Norma inconstitucional

Lei restringiu o fumo ao tentar instrumentalizá-lo

Autor

  • Antônio Gonçalves

    é advogado criminalista pós-doutor em Desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP e MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

3 de julho de 2009, 11h49

Para discutir a constitucionalidade da recente promulgação da Lei 13.541/09, a Lei Antifumo (que restringe o uso do cigarro em locais públicos fechados), temos de analisar a questão sob dois prismas: o primeiro refere-se à competência para se promulgar uma lei dessas e a segunda é se ela pode ser promulgada.

Evidentemente, temos na sociedade de um lado, os não-fumantes, em sua maioria favorável à proibição total do fumo nos estabelecimentos comerciais; e, na outra extremidade, os donos destes locais e os fumantes e não-fumantes que não admitem esta restrição.

Claro que estão comprovados os malefícios do tabagismo ativo e passivo e a pauta da discussão não é essa, pois este argumento não serve para justificar a nova legislação de São Paulo, ainda mais tendo em vista que, visando proteger os não-fumantes contra a nocividade do fumo passivo, já existem diplomas suficientes e adequados estabelecidos em lei federal.

Outro ponto que não se pode ser esquecido é o de que a compra de cigarros é legal, portanto, o uso também o é. Se o consumo de cigarro for de fato restringido em qualquer espaço, seja público ou privado, isso poderia significar que o comércio tabagista passará a ser ilegal. E a Constituição Federal prevê em seu artigo 5º:

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

De tal sorte que a criação de uma lei que se destina a impedir as pessoas a fumarem em ambientes fechados claramente invade o direito à liberdade garantido pela Constituição Federal e, como já apresentado, também, é proibida a violação da intimidade de outrem, portanto, a Lei que entrará em vigor a partir de 7 de agosto de 2009 possui alguns elementos que podem ser considerados inconstitucionais.

O primeiro deles é a restrição, ou melhor, a proibição de fumar em qualquer estabelecimento, salvo duas exceções: interior dos quartos dos hotéis e dentro dos motéis.

Essa questão fere a livre circulação das pessoas e altera e afeta a vontade individual do cidadão brasileiro. E pouco surte o efeito do argumento utilizado pelo Estado de que a lei é uma cópia do modelo norte-americano e que naquele País as taxas de aprovação são elevadas.

Se todos esses argumentos forem sopesados, então, a lei antifumo deveria ser revista, não é mesmo? No entanto, apenas uma face dessa moeda está demonstrada.

O outro lado a ser analisado é o direito individual do não fumante, pois, igualmente a Constituição Federal o protege nos mesmos incisos do artigo 5º, com os mesmos argumentos, mas, com a diferença de que o não-fumante tem o direito salvaguardo de não querer ser compulsoriamente exposto à fumaça produzida pelo tabaco.

E que em um restaurante a situação já é incômoda, porém, o que dizer numa casa noturna? Num bar? Destarte, o debate se a Constitucionalidade ou não da lei Antifumo deve caminhar para um outro olhar: o do contemplar o direito de ambos. Eis o cerne da inconstitucionalidade presente na Lei que está por entrar em vigor.

Quando da previsão expressa da proibição de qualquer tipo de fumódromo se criou um precedente danoso acerca do direito individual tanto do fumante quanto do não fumante. A medida tem como escopo garantir que não sejam criadas lacunas legislativas que propiciem direitos diferentes aos estabelecimentos, pois, sem uma procedimentalização concernente ao fumódromo cada estabelecimento pode fazer a divisão da maneira que melhor lhe prover, como era o regime anterior, notadamente sem efeito prático.

Sendo assim, o Governo do estado de São Paulo preferiu, em consonância com a visão da Assembléia Legislativa reprimir o fumo do que tentar instrumentalizá-lo.

De tal sorte que o resultado foi um acumulo deliberado das associações que defendem os restaurantes, bares e similares a argüirem a inconstitucionalidade da lei, mais com o intuito procrastinatório da norma do que suscitar um debate efetivo acerca do tema.

E como a lei, de fato, possui uma inconstitucionalidade no que tange a questão do fumódromo uma reflexão ainda é premente: como sopesar o que é mais importante, o direito do fumante ou a proteção ao não fumante?

Esse estéril debate determinou um movimento circular sobre o tema que resultou em reclamação de ambos os lados. A solução é instituir a Lei Antifumo e aditar uma norma acerca do fumódromo com um estudo competente que possa criar uma media apta a harmonizar a convivência de ambos os universos, do contrário, o direito de liberdade do não fumante não pode ser suprimido.

Afinal, o não fumante não possui poder algum de decisão sobre expelir ou não a fumaça de um tabaco, pois, a mesma simplesmente se oferta a suas narinas sem a menor delicadeza, portanto, os males advindos do fumo são, ou deveriam ser conhecidos pelos fumantes e cabe a eles suportar os riscos.

Já os não fumantes não podem ser compelidos a adquirirem doenças e futuras limitações por conta da fumaça alheia. Nesse caso não se trata de inconstitucionalidade, mas sim de direito de sobrevivência, ou, direito à vida, o bem maior garantido constitucionalmente.

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