SEGUNDA LEITURA

OMC é mais democrática do que se pensa

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

19 de julho de 2009, 6h16

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A Organização Mundial do Comércio passa ao largo dos estudos jurídicos do Brasil. Somente os operadores do Direito que atuam na área de comércio exterior conhecem-na de perto. No entanto, ela influi diretamente na vida de todos e, por isso mesmo, sua importância cresce a cada dia.

A OMC, da qual participam quase 150 países, foi criada pelo Acordo de Marrakesh, adotado em 14 de abril de 1994, sendo que, no Brasil, o Decreto 1.355, de 13 de dezembro de 1994 deu-lhe força de lei. Ela é a sucessora do antigo Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, o GATT/47, mas este nunca se constituiu em uma organização internacional. O fenômeno da globalização, com a consequente liberalização do comércio internacional, tornou a OMC mais poderosa.

A OMC tem, entre os seus objetivos, atenuar a pobreza e gerar maior desenvolvimento. Nessa linha ela busca liberar o fluxo comercial. O Acordo de Marrakesh adota como princípios-chave a não-discriminação, diminuição de barreiras ao comércio, previsibilidade, concorrência leal e apoio ao desenvolvimento e às reformas econômicas.

É a OMC o único foro para elaboração de regras jurídicas para o comércio global e acaba sendo o único órgão que propicia a aplicação, administração e funcionamento do Acordo de Marrakesh e de outros acordos comerciais celebrados entre os países. Ela tem personalidade jurídica e seus funcionários gozam das prerrogativas das demais organizações internacionais, como a ONU e a OEA.

Inúmeras controvérsias entre Estados são decididas pela OMC. Segundo Luciane Amaral Corrêa, “o procedimento para a solução de disputas está regulado pelo Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, ou ESC, e é vinculado ao Órgão de Solução de Controvérsias, formado por representantes da totalidade dos Membros da organização. Ele inicia através de consulta, feita pelo Estado que se considera prejudicado, com um prazo de sessenta dias para resolução do problema, findo o qual, é possível requisitar a instauração de um painel” (A Cláusula do Tratamento Nacional do GATT/94 e o meio ambiente: principais decisões no órgão de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio. In: Direito Ambiental em Evolução n. 3, p. 201).

Um painel é constituído por três membros, professores de competência reconhecida ou ex-integrantes de órgãos vinculados à OMC, independentes e de nacionalidade diversa dos países envolvidos. Os membros do painel oferecem um parecer que será examinado pelo Órgão de Solução de Controvérsias. O OSC poderá adotar ou não o parecer, mas, rejeitando-o, deverá fundamentar sua decisão.

O vencido na controvérsia instaurada poderá recorrer ao Órgão de Apelação da OMC, que se assemelha a um Tribunal de Recursos. Este órgão conta com sete juízes, que cumprem mandato de quatro anos, podendo ser renovado por mais quatro apenas uma vez. As conclusões da decisão colegiada são, da mesma forma, submetidas ao Órgão de Solução de Controvérsias e é considerada automaticamente aprovada, exceto a hipótese pouco comum de um consenso negativo.

José Cretella Neto, na obra Direito Processual na Organização Mundial do Comércio – OMC, Ed. Forense, relata os pouco conhecidos trâmites processuais. E o Ministério das Relações Exteriores registra que “levantamento realizado pelo Secretariado da OMC até o final do ano 2000 demonstra que, do total de 239 casos levados a painéis, os PDs abriram 97 casos contra os próprios PDs e 64 contra os PEDs. Já os PEDs abriram 38 casos contra os PDs e 25 contra os próprios PEDs. Conclusão: a OMC é mais democrática do que se pensa e oferece um foro, não só para as disputas entre os países ricos, mas também para que os países pobres levantem casos contra os ricos e saiam vencedores dessas disputas. São exemplos emblemáticos os paineis nos quais a Costa Rica venceu os EUA no setor têxtil, e o Equador obteve autorização para retaliar contra a Comunidade Européia (CE), no caso das bananas. O Brasil, por sua vez, saiu vencedor de vários paineis contra os EUA, nos casos da gasolina (o primeiro painel da OMC) e das patentes, assim como contra o Canadá no caso dos aviões, e a CE, no caso do café solúvel” (WWW.mre.gov.br).

Disso tudo se conclui que os julgamentos da OMC trazem consigo reflexos da maior relevância para os países envolvidos. Atingem diretamente as importações e exportações, envolvendo interesses econômicos elevados. Exemplificando, a manutenção ou a exclusão de uma barreira alfandegária imposta por um país europeu pode significar a perda ou não de milhares de empregos no Brasil.

Na área ambiental, a OMC vem assumindo um papel de importância crescente. É ela quem decide se vedações a importações, sob a alegação de ausência de comprometimento ambiental do país exportador, podem ou não ser mantidas. No caso brasileiro, isso já é uma realidade na exportação de madeira, cada vez mais rigorosa.

Em suma, a OMC e seu Órgão de Apelação, acabam, na realidade, tendo mais relevância na vida de uma pessoa, física ou jurídica, do que a Corte Internacional de Haia ou o Tribunal Penal Internacional. Por isso tudo, muito perdeu o Brasil e os brasileiros quando a Ministra Ellen Northfleet não foi escolhida para compor aquele órgão.

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