seja obrigada a manter uma pesada estrutura para lidar com essa burocracia. E às vezes surgem situações absurdas. Por exemplo, empresas com faturamento mensal superior a R$ 1 milhão e uma dívida de R$ 20 mil não conseguem tirar a certidão negativa.

É verdade que seriam necessários 100 anos para resolver todos os casos de créditos tributários no Brasil, já que cada um dos 600 procuradores dedicados à cobrança da dívida pública é responsável por mais de 5 mil processos judiciais de execução fiscal?
Sim. Nós cobramos, em regra, 1% desse estoque por ano. Isso é uma média histórica. Significa que, se não entrasse mais nenhum processo e nós só trabalhássemos com o estoque que já temos levaria 100 anos.

O que poderia ser feito para resolver esta questão?
É preciso criar instrumentos para que o devedor encontre soluções para seu problema, pois às vezes a pessoa quer efetivamente pagar, mas não tem recursos nas condições originais. Vamos tomar como exemplo um funcionário aposentado da Varig. Ele auferia uma renda mensal de R$ 4 mil do fundo de pensão Aeros. Quando a Varig quebrou, passou a receber apenas o benefício do INSS. Se ele devesse o Imposto de Renda, como faria? O modelo de transação surge para tentar resolver essas situações ao permitir que haja uma continuidade no pagamento da dívida.

Qual seria a principal mudança com a aprovação do projeto de lei de Execução Fiscal Administrativa?
A principal mudança proposta no processo de execução fiscal é transferir parte dos procedimentos hoje realizados na esfera judicial para a esfera administrativa. Na verdade, este será um sistema misto. Por que há a possibilidade da supervisão judicial desde que requerida.

Mas há estrutura na PGFN para acomodar todas essas alterações?
Sim, mas qualquer mudança de modelo envolve redefinição de funções. Por exemplo, em vez do procurador da Fazenda fazer uma petição ao juiz para que notifique o devedor informando seu nome e endereço para que este proceda a notificação, o procurador determinaria direto no despacho a notificação do devedor. Não vai aumentar o trabalho; vai mudar o trabalho.

Na sua opinião, qual será o impacto da Lei Geral de Transação?
O projeto de lei prevê a possibilidade de negociação entre os devedores e a União. Até o momento, a União pode apenas cobrar os débitos, mas não negociá-los. A Lei Geral de Transação irá fixar as normas para acordos entre procuradores e devedores, o que irá aumentar a eficiência do processo arrecadatório e de cobrança dos débitos tributários. A intenção é criar uma câmara de conciliação, na qual serão feitos acordos para recuperação dos créditos com valores inferiores a R$ 10 milhões. Acima desse montante, a transação necessitará de um aval do ministro da Fazenda.

É possível quantificar a economia de tempo e de dinheiro para os cofres públicos no caso da aprovação da Lei Geral de Transação?
Minha expectativa é de que consigamos avançar rapidamente para recuperar 5% de estoque por ano. Na Itália, em 1996, havia 2,2 milhões de processos em andamento na Justiça na questão tributária. Após 10 anos, em 2006, essa quantidade caiu para 500 mil, o que significa uma redução de 75%. Se fosse no Brasil, a atual relação de mais de 5 mil processos por procurador acabaria reduzida a mil processos por procurador.

No Brasil, a maior parte das dívidas está nas mãos de grandes ou de pequenos devedores?
Há uma concentração muito alta de débito de grandes devedores. Do total das dívidas, 60% são relativos a três mil devedores para um universo de três milhões de devedores. Essa centralização espelha, de certa forma, a concentração de renda do país. Mas nem todo devedor é sonegador. São devedores por vários motivos. Podem não estar de acordo com a cobrança ou ter sido levados a uma situação de débito da qual perderam o controle. Ou, ainda, foram levados a aplicar a lei de forma errada. Por isso, é preciso haver um espaço para discussão antes que uma das partes recorra à Justiça.

Por que há a preocupação em explicar que o projeto de Lei Geral de Transação, em qualquer de suas modalidades, não se prestará a negociar o tributo devido, mas sim a solução de litígios?
Não queria passar a ideia de que a transação traduz um balcão de negócios. Precisamos tirar a parte adjetiva da expressão negociação, que remete ao casuísmo e ao arbítrio. Não será o caso. Tanto que o processo terá transparência, independência e isonomia. Por exemplo, se ocorrer uma transação com um contribuinte e houver uma peculiaridade geral, qualquer pessoa pode requerer adesão àquela transação. No caso do Imposto de Renda, por exemplo, todos aqueles que quiserem fixar dedução com determinada parcela que foi acordada e fixada como dedutível poderão fazer isso. Transação pressupõe acordo e vontade. A ideia é evitar que uma ação judicial fique para os netos.

É a primeira vez que um projeto de lei que trata desse assunto chega ao Congresso?
Sim. A lei de execução é de 1980 e não há lei de transação tributária. As transações atuais são modelos de parcelamento de crédito tributário, como o Refis.

Existe muita resistência às mudanças que o projeto de lei irá trazer?
Qualquer mudança cultural, de atitude, envolve preocupações. Pensar em transação de crédito tributário é uma coisa totalmente nova, e acaba gerando certa insegurança na sua aplicação. Esse é um processo de formação da própria democracia. No Brasil, nem sempre os acordos são respeitados, infelizmente muitas vezes é feito um acordo e uma das partes vai à Justiça e derruba o acordo. Isso precisa mudar. É preciso dar força jurídica às transações tributárias.

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