Sabatina de juiz

EUA e Brasil têm mesmas regras, mas jogos diferentes

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16 de julho de 2009, 17h52

Foram nove horas diárias, durante quatro dias, até o Senado americano terminar a sabatina de Sonia Sotomayor, indicado por Barack Obama para ser ministra da Suprema Corte dos Estados Unidos. A votação de seu nome pelo Plenário será em agosto. A lista de perguntas e o exaustivo processo de sabatina pelo qual passou a juíza contrastam com a prática adotada pelo Senado brasileiro ao analisar as indicações para ministro do Supremo Tribunal Federal e de tribunais superiores.

O sistema, em tese, é o mesmo. O presidente nomeia quem bem entender — desde que tenha notório saber jurídico e reputação ilibada — e o Senado, depois de sabatinar o escolhido, aprova ou rejeita. Na prática, contudo, o Senado brasileiro costuma apenas chancelar o nomeado pelo presidente depois de um acordo político bem costurado nos bastidores. Não que nos Estados Unidos não haja a costura política, mas, na sabatina de lá, o juiz ainda passa por uma verdadeira prova. Aqui, não.

The White House
Sonia Sottomayor e Barack Obama - The White House

Juíza federal desde 1998, Sonia Sotomayor (na foto ao lado com Barack Obama) é a primeira juíza de ascendência latina indicada para compor a Suprema Corte dos Estados Unidos. Foi também a primeira hispânica da Justiça americana e a terceira mulher. Não por acaso, o presidente Barack Obama justificou a indicação pela “jornada extraordinária” de Sonia, conhecida por ser uma liberal moderada.

Em 2001, durante um congresso de diversidade, ela disse que a etnia e o sexo do juiz “pode e vai fazer diferença” no julgamento. E completou: “Eu espero que uma mulher latina com a sabedoria e a riqueza das suas experiências possa, na maioria das vezes, alcançar uma conclusão melhor do que um homem branco que não teve essas experiência de vida”. Na sabatina, oito anos depois da declaração, os republicanos se lembraram da polêmica frase.

Apesar do cacife da indicação de Obama, a sabatina passou bem longe de ser uma mera formalidade. Nos quatro dias, Sonia Sotomayor teve de ouvir duras críticas, perguntas e comentários. Além disso, ela teve que conversar pessoalmente com 89 senadores, além de todos os membros da Comissão de Justiça.

A estratégia dos republicanos foi pressionar a juíza com perguntas polêmicas sobre aborto e porte de armas, numa tentativa de colocar Sonia contra a parede. Ao jornal The New York Times, o senador republicano Orrin Hatch, um dos mais experientes da Comissão de Justiça, disse que a juíza suportou bem a sabatina. “Se ela respondeu bem todas as perguntas? Não. Mas aguentou bem o suficiente a maioria das perguntas.”

Na quarta-feira (15/7), a juíza foi bastante pressionada por senadores republicanos para dar sua opinião sobre o aborto. Saiu pela tangente. Disse que não poderia aprofundar-se no tema porque casos semelhantes podem chegar às suas mãos na Suprema Corte. Respondeu da mesma forma quando foi questionada sobre o que achava do casamento entre homossexuais.

Um dos senadores perguntou se a juíza era a favor de uma mãe abortar o feto ao descobrir, na 38ª semana, que o filho tem má formação na coluna. Sonia desconversou. “Não posso responder em abstrato.” Uma sentença da juíza federal que anulou concurso para bombeiros porque foram aprovados poucos concorrentes de “minorias étnicas” dominou boa parte dos debates de um dos dias.

Lá e cá
No Brasil, as sabatinas se transformam, na maior parte das vezes, em meras sessões formais para chancelar o nome dos indicados. Recentemente, para aprovar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, senadores disseram que nem precisavam ouvi-lo para aprová-lo. “Não vai ser uma resposta que vai nos convencer. Ele já nos convenceu com sua biografia e história”, disse o senador Osmar Dias (PDT-PR). “Essa arguição não vai alterar em nada meu juízo”, completou Antonio Carlos Magalhães Junior (DEM-BA).

O último ministro que tomou posse no Supremo Tribunal Federal foi Menezes Direito, em setembro de 2007. Aprovado por votação unânime na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, sua sabatina durou menos do que quatro horas. Na primeira vez que passou pelo crivo dos senadores, em 1996, quando foi indicado para o Superior Tribunal de Justiça, não foi diferente. Aprovação rápida e sem polêmica.

Repetiu-se, na sabatina para o Supremo, o hábito de chancelar o nome sem grandes polêmicas. Como no caso da juíza Sotomayor, houve perguntas sobre as crenças pessoais do ministro. No caso de Direito, em relação à sua fé católica e sua fama de ser conservador, mas nada muito aprofundado. O ministro não foi confrontado, por exemplo, com qualquer uma de suas decisões tomadas nos oito anos de Tribunal de Justiça ou nos 11 de STJ que antecederam sua chegada ao Supremo. Sonia Sotomayor foi confrontada com diversas de suas decisões.

A pergunta mais polêmica a que Direito teve de responder foi sobre o fato de ter julgado um caso de um escritório no qual seu filho era estagiário. E se saiu bem, exatamente porque não havia nada de irregular no fato. Direito explicou que na ocasião não houve julgamento de mérito e que a votação foi apoiada em jurisprudência da corte quando seu filho já era juiz. O julgamento, inclusive, foi depois anulado por um incidente processual.

As diferenças entre o processo de escolha dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos e do Supremo no Brasil são gritantes também em relação à cobertura da imprensa. Em sua página na internet, o jornal The New York Times mantém há mais de uma semana um link sob o título Choosing the next Justice, com notícias em tempo real sobre o processo de sabatina da juíza (clique aqui para ler).

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