Do luxo ao lixo

Vender artigo de luxo não torna empresa suspeita

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15 de julho de 2009, 14h59

O artigo 5º da Constituição Federal vem sendo sistematicamente ignorado em inúmeros procedimentos de fiscalização, especialmente na área federal.

O inciso X da Carta Magna garante a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem das pessoas. No campo da tributação existe ainda uma norma de natureza complementar a tal garantia, explicitando-a no artigo 198 do Código Tributário Nacional, proibindo que a Fazenda Pública divulgue informação relacionada com a situação econômica ou financeira bem como o estado de seus negócios ou atividades.

Embora tal proibição tenha sido alvo de algumas exceções por conta da Lei Complementar 104/2001, a regra que predomina ainda é a que determina que a Fazenda Pública e seus servidores ajam com discrição, moderação e cautela, no sentido de evitar danos à imagem das pessoas que, ainda não definitivamente condenadas, são presumidamente inocentes.

O alcance das exceções trazidas com a Lei Complementar 104 deve ser mantido dentro de limites muito estreitos, porque a norma constitucional está acima de qualquer outra, especialmente em se tratando de cláusula pétrea, que não pode ser objeto de discussão.

Deve-se levar em conta, ainda, as normas que regulam o exercício da função pública. Os servidores públicos civis da União estão sujeitos à observância do seu Código de Ética, fixado pelo Decreto 1171, do qual constam normas bem explícitas sobre como devem proceder os funcionários públicos. Uma dessas normas determina que “Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da administração pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma nação”.

No estado de São Paulo vigora a Lei Complementar Estadual 939/2003, que garante “a preservação, pela administração tributária, do sigilo de seus negócios, documentos e operações…”. Apesar da clareza dessas normas, vem se tornando cada vez mais comuns operações de fiscalização tributária realizadas com o desnecessário acompanhamento de grande aparato policial e ampla exposição na mídia, especialmente na televisão.

O artigo 200 do Código Tributário Nacional prevê que haja requisição de força policial quando as autoridades fiscais sejam vítimas de embaraço ou desacato no exercício das suas funções.

Em várias ocasiões uma grande quantidade de agentes e viaturas policiais foram ostensivamente utilizados para acompanhar o trabalho de auditores fiscais que estavam arrecadando ou apreendendo documentos fiscais e contábeis. O uso da polícia nesses casos parece desnecessário, pois é pouco provável que o empresário que está sendo fiscalizado tente impedir a ação dos fiscais. Assim, a impressão que se tem é que esteja presente apenas algum interesse em submeter o empresário a uma desnecessária exposição pública ou mesmo a uma evidente execração, com óbvios prejuízos para sua imagem e seus negócios.

O pior disso tudo é que não são raros os casos de operações fiscais realizadas com grande aparato, com ampla repercussão na mídia e que mais tarde, depois de levado o caso a um julgamento adequado, deixaram comprovada a inocência do contribuinte.

Um desses casos mais notórios ocorreu em São Paulo em 1995, envolvendo uma empresa que era à época a importadora oficial dos veículos BMW, Hyundai, Ferrari, etc. Lavrou-se contra a empresa um auto de infração de cerca de US$ 300 milhões, sob a acusação de subfaturamento nas importações.

Praticamente no mesmo dia em que a empresa foi intimada do auto de infração a notícia foi divulgada na imprensa e servidores públicos anunciavam que os empresários poderiam ser presos, que seus bens seriam bloqueados, etc. Com tais notícias imediatamente a empresa viu suspensas as linhas de crédito em bancos e até mesmo cartões de crédito pessoal de seus diretores foram bloqueados.

Acontece que a empresa defendeu-se administrativamente e cerca de dois anos depois, no julgamento de primeira instância, a própria Receita Federal reconheceu que não havia sonegação alguma, que tudo era apenas um grande “equívoco” do fisco. Infelizmente, a empresa não sobreviveu à destruição de sua imagem, às negativas de crédito e aos imensos prejuízos que uma autuação errada pode causar.

Em outro episódio, no Rio de Janeiro, a empresa da conhecida modelo Luiza Brunet sofreu um auto de infração, teve documentos apreendidos, também sob acusação de sonegação fiscal. Depois o fisco reconheceu que estava errado e a empresária chegou a mover uma ação judicial para ser ressarcida pelos prejuízos e até pelos danos morais que sofreu.

Mais recentemente, no ano passado, uma pequena empresa importadora com sede em São Paulo foi multada em mais de R$ 16 milhões sob acusação de importações fraudulentas. Já na defesa administrativa de primeira instância a autuação foi cancelada, reconhecendo o fisco que se enganara. Todavia, a empresa foi obrigada a pagar advogado para se defender, sofrendo expressiva perda financeira que não se consegue recuperar na prática.

Portanto, está muito claro que autuações estão sujeitas a erros, pois os fiscais podem errar. Até ai, tudo bem, isso faz parte do relacionamento entre fisco e contribuinte. O que não se pode aceitar, contudo, é sua exagerada exposição na mídia, de forma negativa, transformando uma pessoa que até ontem era um empresário, num bandido, quase sempre acusado de formação de quadrilha, falsificação, sonegação, contrabando, etc.

Enquanto não houver uma sentença judicial transitada em julgado, todo mundo é inocente. Isso pode favorecer eventualmente algum culpado? Talvez possa, mas é esse o preço que se paga por vivermos num estado democrático de direito. Como se sabe, é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente. Justiça é isso, o resto é conversa de botequim.

Também não se pode admitir que uma empresa qualquer, pelo simples fato de se dedicar a vender produtos de luxo, possa tornar-se alvo de suspeitas. Não há nenhuma lei que proiba a importação e o comércio de produtos de luxo. Portanto, tal negócio é legal. Pode e deve ser fiscalizado, mas não pode ser execrado, não pode ser perseguido. Talvez fosse o caso de se dedicar mais atenção ao controle das importações de LIXO, estas sim proibidas, mas que recentemente foram descobertas no país…

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