Ato secreto

MPF manteve investigação em segredo durante 5 anos

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16 de julho de 2009, 20h31

Durante cinco anos, o Ministério Público Federal de São Paulo investigou em segredo um delegado da Polícia Federal, um despachante e uma empresa de segurança privada. Os investigados nunca souberam de nada. A Justiça só descobriu em abril deste ano, quando um membro do MP resolveu recorrer a um juiz para pedir quebra de sigilo bancário. Antes, o Ministério Público já tinha conseguido acesso aos dados fiscais dos investigados, com pedido feito diretamente à Receita Federal pelos procuradores.

A descoberta da investigação secreta foi feita pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, ao analisar pedido de arquivamento da investigação criminal iniciada pelo MPF em 2003. Na sentença (clique aqui para ler), determinou o envio de ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle do MPF, para que adote medidas legais contra os métodos de investigação adotados pelo órgão em São Paulo.

“A questão é muito grave, especialmente diante do quadro atual de fragilização do Poder Legislativo, em que o MPF precipita-se a investigar os chamados ‘atos secretos’ do Senado Federal, quando em suas próprias hostes vigoram métodos inconstitucionais de investigações secretas”, diz Mazloum. Dois dos três procuradores da República que participaram da investigação foram Silvio Luís Martins de Oliveira e Roberto Antonio Dassié Diana.

A carta anônima acusava departamento da Polícia Federal (Delesp), de estar envolvido em esquema de corrupção. Ainda segundo a carta, do esquerma participavam um delegado, um despachante e uma empresa de segurança privada.

De acordo com a sentença, a investigação do MPF ficou parada por quase quatro anos (até 2007) em poder de um membro da instituição. Depois, outro representante do Ministério Público pediu diretamente à Receita Federal a quebra de sigilo fiscal, dos últimos cinco anos, das pessoas físicas e empresas investigadas. Com as declarações de renda em mãos, o procurador entendeu que não havia irregularidade. “Por falta de justa causa”, foi promovido o arquivamento do procedimento, em novembro de 2008, no próprio âmbito do MPF.

Entretanto, segundo o juiz Ali Mazloum, a cúpula do MPF recusou-se a arquivar o procedimento sob o argumento da gravidade dos fatos e da existência de elementos bastantes para manutenção das investigações. Foi então que, em abril de 2009, um terceiro membro do MPF resolveu apresentar o procedimento à Justiça para tentar obter de algum juiz federal a quebra de sigilo bancário dos investigados e, assim, abrir “outra linha de investigação”.

Na distribuição, o cso foi para as mão do juiz Ali Mazloum, da 7ª VAra Federal Criminal. Após ter o pedido de quebra do sigilo bancário negado pelo juiz, o MPF desistiu e solicitou o arquivamento do feito por ausência de indícios de materialidade do delito. O juiz aceitou o pedido de arquivamento e determinou a intimação dos investigados para tomarem ciência da decisão e do procedimento investigatório ao qual foram submetidos, sem saber.

A decisão
Ao fundamentar sua decisão, Ali Mazloum lembra que o anonimato é vedado pela Constituição Federal, portanto, não é elemento idôneo para amparar medidas invasivas da intimidade do cidadão. “Há quem defenda, com acerto, que o anonimato pode de azo a pesquisas preliminares, mas nunca ensejar a deflagração de medidas constritivas, drásticas, submetidas à reserva de jurisdição, tais como prisões, buscas domiciliares, interceptação telefônica, quebra de sigilo etc”, escreveu.

Para o juiz, o ordenamento jurídico não autoriza o MPF a realizar investigações secretas nem a agir ex-officio em ambiente submetido a reserva de jurisdição com base em carta anônima. Acrescentou que nem mesmo o CNMP toma conhecimento de denúncias anônimas contra membros do Ministério Público. Com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal de 1º Grau em São Paulo.

MPF rebate
Em nota à imprensa, a procuradora-chefe da Procuradoria da República em São Paulo, Adriana Scordamaglia, em nome dos procuradores da República no estado, rebateu os argumentos do juiz Ali Mazloum em sua decisão.

Leia a nota

NOTA À IMPRENSA  

A respeito da nota “Juiz questiona procedimento do MPF e pede providências ao CNMP”, divulgada pelo juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em 16/07/2009, o Ministério Público Federal em São Paulo esclarece:

a) as investigações realizadas no âmbito do Ministério Público Federal seguem as regras constitucionais, legais e da Resolução nº 77/2004 do Conselho Superior do Ministério Público Federal;

b) tais apurações, enquanto não dependam de medidas judiciais, não são distribuídas no Judiciário. A mesma solução, diga-se de passagem, foi adotada para os inquéritos policiais, pelo Conselho da Justiça Federal, na resolução nº 63/2009, fato de conhecimento de todo o Judiciário Federal;

c) a requisição de dados fiscais pelo MPF é amparada pela Lei Complementar 75/93, pelas Notas Cosit nº 200/2003 e 001/2008 da Receita Federal e pela Nota Técnica nº 179/2007 da AGU, o que também é de conhecimento dos operadores jurídicos. Observe-se que não houve nenhuma medida na apuração, como prisões, buscas domiciliares e interceptação telefônica, que demandasse a atuação do Poder Judiciário;

d) o controle do arquivamento das investigações criminais no âmbito do MPF é feito pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, a qual recebe tanto inquéritos policiais remetidos por juízes federais, como investigações realizadas pelo próprio MPF, para concordância ou não do arquivamento promovido pelos Procuradores da República;

e) no caso concreto, a 2ª Câmara não concordou com o arquivamento e determinou que outro membro passasse a atuar no caso;

f) não há proibição de se proceder a apurações baseadas em notícia-anônima, consoante reiteradas decisões dos Tribunais, incluindo STF (RHC 86082), STJ (HCs 44649 e 41366) e TRF da 3ª Região (HC 31137 e ACR 31208);

g) o anonimato é vedado para as manifestações de opinião, mas não para noticiar a ocorrência de crimes. É de conhecimento notório que as polícias mantêm sistemas de “disque-denúncias”, garantindo o anonimato do cidadão. A própria Ordem dos Advogados do Brasil disponibiliza email e telefone para o recebimento de notícias anônimas em relação a crimes praticados contra advogados*;

h) não se concebe nenhuma ligação lógica entre sigilo da investigação, reconhecida como necessária, até para o resguardo da intimidade do investigado, e notícias de violação ao princípio da publicidade dos atos administrativos. Afirmação nesse sentido é puramente retórica;

i) mais espécie causa ainda a referida nota, quando, ao final, há o registro de que o juízo da 7ª Vara concordou com a solução dada pelo MPF ao caso ao determinar o arquivamento da investigação, o que já havia sido proposto sem nenhuma divulgação à mídia, para resguardo dos investigados; e

j) o Ministério Público Federal em São Paulo, consciente de seu papel responsável na construção da cidadania no País, não teme a verdade e está aberto a críticas e sugestões, no aprimoramento de sua missão institucional. E não teme eventual apuração de qualquer órgão, pelo contrário, concorda que as instituições públicas devem prestar contas de sua atuação à população e conclama todos os agentes públicos a agirem com responsabilidade e isenção no trato de questões fundamentais para a construção da cidadania.

ADRIANA SCORDAMAGLIA
PROCURADORA CHEFE DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA
NO ESTADO DE S. PAULO

Clique aqui para ler a sentença

Processo 2009.61.81.004404-7

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