Tiro no pé

Promotor atira no cunhado e é preso na Paraíba

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19 de julho de 2009, 5h20

Acusado de invadir a casa da namorada e dar tiros contra o irmão dela, um promotor de Justiça foi preso na Paraíba. Carlos Guilherme Santos Machado foi detido no último dia 11 de julho, em sua casa, no município de Cajazeiras, onde trabalha. Nessa quinta-feira (16/7), a Justiça negou a liberdade provisória ao promotor sob a justificativa de manter a ordem pública e a continuidade das investigações.

O caso foi palco de uma inversão de papeis. A seccional paraibana da Ordem dos Advogado do Brasil saiu em defesa do promotor, alegando irregularidades cometidas pelo Ministério Público estadual. Testemunhas afirmam que foram pressionadas e até enganadas pelos promotores para deporem contra Carlos Guilherme. Segundo a Ordem, o promotor foi sumetido a exame de corpo de delito pelo próprio MP, sem poder contar com o auxílio de um advogado. “A Ordem não está aqui para fazer pré-defesa de ninguém e acredita que o fato tem que ser apurado para que o culpado seja punido. O que não podemos é concordar com os métodos adotados pelo Ministério Público”, disse o presidente da seccional, José Mário Porto Júnior na última segunda-feira (13/7).

O disparo aconteceu um mês antes, no dia 14 de junho. Carlos Guilherme se desentendeu com o pedreiro Patrício Silva, irmão de sua namorada, Fabiana da Silva Batista, de 18 anos, e atirou no pé de Patrício. O cunhado não teria deixado o promotor falar com Fabiana, expulsando-o e ameaçando agredi-lo. O Conselho Superior do Ministério Público afastou Carlos Guilherme de suas funções um dia depois da confusão. Um procedimento investigatório criminal foi aberto pelo MP em paralelo com o inquérito instaurado pela Polícia, conforme a Portaria 928/PGJ/2009 do MP.

No pedido de prisão preventiva, o MP afirmou que, para forçar Fabiana a sair de casa, o promotor apontou a arma para uma criança de nove anos com Síndrome de Down e atirou contra Patrício. Segundo a acusação, assim que Fabiana saiu de casa, o promotor a arrastou pelos cabelos. A procuradoria acusa Carlos Guilherme de lesão corporal gravíssima, cárcere privado da namorada, posse ilegal de armas, além de prejudicar as investigações sobre o incidente e de tráfico de drogas. Segundo a acusação, o promotor Carlos Guilherme se negou a entregar sua arma para perícia, intimidou testemunhas e não permitiu que a namorada assinasse um depoimento. A ordem de prisão foi dada no dia 10 de julho pelo desembargador Nilo Luís Ramalho Vieira, do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Antes de pedir a prisão, o MP conseguiu, no tribunal, uma ordem de busca e apreensão de “toda e qualquer arma de fogo encontrada” em posse de Carlos Guilherme. Foram apreendidas na casa do promotor duas pistolas modelo PT 308 e outra Taurus .40, uma espingarda calibre 12, além de munição, carregadores e “grande quantidade” de medicamentos descritos como anabolizantes. Também foram encontradas duas placas de veículos identificadas como sendo do Rio de Janeiro. De acordo com a comissão criminal criada pelo MP para cuidar do caso, as placas foram adulteradas. Por isso, o promotor também responderá por adulteração de sinais identificadores de veículos.

Carlos Guilherme foi promotor de Justiça no Rio de Janeiro por sete anos até passar em novo concurso para exercer a função no MP da Paraíba. Para seus advogados, Eugênio Nóbrega e Claudius Caju, a perseguição se deve a inveja e vingança. Eles alegam que, se o acusado “fosse o ‘monstro’ desenhado pela acusação, não deveria ter sido deferida a posse e o exercício no cargo de promotor de Justiça nesse estado da Paraíba”.

Segundo eles, todas as armas apreendidas são registradas e os medicamentos encontrados na casa de Carlos Guilherme foram comprados licitamente e são de uso pessoal. “Se o material apreendido fosse efetivamente droga, o requerente teria sido preso em flagrante pela equipe da Polícia Federal que realizou a operação de apreensão”, justificam os advogados no pedido de Habeas Corpus apresentado à Justiça. Eles afirmam que o MP “assumiu as funções de autoridade policial ao ouvir Fabiana e os policiais que acorreram ao local, e ao pedir documentos”.

O relator do processo, desembargador Nilo Luís Ramalho Vieira, negou o pedido de liberdade provisória. Segundo ele, o fato de o incidente ter acontecido em uma comarca pequena como a de Cajazeiras pode causar preocupação na população local. O desembargador também considerou que Carlos Guilherme, em liberdade, pode intimidar testemunhas por ser uma autoridade na cidade — mesmo que a defesa tenha alegado que ele mudou para João Pessoa depois do ocorrido. “A liberdade do paciente, no momento, só contribuiria para a intranquilidade da população da comunidade onde atua”, disse Vieira.

Inquisição à paraibana
O caso lembra o do promotor de Justiça em São Paulo Thales Ferri Schoedl que, em 2004, atirou contra dois rapazes no litoral paulista. Schoedl matou um e feriu outro na Riviera de São Lourenço, balneário de luxo em Bertioga (SP). Ele foi absolvido no ano passado pelo Tribunal de Justiça paulista. Segundo o advogado Eugênio Nóbrega, o incidente envolvendo Schoedl foi mais grave que o protagonizado por Carlos Guilherme e nem assim o MP pediu sua prisão preventiva.

A mãe de Fabiana, Maria de Lourdes Batista, chegou a assinar um depoimento que dizia que a filha sofria maus tratos do namorado. No entanto, em entrevista ao programa Correio da Manhã, do canal Correio Sat, gravada na terça-feira (14/7), ela desmentiu a afirmação. Disse ter sido enganada pela equipe de promotores que pediram sua assinatura na declaração. Segundo Maria de Lourdes, os promotores falaram que o documento era um pedido para a soltura de Carlos Guilherme, o que ela não pôde comprovar por estar “sem óculos”. Eles ainda teriam pressionado a mãe de Fabiana ao mostrar fotos de Carlos Guilherme com outras mulheres.

Segundo o advogado Eugênio Nóbrega, Fabiana não foi encontrada no dia da prisão de Carlos Guilherme. O advogado acionou a comissão de prerrogativas da OAB, já que não conseguia ter informações sobre o paradeiro dela. Segundo Nóbrega, a garota foi mantida presa pelo MP sem autorização judicial. “Essa moça foi apanhada em frente ao Manaíra Shopping por volta das 17h30 e só a liberaram por volta das 22h30, sem ter direito à presença de um advogado”, afirmou o presidente da OAB-PB, José Mário Porto Júnior.

Também não foi feito exame de corpo de delito em Fabiana, segundo o presidente da comissão de prerrogativas da OAB da Paraíba, Márcio Maranhão. “Sabe-se Deus o que é que foi feito neste intervalo de tempo, mas, dificilmente fizeram exame de corpo delito, já que o presidente do IPC [Instituto de Polícia Científica] foi uma das autoridades que disse não saber do paradeiro da moça”, disse Maranhão, contrariando declarações dadas pela procuradora Janete Ismael. De acordo com o MP, o exame foi feito no dia 10 de julho para identificar indícios de agressões do namorado. O resultado deve ficar pronto no próximo dia 20.

Fabiana prestou queixa na Polícia no dia seguinte contra a ação do Ministério Público. Diz o boletim de ocorrência lavrado na 3ª Delegacia Distrital de João Pessoa que Fabiana declarou ter sido “abordada por dois homens” que se diziam policiais e ordenaram que ela “desligasse o veículo e entregasse a eles o aparelho celular”. Eles mandaram que ela entrasse em uma viatura do batalhão de Choque da Polícia Militar, que a levou ao Ministério Público. Lá, “a mantiveram em uma sala e passaram a interrogá-la” sobre o episódio que motivou a prisão do promotor.

Os encarregados do interrogatório, segundo depoimento de Fabiana à Polícia, foram os promotores “Romualdo”, “Paulo Lavour” e a procuradora “Sônia”. Fabiana afirmou que eles a “ameaçavam, caso ela não falasse o que eles queriam saber”. Ela foi encaminhada ao Instituto Médico Legal, onde fez exame de corpo de delito, depois do que foi liberada, às 22h. Diz ainda que foi obrigada a assinar um termo em que “informava que tinha chegado às 21h10, em perfeito estado físico e mental”. A Consultor Jurídico procurou a Assessoria de Imprensa do Ministério Público da Paraíba no início da tarde desta sexta (17/7), mas foi informada de que o expediente no MP já havia terminado. Com informações obtidas nos sites da Ordem dos Advogados do Brasil da Paraíba e do Ministério Público do estado.

Processo 999.2009.000338-8/001.

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