Controle etéreo

CNMP aplicou punição disciplinar para sete promotores

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14 de julho de 2009, 15h33

Durante a sabatina dos novos conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público, senadores reclamaram da inatividade do órgão. O protesto não foi à toa. Números mostram que, desde que foi criado, em 2005, o CNMP pouco agiu. Até junho deste ano, o Conselho julgou 469 processos ou 72% de todas as autuações. Foram aplicadas penas em 21% destes.

Em matéria disciplinar, o CNMP é ainda menos ativo. Nos quatro anos de existência, o CNMP já recebeu 88 processos disciplinares e julgou 66. Desses, apenas sete resultaram em punição, o equivalente a 10%, em números redondos. Na sabatina na CCJ do Senado em maio, a (falta de) atuação do CNMP foi vista como impunidade para os desvios do MP. “O MP tem que ser ativo, mas nós não estamos vendo um Conselho ativo”, disse o senador Renato Casagrande (PSB-ES). “Não há um estado no país em que você não ouça um caso de membro do MP que vem extrapolando”, completou Tasso Jereissati (PSDB-CE). Os nomes do procurador federal Nicolao Dino e do promotor de Justiça estadual Diaulas Costa Ribeiro, depois de aprovados na sabatina da CCJ, foram rejeitados pelo Plenário do Senado. A justificativa foi que a rejeição era uma forma de protestar contra a atuação do MP na crise do Senado. Nos bastidores, no entanto, diz-se que as rejeições serviram para protestar contra a inércia do CNMP.

As fraquezas do CNMP ficam ainda mais flagrantes na comparação com a força de seu par do Judiciário, o Conselho Nacional da Justiça. Além disso, o CNMP não tem um sistema de estatísticas consolidado, muito menos com acesso público via internet. Não há informações sobre a atuação de cada MP — quantos denúncias oferece e quantas condenações consegue, por exemplo.

Para conseguir números básicos sobre a quantidade de processos julgados pelo próprio CNMP, a reportagem da Consultor Jurídico teve de fazer a solilcitação e esperar mais de 48 horas. E essa dificuldade é apenas um exemplo nanico, se comparado ao gigantismo e capilaridade do Ministério Público.

O Conselho, no entanto, tem algumas desculpas aceitas para a sua atuação. A primeira delas é a falta de estrutura do conselho, ainda mais se comparada à robustez do ativo CNJ. Nesse ponto, o orçamento não colabora. O CNMP tem à disposição R$ 10 milhões para gastar em 2009. O CNJ tem 12 vezes vezes isso.

Na sabatina do Senado, alguns conselheiros usaram outra desculpa para justificar as poucas punições aplicadas. Para eles, a culpa é do Supremo Tribunal Federal, que dá liminares suspendendo as punições. A ConJur analisou todos os casos em que o conselho consta como uma das partes no site do Supremo. Em 30% dos casos, o STF deu liminar contrária à decisão tomada pelo CNMP. O STF, desde 2005, já se manifestou em 93 ações contra o CNMP — a maioria por meio de Mandados de Segurança. Em 25 casos, as liminares foram contra o CNMP.

Primeiros passos
Os números mostram que o conselho não engrenou, depois de quase cinco anos de sua criação. O CNMP teve dificuldades até para padronizar os concursos públicos para o ingresso na categoria. Em novembro de 2006, o conselho aprovou a Resolução 14, com as “regras gerais regulamentares” para os concursos. As tais regras não duraram seis meses. Insatisfeito com a padronização, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu ao Supremo Mandado de Segurança para conseguir mais autonomia para fazer a seleção. Entre outras coisas, o MP fluminense queria aplicar prova de português, além das questões jurídicas.

O então ministro Sepúlveda Pertence deu liminar favorável ao MP-RJ. Sepúlveda sustentou que o CNMP extrapolou suas funções. “É de inequívoca densidade a plausibilidade dos fundamentos da impetração: parece ultrapassar as raias admissíveis do poder normativo do CNMP para concretizar os princípios constitucionais da administração pública”, escreveu na decisão. A medida surtiu efeito. Em dezembro de 2007, quase seis meses após a liminar, o CNMP fez a Resolução 24 para flexibilizar os concursos. Pelo texto, os MPs devem observar as regras, “salvo se contrariarem normas constantes em Leis Orgânicas do Ministério Público”.

Em 2006, o CNMP julgou o caso do Ministério Público do Amazonas. Diversas denúncias foram apuradas, de desvio de verbas a um plano do então procurador-geral de Justiça, Vicente Cruz Oliveira, para matar o atual ministro do STJ, Mauro Campbell. Foi neste caso que foi aplicada a maior punição até hoje pelo CNMP. O recordista foi Vicente Cruz Oliveira, ex-chefe do MP amazonense. Ele foi punido com a chamada disponibilidade que, na prática, não passa de um descanso remunerado. Oliveira está afastado do cargo e recebe mensalmente salário proporcional ao tempo de serviço. A disponibilidade é a pena máxima que pode ser aplicada pelo Conselho, por ser da esfera administrativa. Somente a Justiça pode demitir um membro do MP. 

Em outra condenação, o CNMP ordenou que o promotor Davi Evandro da Costa Carramanho devolvesse R$ 227,2 mil ao MP amazonense. Segundo os conselheiros, o promotor havia recebido gratificação de adicional de tempo de serviço sobre férias e licença-prêmio não gozadas. Davi Costa conseguiu suspender o pagamento pelas mãos do ministro Carlos Britto quatro meses depois.

De início, Britto havia negado a liminar. O promotor alegava que a convocação do CNMP, por meio de edital, era ilegal. Por via das dúvidas, Britto preferiu mudar de ideia e suspender o pagamento até a decisão final. “Assim postas as coisas, a questão a ser deslindada por esta suprema corte de Justiça está na validade ou não da notificação do impetrante, por edital. Notificação essa que, num exame prefacial, não parece descambar para a zona da ilegalidade. Pelo que somente concedo a liminar para o exclusivo fim de sobrestar, até o julgamento final do mandamus, a restituição do valor.” O mérito ainda não foi julgado.

001
O caso mais notório do CNMP é a velha disputa entre o ex-secretário-geral do governo FHC, Eduardo Jorge Caldas Pereira, e o procurador Luiz Francisco de Souza. O processo tem a vistosa numeração 001, deu entrada no Conselho em 2005 e até hoje está em aberto. É também um exemplo cristalino de como as punições do CNMP nem sempre viram realidade.

O ex-secretário de FHC acusa Luiz Francisco de perseguição em razão de uma série de denúncias e declarações à imprensa. O CNMP, no entanto, condenou Luiz Francisco por outros motivos, sem relação direta com a denúncia de Eduardo Jorge. O conselho condenou o procurador a 45 dias de afastamento por ter participado de comício político. Como o motivo não teve nada a ver com a denúncia inicial, bastou Luiz Francisco pedir Mandado de Segurança no Supremo para trancar o processo. Na prática, a condenação do CNMP virou absolvição, uma vez que a liminar do STF resultou na prescrição da pena.

Hoje, o processo número 001 ainda se arrasta em embargos de declaração. Eduardo Jorge conseguiu colocar na sentença que o procurador fazia perseguição política, mas a disputa ainda não acabou. Luiz Francisco promete recorrer do acórdão.

Braços inativos
Assim como o CNMP, as corregedorias estaduais do MP ainda engatinham. Como a ConJur mostrou em maio, apenas 4% das ações julgadas no ano passado nas corregedorias regionais resultaram em algum tipo de punição. Das 1.052 ações disciplinares julgadas pelas corregedorias, 39 acabaram em punições para os promotores.

Além disso, muitas corregedorias regionais não fazem trabalhos de monitoramento das atividades carcerárias, como o CNJ faz nos mutirões estaduais. O CNMP descobriu que quase um terço dos MPs não tem regra sobre uma periodicidade mínima de visita. Recentemente, os conselheiros determinaram que os Ministérios Públicos da União e dos estados façam visitas e inspeções nos presídios a cada três meses, no mínimo. 

Por causa destes e de muitos outros exemplos, o novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que ainda não tomou posse, prometeu mais seriedade e menos pirotecnia no MP. Aos senadores, Gurgel afirmou que o “Ministério Público não pode ter a pretensão de ter o monopólio da verdade”. Gurgel reconheceu que há um déficit no CNMP, mas não ineficiência. “Discordo das acusações (de ineficiência). É claro que há um déficit, se comparado com o CNJ, mas o CNMP exerce bem seu trabalho, dentro da medida do possível”, afirmou. Para os próximos dois anos, o novo procurador-geral, que acumula o cargo de presidente do CNMP, prometeu tentar reverter esse "déficit". Na sabatina da CCJ, contudo, Gurgel não citou medidas concretas.

Notícia alterada às 15h30 do dia 15 de julho para correção de informação.

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