Prova de Justiça

Deus e o Diabo na forma de seleção de juízes

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6 de julho de 2009, 12h23

Um dos problemas contemporâneos mais complexos, em um mundo sem fronteiras e cada vez mais conectado em razão da revolução ocorrida, sobretudo nos últimos 20 anos, nos meios e modos de comunicação, é, sem dúvida, descobrir a “forma” correta de seleção dos juízes.

Vale dizer, diversos países debatem sobre a maneira de melhor recrutar o corpo de magistrados encarregados de prestação da jurisdição, de maneira a atender às exigências da sociedade moderna.

Há um consenso de que não basta um candidato que domine puramente a ciência jurídica, do ponto de vista exclusivamente técnico. Exige-se mais. Especialmente aquele requisito que se denomina “inteligência emocional”, além, por óbvio, de uma formação humanística que lhe permita conhecer filosofia, ética, deontologia, liderança, administração, noções de micro e macroeconomia, relacionamento com os outros Poderes e com a mídia, dentre outros atributos.

Estabelecer uma forma de seleção que contemple aferir tantos predicados, de modo a buscar o perfil de juiz desejado pela sociedade, não é tarefa fácil. É que inúmeros países pelo mundo adotam, como regra geral, o recrutamento para a magistratura tendo como base o ingresso pela via do concurso público.

Alemanha, França, Portugal e Espanha possuem escolas de magistratura exemplares e nenhum magistrado começa a trabalhar sem que tenha passado, pelo menos, dois anos em treinamento. Aliás, o concurso público é realizado para ingresso nas próprias escolas, tendo o curso ali ministrado caráter eliminatório.

Cabe destacar outro papel importante das escolas. Sempre que uma lei entra em vigor nesses países, os juízes inicialmente a debatem, estudam-na e entendem adequadamente seu alcance, pois se acredita que o magistrado bem capacitado faz a lei ter eficácia plenamente, impedindo aquele velho chavão de que o texto legal é bom, “mas não pegou”.

A necessidade de permanente atualização dos juízes é também aferida no momento da promoção na carreira. No Brasil, após a reforma constitucional de 2005, a Emenda 45 estabeleceu a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento do Magistrado — Enfam (artigo 105, parágrafo único, da CF/88).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Enfam nasceu da Resolução 3, de 30 de novembro de 2006, e está sendo estruturada para cumprir, com as escolas de magistratura já existentes, a sua elevada função constitucional.

Contudo, na contramão dos movimentos e tendências mundiais, malferindo a autonomia dos estados, em uma penada desprezando o árduo trabalho desenvolvido até aqui pelas escolas de magistratura, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 75, de 12 de maio de 2009.

A pretexto de regulamentar os concursos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário, a Resolução cria, na verdade, inúmeras dificuldades para os diversos atores do processo seletivo.

De fato, a despeito de a Resolução 75 do CNJ conter algumas “pérolas” jurídicas — como aquela que, “legislando” sobre Direito Civil, estabelece responsabilidade objetiva da empresa contratada para realização da prova preliminar, por danos causados ao Poder Judiciário (artigo 30, parágrafo único), ou mesmo quando dispõe que a prova seletiva será formulada de modo a que a resposta reflita a posição doutrinária dominante (artigo 33), como se a ciência do Direito pudesse ser medida com uma régua —, seus principais efeitos são mais graves e podem ser assim resumidos:

a) uniformização do procedimento do concurso público para todos os ramos do Direito e todas as unidades federativas, sem que sejam levadas em conta as peculiaridades e necessidades locais e regionais;

b) alijamento das escolas de magistratura do certame, atirando-se para fora a experiência de preparação e aperfeiçoamento do juiz brasileiro até aqui desenvolvida;

c) ausência de harmonização no tocante à atuação dos principais atores responsáveis pela seleção dos magistrados, bem como de ousadia para que sejam superadas as principais dificuldades do processo de recrutamento do juiz contemporâneo, deixando-se de contribuir para a verdadeira busca de candidatos mais vocacionados;

d) usurpação da atribuição constitucional da Enfam (artigo 105, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal) quanto à faculdade de os tribunais instituírem, como etapa do certame, curso de formação inicial (artigo 5º, § 2º).

Há épocas, na história de um país ou de uma instituição, em que os nós não mais desamarram-se. Cortam-se.

É ainda tempo de consertar os equívocos. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com recurso acerca da referida Resolução. Ademais, em breve o Supremo Tribunal Federal irá apresentar ao Congresso Nacional o Estatuto da Magistratura.

O momento, na verdade, é de união em torno do principal fundamento de uma magistratura forte e independente, devendo os operadores do Direito responder à questão central desse debate: “Qual o perfil de um juiz que a sociedade brasileira contemporânea quer e precisa selecionar?”

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