Princípio da seletividade

Crédito de IPI em insumos isentos é contorcionismo

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21 de julho de 2009, 14h53

Acerbos atritos vêm ocorrendo há tempos entre a Fazenda Pública e os contribuintes acerca da possibilidade do crédito de IPI derivado da aquisição de insumos desonerados no início da cadeia produtiva.

Após muita polêmica, o Supremo Tribunal Federal recentemente resolveu em parte a contenda, em decisão exarada nos Recursos Extraordinários 353.657-5/PR e 370.682-9/SC, no que assentou a inviabilidade do crédito de IPI quanto ao ingresso no estabelecimento de insumos sujeitos à alíquota zero ou não-tributados, entendimento que implicou mudança da orientação até então prevalente naquela Corte.

Contudo, tendo em mente as diferenças e peculiaridades ínsitas aos fenômenos da não-incidência, aplicação de alíquota zero e isenção, ainda pulsam enormes divergências relativas à possibilidade do creditamento de IPI na obtenção de insumos isentos.

Para uma primeira corrente, não existem razões para que seja dado tratamento diferenciado às matérias-primas adquiridas sob o manto da isenção, devendo lhes ser conferida a mesma disciplina das demais espécies de desoneração. De outro lado, há quem defenda que a isenção, por sua natureza e especificidades, deve render ensejo ao crédito de IPI. As cizânias reinam em sede doutrinária e jurisprudencial.

A solução do impasse perpassa inicialmente pela leitura do artigo 153, inciso IV, parágrao 3º, da Constituição Federal de 1988 e do artigo 49 do Código Tributário Nacional, dispositivos que fincam as balizas da regra-matriz da não cumulatividade do IPI e do direito ao respectivo crédito, in verbis:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

IV – produtos industrializados;

§3º. O imposto previsto no inciso IV:

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.

Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes.

Em compasso com essas normas, é conveniente a leitura do artigo 163 do RIPI (Decreto 4.544, de 26 de dezembro de 2002):

Art. 163. A não-cumulatividade do imposto é efetivada pelo sistema de crédito, atribuído ao contribuinte, do imposto relativo a produtos entrados no seu estabelecimento, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo (Lei n.º 5.182, de 1966, art. 49 […].

A regra da não-cumulatividade do IPI, como se vê, constitui mecanismo previsto pelo Constituinte com vistas a obviar a sobreposição tributária ou cobrança em duplicidade, de modo a permitir a compensação do tributo devido em uma operação com o que foi cobrado na fase anterior da linha de produção.

Em face dessa sistemática, muitos contribuintes erigiram a interpretação de que lhes era assegurado o crédito de IPI na saída do produto final mesmo na hipótese em que o insumo não fosse tributado. Em prol de sua tese, sustentavam que o não aproveitamento do crédito em referida circunstância nulificaria a benesse tributária prevalente na operação anterior, já que o tributo exigido incidiria sobre a totalidade do produto industrializado, e não apenas sobre a quantia agregada.

Num primeiro momento, a alegação encontrou eco nos tribunais pátrios, consoante se nota do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não conhecido.


(RE 350446, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 06-06-2003 PP-00032 EMENT VOL-02113-04 PP-00680)

Esse pensamento, no entanto, restou infirmado mais recentemente, pelo menos no tocante ao creditamento conexionado com os insumos sujeitos à alíquota zero ou não-tributados. É que, como já mencionado, no bojo dos RE 353.657-5/PR e 370.682-9/SC, o STF assentou ser inviável o aproveitamento de crédito em tais situações, ante a inocorrência de qualquer cobrança de tributo nas operações antecedentes. Vem a calhar a transcrição das correspondentes ementas das decisões que veicularam essa conclusão:

IPI – INSUMO – ALÍQUOTA ZERO – AUSÊNCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO. Conforme disposto no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que não se pode cogitar de direito a crédito quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota zero. IPI – INSUMO – ALÍQUOTA ZERO – CREDITAMENTO – INEXISTÊNCIA DO DIREITO – EFICÁCIA. Descabe, em face do texto constitucional regedor do Imposto sobre Produtos Industrializados e do sistema jurisdicional brasileiro, a modulação de efeitos do pronunciamento do Supremo, com isso sendo emprestada à Carta da República a maior eficácia possível, consagrando-se o princípio da segurança jurídica.
(RE 353657, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-03 PP-00502)

EMENTA: Recurso extraordinário. Tributário. 2. IPI. Crédito Presumido. Insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributados. Inexistência. 3. Os princípios da não-cumulatividade e da seletividade não ensejam direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero. 4. Recurso extraordinário provido.

(RE 370682, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2007, DJe-165 DIVULG 18-12-2007 PUBLIC 19-12-2007 DJ 19-12-2007 PP-00024 EMENT VOL-02304-03 PP-00392)

Nessa perspectiva, a Corte Suprema pátria dirimiu as discussões que orbitavam em torno da aplicação do princípio da não-cumulatividade do IPI e o aproveitamento de créditos na saída de produtos quando os insumos estão sujeitos à alíquota-zero ou são não-tributados. Nestes casos, não se encontra mais espaço para tergiversações, estando pacificado que o benefício não existe, pois não houve cobrança nas etapas anteriores.

Não obstante tais considerações, ainda persistem questionamentos em relação ao crédito de IPI atinente a insumos introduzidos no estabelecimento sob a blindagem da isenção.

Aqueles que advogam a tese da possibilidade do crédito de IPI derivado da obtenção de matérias-primas isentas escoram-se, em síntese, nas seguintes alegações: 1) que o desprezo pelo crédito advindo da obtenção de matéria-prima isenta aniquilaria a manifesta intenção do legislador de desonerar aquele insumo; 2) que a não tributação e a aplicação de alíquota zero guardam relação de pertinência com o princípio da seletividade, ao passo que a isenção conecta-se com o princípio da não-cumulatividade, constatação que impõe o resguardo do creditamento de IPI em relação a esta[1]; 3) que a regra-matriz de incidência do IPI não mantém nenhum nexo com a regra-matriz do direito ao crédito de IPI, de maneira que a desoneração da matéria-prima não tem o condão de afetar o surgimento do bônus[2]; e 4) que o texto constitucional não reproduziu as restrições expressamente previstas para o ICMS, tratando-se assim de um silêncio eloqüente, permissivo.

Na jurisprudência é possível encontrar-se adeptos dessa corrente, conforme revela o seguinte excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça:

[…] IPI – AQUISIÇÃO DE INSUMOS NÃO TRIBUTADOS OU SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO – DIREITO AO CREDITAMENTO – INVIABILIDADE – PRONUNCIAMENTO DA SUPREMA CORTE – ALÍQUOTA APLICÁVEL EM SEDE DE CREDITAMENTO – PREVISÃO NA TIPI – CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS ESCRITURAIS DO IPI DECORRENTES DA AQUISIÇÃO DE INSUMOS E MATÉRIAS-PRIMAS ISENTOS – INCIDÊNCIA.


[…] Contudo, em se tratando de insumo ou matéria-prima adquirido sob regime de isenção, há direito ao creditamento porque a exclusão do crédito tributário tem por finalidade gerar um benefício para o contribuinte de fato, com vistas a desonerar o produto que chega ao consumidor final.

4. Nos casos de créditos escriturais de IPI decorrentes da aquisição de insumos ou matérias-primas isentos, demonstra-se aplicável, para fins de cálculo do creditamento, a alíquota prevista na tabela do referido tributo. […]

(REsp 663.482/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJ 07/02/2008 p. 294)

Em que pese o calibre e a abundância dos argumentos em contrário, a geração de crédito de IPI em decorrência da compra de insumos isentos não se afigura lídima, por carecer de amparo normativo e contrariar o escopo do Constituinte.

Convém esclarecer, de início, que os fenômenos jurídicos de desoneração tributária comentados não se confundem. A não-incidência atine a fatos que estão fora do campo de abrangência da norma, ou seja, que não se enquadram na descrição abstrata impositiva do tributo, de modo a sequer ser formado o elo “norma-fato” que geraria a obrigação tributária. A isenção, a seu turno, espelha um benefício fiscal decorrente de lei, destinado a dispensar o pagamento de um tributo devido. Aqui há incidência da norma e nasce a obrigação tributária, mas a lei escoima o sujeito passivo do seu adimplemento, impedindo o sujeito ativo de constituir o crédito e cobrá-lo (esta é a visão dualista consagrada pelo CTN e STF, não obstante existam controvérsias na doutrina que não convém trazer à baila neste momento por desbordar do objeto desta análise). Por fim, a alíquota-zero consiste em instrumento de política fiscal governamental, com vistas a promover incentivos, no qual o sujeito ativo reduz a nada o valor a ser recolhido em certas operações (art. 153, § 1.º, da CF). Neste caso, a norma de incidência permanece íntegra, porém um de seus elementos — o quantitativo — é reduzido a zero. Há fato gerador e a alíquota existe em sua essência, mas o seu reflexo concreto, em decorrência do cálculo, é livrar o sujeito passivo do pagamento.

Deixando de lado as discordâncias conceituais existentes na doutrina quanto às aludidas figuras jurídicas, o importante é saber que em todas elas o efeito prático é idêntico, qual seja, o afastamento do dever de pagar tributo e da respectiva cobrança.

Partindo dessa premissa, é preciso ter em mente, de logo, que o desate da querela há de ser haurido da própria Constituição Federal, haja vista que o princípio da não-cumulatividade do IPI deita raízes naquela norma máxima e ali deve encontrar o devido suporte para a sua escorreita exegese.

Assim, as diversidades conceituais e essenciais dos fenômenos jurídicos da não-incidência, aplicação de alíquota zero e isenção, e a alegação da necessidade da preservação desta última para garantir-se a força de lei isentiva, não se entremostram suficientes para lastrear eventual distinção de tratamento no tocante ao crédito de IPI.

Não há como se justificar o creditamento em apreço na preservação de isenção conferida pelo legislador infraconstitucional se tal benesse não se amoldar às balizas encartadas no preceito maior e prevalente, qual seja, a CF/88. Sobrepujar uma regra constitucional em prol da manutenção de um favor fiscal concedido pelo legislador comum implicaria inaceitável subversão do sistema, em manifesto maltrato à hierarquia normativa vigente no ordenamento jurídico pátrio. Se a lei inferior não coadunar com a norma maior que lhe dá fundamento e validade, obviamente que aquela deve sucumbir em face desta.

Além disso, em termos práticos, cumpre admitir que a propalada nulificação da isenção não sói acontecer, uma vez que, se não há ônus na aquisição do insumo, o estabelecimento é beneficiado com a redução do valor que pagaria em condições normais de tributação, sendo certo que na saída do produto acabado o IPI incidente é repassado ao comerciante, não havendo ônus para o industrial. Aqui não resta dúvida de que a isenção atende aos objetivos almejados. Pensar o contrário renderia ensejo à obtenção de vantagem indevida pelo industrial, vez que estaria ele se compensando de um crédito cujo correspondente débito, em verdade, estaria sendo transferido a terceiros.


Destarte, o afastamento do crédito de IPI debatido não fulminaria o preceito da não-cumulatividade, nem representaria mero diferimento, pois a desoneração da operação de origem atinge o seu desígnio de fomentar a atividade industrial, incentivando a obtenção do insumo, em nítido prestígio, outrossim, ao princípio da seletividade.

Nesse sentido, malgrado cuide dos insumos sujeitos a alíquota-zero ou não-tributados, mas cujas razões são inteiramente aplicáveis às matérias-primas isentas, bastante elucidativas são as palavras do ministro Marco Aurélio, consignadas em seu voto no julgamento do RE 353.657/PR, in litteris:

Concluir que, no caso, sob pena de tratar-se de simples diferimento, cabe o creditamento sem que antecedido de previsão legal de alíquota para tanto, da cobrança do tributo, importa em estender o benefício a operação diversa daquela a que está ligado e, mais do que isso, em sobreposição incompatível com a ordem natural das coisas. Haverá, alfim, o creditamento e a transferência, ao adquirente do produto industrializado, da totalidade do ônus representado pelo tributo, conforme parâmetros da nota fiscal, sem abater-se, nessa operação, o pseudocrédito, já que esse permanecerá na escrituração fiscal de quem de direito, na conta crédito e débito daquele que se mostra como o contribuinte de direito, embora não arcando, ante a figura do contribuinte de fato, com o ônus concernente ao tributo. Sob qualquer ângulo que se examine o pleito dos contribuintes, surgem perplexidades que jamais poderão ser tidas como simples decorrência do sistema constitucional.

Sob esse enfoque, cabe voltar a atenção para a disciplina constitucional do princípio da não-cumulatividade do IPI, fonte na qual se deve buscar inspiração para dirimir as dúvidas sobre a possibilidade do crédito advindo dos insumos obtidos mediante isenção.

A par do disposto no art. 153, IV, § 3.º, II, da CF/88 e do art. 49 do CTN, depreende-se que, em linhas gerais, o legislador criou um sistema de créditos que garante ao contribuinte a utilização do montante do IPI cobrado nas operações anteriores para ser deduzido do tributo devido na operação de saída do produto final do estabelecimento. Trata-se da técnica de compensação denominada “imposto sobre imposto”, segundo a qual “deduz-se do montante do imposto devido em cada operação o montante cobrado nas anteriores”, conforme ensina Marco Aurélio Greco[3].

Nesse panorama, os esforços interpretativos despendidos no sentido de contornar a inviabilidade do surgimento do crédito de IPI na aquisição de insumos isentos não merecem nenhum beneplácito, ante o preciso delineamento conferido pela Constituição Federal ao regime da não-cumulatividade do indigitado tributo, segundo o qual a compensação será assegurada tão-somente quanto ao montante “cobrado” nas operações anteriores.

Ora, se a isenção constitui fenômeno que promove a exclusão do crédito tributário (art. 175 do CTN), é inequívoco que os seus efeitos constituem obstáculo intransponível à adoção de qualquer medida do fisco tendente a cobrar o correspondente tributo. Sendo assim, inocorrente qualquer cobrança na obtenção do insumo isento, é impossível vislumbrar a existência de ofensa ao princípio da não-cumulatividade do IPI na exigência da exação incidente sobre o produto final. A inexistência de cobrança cumulativa é de obviedade cristalina e decorre da expressa disposição literal da Carta Magna, além de constituir a única conclusão que se permeia de razoabilidade.

É digna de nota, de outra parte, a observação de que a ausência no texto constitucional, quanto ao IPI, das restrições existentes relativamente ao ICMS (art. 155, § 2.º, II) não constitui fundamento válido para salvaguardar o crédito sob comentário. A um, em razão de não se poder extrair de um mero silêncio normativo a existência de um direito subjetivo, até porque a concessão de benesses fiscais demanda exegese literal; a dois, porque o exame da vantagem em foco há de ser empreendido sob os auspícios do princípio da não-cumulatividade do IPI, dentro dos lindes normativos que lhe foram precisa e especificamente estabelecidos pelo Constituinte.


A CF/88, aliás, é clara ao verberar no seu art. 150, § 6.º, que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativo a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal […]”, de modo que não haveria como presumir um crédito de IPI meramente fictício, que não encontra correspondência na realidade fática.

Demais disso, em face da norma regente da matéria, vale advertir que apesar de haver individualidade das regras que tratam da incidência e do crédito de IPI, não é concebível que sua análise seja realizada de forma dissociada, haja vista que a Lex Mater, ao cuidar da não-cumulatividade, imbricou o direito ao crédito à exigência do tributo na operação antecedente. Logo, o crédito de IPI, em tais circunstâncias, está necessariamente conectado à incidência do tributo na operação anterior. Em outros termos, se o Constituinte impôs a condição da existência de “cobrança” do tributo para o surgimento do bônus na fase seguinte, é indubitável que esta exigência tem como antecedente lógico a subsunção do fato à norma de incidência, com a consequente imposição tributária.

Nesse contexto, não custa repisar, se a entrada do insumo não for tributado, seja qual for o título que sirva de arrimo para a desoneração —não-incidência, alíquota zero ou isenção —, não há direito ao crédito de IPI, pois cumulação não haverá na cobrança do imposto na saída do produto final.

Em abono a esse raciocínio, é válido transcrever a lição de Leandro Paulsen[4]:

Mesmo tratando-se de matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem ensejadores, via de regra, de creditamento, não se tem como pretendê-lo no caso de a sua entrada não ser onerada pelo IPI, seja por força de isenção, de alíquota zero, de imunidade ou de simples não-incidência.

Implicando, a não-cumulatividade, por força do disposto no art. 153, § 3.º, II, da CF, a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, mostra-se imprescindível a incidência do imposto gerando ônus tributário. Do contrário, não há que se falar em cumulatividade e, portanto, em direito a crédito para evitá-la.

O STF hodiernamente tem trilhado idêntico caminho na análise da questão, afastando o creditamento do IPI nas hipóteses em que o ingresso do insumo não sofre o efeito do tributo, ainda que sob o rótulo da isenção. Interessante é a leitura de julgados daquela Suprema Corte, que bem traduzem o entendimento ora perfilhado:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. INSUMOS ISENTOS, NÃO TRIBUTADOS OU SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. CRÉDITO PRESUMIDO. INEXISTÊNCIA. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. INAPLICABILIDADE. 1. A expressão utilizada pelo constituinte originário — montante "cobrado" na operação anterior — afasta a possibilidade de admitir-se o crédito de IPI nas operações de que se trata, visto que nada teria sido "cobrado" na operação de entrada de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero. Precedentes. 2. O Supremo entendeu não ser aplicável ao caso a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 372005 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29/04/2008, DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-06 PP-01268 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 192-197)

Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Insumos. IPI. Alíquota zero, isenção ou não-tributação. Crédito na operação posterior. Impossibilidade. Ausência de violação ao art. 153, § 3o, II, da CF/88. Precedentes. 3. Limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 444267 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/12/2007, DJe-036 DIVULG 28-02-2008 PUBLIC 29-02-2008 EMENT VOL-02309-03 PP-00529)

Ainda em sede judicial, despontam diversas decisões no âmbito dos Tribunais Regionais Federais em harmonia com a tese aqui esposada, a exemplo dos seguintes arestos:

TRIBUTÁRIO – IPI – INSUMOS E MATÉRIA-PRIMA NÃO-TRIBUTADOS OU SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO – INEXISTÊNCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO – NOVA ORIENTAÇÃO DO E. STF – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

[…]

4 – O pormenor de se tratar de insumo ou matéria-prima isenta não altera as conclusões acima indicadas. Independentemente da natureza (não-incidência qualificada/dispensa legal do tributo) e dos efeitos decorrentes da norma de isenção (não ocorre o fato gerador/ocorre o fato gerador), o fato é que, na isenção, não há tributo cobrado, do que se conclui inexistir crédito passível de ser compensado. Com efeito, o resultado para insumo e matéria-prima não-tributados, sujeitos a alíquota zero ou isentos é o mesmo. Ademais, nesse caso, também se presume a repercussão tributária, ou seja, o repasse do ônus tributário a terceiro, considerado o contribuinte de fato.[…]”

(TRF – 1.ª Região, AMS 2002.37.01.000858-6/MA, Rel. Desembargador Federal Catão Alves, Sétima Turma,e-DJF1 p.230 de 13/03/2009)

TRIBUTÁRIO – AÇÃO ORDINÁRIA – IPI – NÃO CUMULATIVIDADE – ARTIGO 153 § 3º, INCISO II, DA CF – CREDITO PRESUMIDO – INSUMOS ADQUIRIDOS SOB REGIME DE ISENÇÃO, ALÍQUOTA ZERO OU NÃO INCIDÊNCIA – INEXISTENCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO – PRECEDENTES DO STF – AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO – APELAÇÃO IMPROVIDA.

[…]

2. O STF, no julgamento dos RE´s nºs 370.682-SC e 353.657-PR, ocorrido em 25 de junho de 2007, por apertada maioria, formou entendimento no sentido da inexistência de direito do contribuinte a créditos presumidos de IPI relativos a insumos adquiridos sob o regime de alíquota zero ou não incidência, a serem abatidos do montante do tributo incidente sobre o produto final.

3. A ratio decidendi adotada naqueles julgamentos é aplicável à hipótese de insumos isentos, uma vez que a isenção e a alíquota zero produzem os mesmos efeitos práticos, as mesmas conseqüências econômicas quanto à não-cumulatividade. Em ambos, não há incidência de norma obrigacional tributária, não há débito tributário, não há tributo a recolher. Os dois institutos ensejam exoneração do contribuinte, de sorte que não há motivo razoável para que seja distinto o tratamento jurídico a eles dispensado no tocante ao aproveitamento de crédito presumido referente aos insumos.

(TRF – 2.ª Região, AC n.º 411313, Rel. Desembargador Federal LUIZ MATTOS, Terceira Turma, DJU – Data::19/12/2008 – Página::132)

TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. IPI. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INSUMOS ISENTOS, NÃO-TRIBUTADOS OU REDUZIDOS À ALÍQUOTA ZERO. CRÉDITO PRESUMIDO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 63 DO TRF4.
1. A teor da súmula 63 desta Corte, "não é aplicável a Súmula 343 do STF nas ações rescisória versando matéria constitucional".
2. De acordo com a inteligência do art. 153, § 3º, inc. II, da Constituição Federal, somente os valores efetivamente recolhidos na operação anterior é que podem gerar créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, por ocasião da saída do produto final do estabelecimento industrial.
3. Assim, por não haver "cobrança" do imposto na operação de entrada, relativamente à aquisição de insumos isentos, não-tributados ou sujeitos à alíquota zero, é vedada a aquisição de crédito – presumido – relativamente a tais operações. Precedentes da Primeira Seção deste Tribunal Regional. A orientação do Pretório Excelso segue no mesmo sentido, consoante se observa do julgamento do REXT 353.657/PR, concluído em 25.06.2007.
4. Procedência do pedido para rescindir o v. acórdão prolatado na AC nº 2000.71.00.006451-1/RS, e, em juízo rescisório, negar provimento ao apelo.
5. Condenada a ré em honorários advocatícios de 10% sobre o valor dado à causa.

(TRF – 4.ª Região, AR n.º 2008.04.00.032920-3/RS, Rel. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Primeira Seção, D.E. 06/05/2009)

No contencioso administrativo federal esse também é o entendimento que tem prevalecido, como se constata do acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais abaixo transcrito:

Assunto: Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI
CRÉDITOS RELATIVOS A INSUMOS ISENTOS OU DE ALÍQUOTA ZERO.

[…] O Princípio da não-cumulatividade do IPI é implementado pelo sistema de compensação do débito ocorrido na saída de produtos do estabelecimento do contribuinte com o crédito relativo ao imposto que fora cobrado na operação anterior referente à entrada de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem. Não havendo exação de IPI nas aquisições desses insumos, em razão dos mesmos serem isentos, NT ou de alíquota zero, não há valor algum a ser creditado. […]

(CARF, Acórdão n.º 201-81698, RV n.º 140231, Rel. Walber José da Silva, Primeira Câmara, Data da Sessão: 03/02/2009)

Nessa ordem de ideias, apesar das divergências ainda encontradas em sede doutrinária e judicial, afigura-se indeclinável a intelecção de que a isenção excludente do crédito tributário na aquisição do insumo introduzido no estabelecimento industrial constitui óbice insuperável para a produção do crédito de IPI não-cumulativo, pois não haverá o que compensar na saída do produto final se a operação anterior não sofreu nenhum ônus tributário.

A não-cumulatividade do IPI traduz mecanismo de estatura constitucional (art. 153, IV, § 3.º, II, da CF/88) engendrado com o desígnio de impedir a sobreposição de tributos na linha de produção industrial. A sua sistemática é levada a cabo, segundo literal dicção da CF/88, mediante a compensação do “que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”

Muitas discussões têm sido travadas quanto à obtenção do crédito de IPI não-cumulativo em decorrência da aquisição, pelo estabelecimento industrial, de insumos livres de tributos, especialmente quando essa desoneração decorre de isenção. Não obstante as controvérsias existentes sobre o tema, a única conclusão que se compatibiliza com os ditames constitucionais é a de que a aquisição de insumos isentos não tem o condão de gerar crédito de IPI não-cumulativo, na esteira de raciocínio idêntico ao que prevalece quanto à obtenção de matéria-prima não-tributada ou sujeita à alíquota zero.

A inexistência de ônus tributário nas fases antecedentes da cadeia produtiva, independente do rótulo jurídico que se lhe empreste, constitui razão bastante para afastar a gestação do crédito de IPI, pois a regra constitucional é patente ao permitir a compensação, ou se for o caso o ressarcimento, unicamente diante da ocorrência de cobrança de tributo na operação anterior.

Tendo em mente que a isenção exclui o crédito tributário, forçoso é admitir que sua verificação é incompatível com a cobrança do tributo, sendo certa, nesta situação, a impossibilidade do surgimento do crédito de IPI. Os contorcionismos jurídicos levados a efeito com a intenção de legitimar o creditamento em análise estão em desalinho com o texto literal da Carta Magna e com os princípios nela impregnados.

A prevalecer a possibilidade do indigitado crédito em razão da aquisição de insumos isentos, além de desprezar-se a disciplina constitucional, estar-se-ia cedendo passo a enriquecimentos indevidos, pois os bônus seriam auferidos pelo industrial sem os correspondentes ônus incidentes sobre o produto final, que são repassados às fases subsequentes da cadeia. Além disso, haveria lesão ao princípio da seletividade, já que o incentivo destinado à compra do insumo seria forçadamente transportado para outro estágio, em frontal colisão com o intento do legislador.

Seja por razões estritamente jurídicas, seja por razões de política fiscal, o crédito de IPI não-cumulativo decorrente da aquisição de insumos isentos afigura-se flagrantemente inconstitucional e ilógico.

Em boa hora os tribunais pátrios estão a enfrentar o tema e, embora ainda haja dissonâncias, deseja-se, em respeito às normas vigentes, que impere o entendimento de que é impossível o aludido crédito ante a isenção dos insumos adquiridos pelo estabelecimento industrial.

Referências:

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. São Paulo. Malheiros. 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções Tributárias do IPI em face do Princípio da Não-Cumulatividade (Parecer). Revista Dialética de Direito Tributário, SÃO PAULO, n. 33, p. 142-166, 1998.

GRECO, Marco Aurélio. Alíquota zero: IPI não é imposto sobre valor agregado. Biblioteca Digital Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 2, n. 8, mar./abr. 2004. Disponível em:

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 28ª ed., 2007.

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[1] MACHADO, Hugo de Brito. Crédito de IPI na aquisição de insumos não tributados. 2004. Disponível em: www.hugomachado.adv.br. Acesso em: 15 jul 2009.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções Tributárias do IPI em face do Princípio da Não-Cumulatividade Parecer). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 33, p. 156, 1998.

[3] GRECO, Marco Aurélio. Alíquota zero: IPI não é imposto sobre valor agregado. Biblioteca Digital Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 2, n. 8, mar./abr. 2004. Disponível em:

[4] Paulsen, Leandro; Melo, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, estaduais e municipais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 93.

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