Vazio legislativo

Especialistas defendem nova Lei de Imprensa

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13 de julho de 2009, 19h36

Desde o final de abril, quando o Supremo Tribunal Federal tirou do ordenamento jurídico a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), tanto a comunidade jurídica como a jornalística discutem se é necessário uma nova regulamentação específica para o setor. Para especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico, as particularidades da imprensa exigem sim uma regra específica capaz de garantir a liberdade de expressão.

Independentemente de sua origem ditatorial, a Lei de Imprensa cumpriu um papel relevante quanto a dois aspectos: preservou o dispositivo constitucional de liberdade de expressão e garantiu o direito de resposta e a compensação por danos. Walter Ceneviva, advogado e colunista do jornal Folha de S.Paulo há quase 30 anos, reconhece que, embora a Constituição Federal tenha essas disposições, a Lei de Imprensa se mostrou adequada para resolver esses problemas.

“Há um substrato que mostra a indispensabilidade da Lei de Imprensa”, disse. Ceneviva observa que a Constituição dos Estados Unidos (“pátria amada da democracia formal”), editada há mais de 200 anos, serviu tanto para afirmar a escravatura quanto para garantir a liberdade aos escravos; para segregar brancos de negros e índios, quanto para impor às escolas a acolhida de alunos seja qual fosse a sua raça, origem ou cor. Ele usa o exemplo para mostrar que não basta a Constituição para garantir a liberdade de expressão. O advogado também ressalta que a lei inferior à Constituição tem a vantagem de situar os problemas.

Quanto às altas condenações por danos morais contra pequenos veículos (clique aqui para ler mais), Walter Ceneviva defende que uma nova Lei de Imprensa deve estabelecer parâmetros para impedir que o meio de comunicação se torne inviável. “Condenar um jornal em R$ 5 milhões é uma vedação indireta da liberdade de imprensa”, ressalta. Como não há como definir uma regra geral, defende que a norma leve em conta a capacidade econômica do veículo. “A lei deve estabelecer parâmetros de maneira que não torne o dano moral uma desculpa para a imoralidade do enriquecimento sem causa.”

Marcelo Nobre, membro do Conselho Nacional de Justiça, sugere nesta segunda-feira (13/7), em artigo publicado na Folha de S.Paulo, a criação de um Conselho de Autorregulamentação para a mídia, como o Conar, conselho criado para regular a publicidade no país. Segundo ele, esta seria uma forma rápida de lidar com o vácuo legislativo criado com a decisão de abril do Supremo Tribunal Federal, de revogar por completo a Lei de Imprensa. “Não podemos concordar com a possibilidade de que questões importantíssimas como a privacidade frente a imprensa e todos os outros direitos atinentes a ela fiquem no vazio normativo. E não se pode admitir que veículos de informação que atuam com responsabilidade sejam fechados em razão de condenações de valores significativos a título indenizatório”, escreveu.

O Conselho de Autorregulamentação, de acordo com a sua proposta, poderia contribuir para a produção de uma nova Lei de Imprensa, moderna e democrática. Seria um órgão privado, dirigido pelos próprios segmentos que representam, “contribuindo para a preservação, bem como para o reparo de informações divulgadas pelos diferentes meios de comunicação”. A OAB e a sociedade civil organizada também teriam assento.

Marcelo Nobre entende que o Supremo Tribunal Federal deveria ter modulado os efeitos da sua decisão, no sentido de que apenas as ações futuras não pudessem ser fundamentadas na norma revogada. No artigo, o conselheiro lembra que já existem decisões de primeira instância e de tribunais extinguindo ações com argumentos baseados na Lei de Imprensa, o que não contribui para a segurança jurídica.

A imprensa e o Supremo
Para o ministro Marco Aurélio, do Supremo, a criação de um Conselho de Autorregulamentação “não é a saída". "É preferível continuar como está. O Judiciário, ao decidir questões que envolvam a imprensa, pode aplicar a Constituição e levar em conta a jurisprudência existente”, disse em entevista à ConJur. Sem uma lei específica, que garantiria segurança à atuação do conselho administrativo, diz o ministro, podem-se estabelecer critérios diversificados nas decisões, o que não é saudável.

Marco Aurélio, o único a votar contra a revogação de Lei de Imprensa, lembra do posicionamento de alguns colegas de Supremo no sentido de que qualquer norma que tente limitar a atuação do jornalista implica, de forma indireta, uma forma de cercear a liberdade de expressão. Segundo ele, “houve uma declaração linear de inconstitucionalidade de lei”, o que considerou um retrocesso. Para o ministro, seria preciso avançar na questão.

O relator da ação (ADPF 130), ministro Carlos Britto, defendeu que questões que circundam a atividade jornalística, como indenização por dano moral ou direito de resposta, podem ser legisladas. O decano, ministro Celso de Mello, concluiu que Código Civil e o Código Penal são suficientes para tratar de qualquer questão que envolva a imprensa. O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, disse que a supressão das regras que regulam o direito de resposta pode desequilibrar a relação entre cidadãos e a imprensa, como no caso Escola Base. Para ele, também é preciso lei para regular o valor das indenizações.

Em relação aos limites para o valor das condenações, Marco Aurélio afirma que, há dois anos, o Superior Tribunal de Justiça se incumbiu de corrigir rumos e reduzir de forma substancial as indenizações. “Antes as ações eram verdadeiras loterias. Havia gente torcendo para ser ofendido por um jornal para reclamar indenização”, disse o ministro.

Alexandre Fidalgo, advogado do grupo Abril, concorda com Marco Aurélio em relação ao valor das indenizações: o STJ avocou para si o controle das indenizações. Além do que, diz, fixar um teto não é possível porque a extensão do dano, vez ou outra, poderá ultrapassá-lo e colocar um teto alto demais não atenderá ao propósito. Já em relação ao direito de resposta, Fidalgo entende que é necessário cria uma legislação para regulamentá-lo.

“A regulamentação do pedido de direito de resposta é a medida mais adequada e segura para todos os jurisdicionados e operadores do Direito”. Ele observa que não há no país regras claras e objetivas em relação ao espaço a ser ocupado pela resposta e ao conteúdo. “Mesmo na vigência da Lei de Imprensa, que regulava objetivamente os pressupostos do direito de resposta, muito excesso se cometia”, ressalta.

À espera do acórdão
O advogado Manuel Alceu, que representa o jornal O Estado de S. Paulo no Judiciário, diz que um Conselho de Autorregulação não é um substituto para a Lei de Imprensa. “Não é vergonha nenhuma ter uma Lei de Imprensa. É preciso perder o preconceito de que a lei vai limitar a liberdade de expressão.” Manuel Alceu afirma que o conselho pode ser bom para tentativas de conciliação e até de autorregulação. No entanto, quando os conflitos surgirem, não é possível negar o direito de ir ao Judiciário.

Antes disso, porém, o advogado afirma que a questão da Lei de Imprensa ainda não está totalmente resolvida no Supremo porque o acórdão ainda não foi publicado. Há possibilidade de serem interpostos Embargos de Declaração, diz, e também de os ministros decidirem modular os efeitos da decisão. Nesse sentido, podem retardar a vigência da decisão, estipular que a parte do direito de resposta continue em vigor. “A questão ainda não está encerrada. Por isso, vejo com preocupação as decisões que estão extinguindo as ações.”

Luiz de Camargo Aranha Neto, advogado da Globo, também está à espera do acórdão. Para ele, é preciso aguardar a publicação para se adequar por meio de embargos de declaração. No entanto, a revogação da Lei de Imprensa em nada vai mudar a situação atual. “Quase todos os artigos já estavam revogados. Os que não estavam tratavam de questões penais, que podem ser resolvidas com o Código Penal”, disse. O único problema a ser resolvido, de fato, é a regulamentação do direito de resposta, reconhece.

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