PEC 12

O uso dos precatórios judiciais no planejamento tributário

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2 de julho de 2009, 9h14

"A requisição, ou, propriamente, a carta expedida pelos juízes da execução de sentenças, em que a Fazenda Pública foi condenada a certo pagamento, ao presidente do tribunal, a fim de que, por seu intermédio, se autorizem e se espessam as necessárias ordens de pagamento às respectivas repartições pagadoras”. Este é o conceito de precatório judicial segundo Plácido e Silva.

O surgimento do precatório judicial advém de uma carta “precatória de vênia”. Um juiz de Direito que dirimia conflito entre um particular e a Câmara Municipal, elaborou esta carta visando à permissão do presidente da Câmara – inicia-se a incorporação do princípio da indisponibilidade dos bens públicos[3] – para retirar o valor da condenação dos cofres públicos. Infelizmente não obteve sucesso – origem da falta de compromisso no cumprimento das decisões judiciais -, mas ainda insatisfeito solicitou ao Governo que ordenasse ao Presidente da Câmara a facilitar a penhora. Para José Otavío de Vianna Vaz, esposado em Antônio Alvares da Silva, “a ‘precatória de vênia’, que, em um primeiro momento, significava a necessidade de licença para se proceder à penhora, passou a significar – para a proteção dos bens públicos – a impossibilidade de penhora, transformando-se, posteriormente, no precatório”.

Calote público institucionalizado[4]. Assim tem sido encarado o precatório judicial pelos interessados no assunto, sobretudo pela iminência de aprovação da 3ª moratória do poder público: a PEC 12/2006. O sistema de pagamento de condenações do poder público tem um longo histórico, tendo como marco a sua elevação a nível constitucional com a Constituição Federal de 16 de julho 1934.

A inclusão do instituto nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e, por fim, 1988, possibilitaram sua significativa evolução legal como, por exemplo, a inclusão de verba orçamentária com destinação específica para o pagamento das requisições e a criação da ordem cronológica de apresentação dos precatórios para pagamento. No entanto, o Projeto de Emenda Constitucional 12/06 – vulgo “PEC do calote” – propõe o fim das garantias constitucionais do credor público ao pagamento de suas condenações e, literalmente, o não pagamento dos valores integrais destas. "Um calote ao cidadão e desrespeito às sentenças e à autoridade judicial", assim entende Miguel Cançado, Presidente da OAB – secção Goiás, ser o que este projeto propõe[5].

Tamanha a inescrupulosidade da proposta, vale tecer alguns comentários às principais modificações[6] à sistemática de quitação das requisições:

1.Pagamento dos precatórios após prévia compensação com débitos do credor, inscritos na dívida ativa (art. 1º).

2.Pagamento de precatórios na base de 3% de despesa primária líquida do ano anterior para União e Estados, e de 1,5% para os Municípios (art. 2º).

2.1. Desses 3%, 70% serão destinados a pagamentos de credores habilitados em leilão, privilegiando aqueles que oferecerem deságios maiores.

2.2. Os restantes 30% serão destinados aos credores não habilitados no leilão, que serão pagos na ordem crescente de valores dos precatórios: quanto menor o valor, mais cedo receberá o credor.

O legislador quer tornar vinculada a compensação dos créditos públicos com dívidas tributárias. Ademais viola o princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da livre iniciativa, obrigar a realização do encontro de contas sem ao menos conceder a oportunidade de contraditar e se defender desta imposição. O crédito público não pertence ao ente devedor, por isso ele não poderá tornar vinculado um direito de terceiro. A compensação é uma faculdade de quem o detém e aguarda o seu pagamento.


Nos outros dispositivos regulam a limitação da destinação orçamentária, a instituição de leilão com base em deságio e o fim da ordem cronológica de apresentação para pagamento das requisições. Na primeira, a justificativa de que os pagamentos dos precatórios judiciais estão interferindo na receita destinada a serviços de primeira necessidade, como a saúde e o pagamento dos servidores públicos, é infundada, ao passo que a cada dia nova reportagem surge nos meios de comunicação apontando obras irregulares e superfaturadas pelo Poder Público. Na verdade trata-se de questões éticas e principiológicas atinentes à moralidade na administração pública, uma vez que não existe falta de verbas orçamentárias em um país onde o Estado recolhe 37% do Produto Interno Bruto aos cofres públicos. De qualquer forma, a aprovação desta PEC em nada garante que os pagamentos serão feitos, caso contrário inexistiria necessidade de modificação do texto legal para tentar saldar a dívida pública. De acordo com Flávio Brando, em artigo intitulado como “O Brasil está à beira do calote público”, veiculado no site Conjur (www.conjur.com.br), 04/05/2009:

O primeiro deles é a limitação dentro do orçamento (receitas líquidas) para cumprimento de ordens judiciais, de 0,6 até 2%, para dívidas passadas e futuras.

Seria algo como aprovar uma lei limitando nesses percentuais as execuções por dívidas das pessoas físicas. Assim, quem tivesse um salário de R$ 5 mil, somente pagaria R$ 100 por mês (R$ 5 mil x 2%) por todas e quaisquer dívidas (aluguel, condomínio, cartão de crédito, prestações, etc.), abrindo-se a porta para o calote generalizado, e a consequente falência do sistema de crédito no mercado.

Imaginem o que um prefeito ou governador mal intencionado fará neste cenário: desapropriar a casa, fazenda, rádio, jornal ou TV de seu adversário político, concessionários públicos, bancos privatizados e até a Vale, não dar aumentos aos funcionários, calotear fornecedores, tudo sem problema, blindados pelo confortável limite de 0,6 a 2% para pagamentos.

A maior ignomínia em matéria de precatórios judiciais e desrespeito ao Poder Judiciário é a instituição de leilões para compra de créditos com base em deságios e com um único comprador: o Estado. Os credores estão sendo compelidos a se “degladiarem” pela quitação dos débitos do devedor, abrindo mão de parcela do seu crédito líquido e certo, decorrente de condenação judicial transitada em julgado, concedida por meio de processo embasado em procedimentos legais e oportunizado o contraditório e ampla defesa. A ofensa mais grave no tocante ao “leilão de sentenças” é a quebra do pacto federativo da divisão dos três poderes, ao colocar a sentença judicial como “moeda podre” e insignificante pelo Poder Executivo. Os representantes do Poder Legislativo, eleitos pelo voto do povo – o verdadeiro detentor do Poder do Estado – estão legislando contra eles. Ademais, “o pagamento de precatórios (cumprimento de decisão judicial) caracteriza-se como ‘direito e garantia individual’, sendo, portanto, vedada a deliberação de emenda que ‘tenda’ a abolir tal direito”[7].

Por fim, mas não menos importante, está o fim da ordem cronológica de apresentação para pagamento. Esta fila foi conquistada através de anos de luta contra a ingerência política que privilegiava determinadas pessoas pagando-as preferencialmente. Agora quer se estabelecer uma fila una[8] em ordem crescente de valores. Ou seja, aqueles credores que possuem créditos de elevada monta e as famílias e seus descendentes – porque os credores originários, em sua maioria já faleceram – que aguardam há décadas pelo pagamento, voltarão ao final da fila sendo compelidos a optar pelo leilão de deságio. Em resumo, todos os direitos e garantias já conquistados pelos credores estão sendo eximados assim como aqueles relacionados com o art. 5º da CF/88[9].


A possível mudança paradigmática da sistemática de pagamento dos precatórios com a promulgação da PEC 12/2006 – desta vez para usurpar os direitos e garantias do cidadão – termina com a solução parcial à problemática precatórios introduzida pela alteração do art. 78 do ADCT, através da Emenda Constitucional 30/2000[10]. Apesar de instituir uma moratória de 10 anos com parcelas sucessivas, iguais e anuais, acrescentou sanções ao ente devedor inadimplente deste parcelamento. As parcelas vencidas e não pagas ganharam poder liberatório para pagamento de tributos do ente devedor e de seqüestro, além de criar o mercado de créditos públicos com a cessão dos mesmos.

O poder liberatório para pagamentos de tributos transformou o crédito imobilizado em ativo financeiro para empresas que já os possuía ou que adquiriram no mercado, diante da possibilidade de cessão dos créditos. O legislador constituinte derivado possibilitou o pagamento indireto dos tributos do ente devedor. De certa forma, satisfez também os credores – pessoa física, pois a busca mercadológica pelos créditos elevou-se bruscamente.

2. Planejamento tributário
A finalidade precípua do Estado Democrático de Direito na administração tributária é consagrar a Justiça tributária. Em uma sociedade democrática, todos implementam suas obrigações tributárias visando à realização de um bem comum, de acordo com sua capacidade de contribuição; em oposição ao Estado autoritário e hierarquizado onde a tributação ocorre com o objetivo de arrecadar em prol de um bem individual de quem está no topo da pirâmide social. Os gastos públicos intencionam a diminuição da desigualdade social[11] e distribuição isonômica da renda[12]. Segundo Roberto Wagner Lima Nogueira, em seu artigo Perspectiva ético-jurídica do planejamento tributário:

numa sociedade democrática precisamos notar a presença de pelo menos duas características básicas: I – uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e; II – cidadãos-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantém um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e serviços impossíveis de serem assegurados com eqüidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado. A garantia da oferta básica de tais bens materiais e imateriais, passa inexoravelmente pela intributabilidade do mínimo existencial, e a ausência da oferta destes bens à camada pobre da população redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no âmbito econômico, político, social e jurídico-fiscal. Em uma sociedade democrática há bens primários, cuja característica principal é serem necessários à sobrevivência digna de todos os indivíduos, por força disto devem ser de acesso obrigatório a todos os cidadãos, o mínimo existencial no que diz respeito à moradia, ensino fundamental, saneamento básico, alimentação básica, saúde preventiva etc. A oferta dos bens dessa natureza é de obrigação do poder público, ainda que o Estado deva recorrer ao mercado para garanti-los.

A atuação tanto do Estado como do contribuinte deve ser pautada pela ética e moralidade tendo como norteador sempre o princípio da legalidade[13] – princípio basilar do Estado Democrático de Direito – o qual obsta o Estado de adotar qualquer conduta arbitrária que não esteja prevista em lei formal e materialmente constituída. Logo, lhe é vedado à utilização ampla da interpretação analógica[14] sob pena de ser configurado o confisco[15], em matéria tributária – surge o princípio da tipicidade como corolário do princípio da legalidade, liberando o cidadão para agir com liberdade desde que não infrinja o que está defeso em lei.

Pela ética fiscal privada, ao contribuinte não poderá ser imposta obrigação além ou aquém do que lhe é exigido pela lei. Por isso este tem a obrigação de pagar apenas o que é de direito devido, segundo sua capacidade contributiva. Eticamente não pode o sujeito passivo pagar aquém do que a sua capacidade contributiva lhe permite, mesmo tendo poder de contribuição maior a título de riqueza. Sendo assim, o Estado se restringe a cobrar apenas o que a lei lhe permite, sendo vedada a utilização de meios ilegais para fazer jus ao princípio da capacidade contributiva em nome da Justiça Tributária.


Seguindo o magistério de Roberto Wagner, a ética fiscal pública é informada por quatro valores superiores, a saber, a liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, irracional etc.; e finalmente, a solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública. Fazer justiça tributária é dentre várias coisas, ser solidário com os carentes que têm direito subjetivo à solidariedade, é garantir aos credores desta solidariedade a oferta de bens primários intributáveis, porquanto os pobres, desempregados, e os assalariados não podem suportar o ônus tributário do Estado, mas, sim, hão que ser suportados pelo Estado via ética tributária da solidariedade mediante a arrecadação e distribuição de riquezas oriundas do pagamento de tributos dos cidadãos contribuintes.

A outra vertente do princípio da legalidade é a possibilidade de o contribuinte fazer tudo o que não é defeso em lei: surge assim a elisão fiscal – planejamento lícito de pagamento de tributos. Utilizando o princípio da livre iniciativa e concorrência, o contribuinte pode administrar suas atividades privadas através de institutos de outros ramos do direito, sejam eles tipificados[16] ou não como tributáveis, a fim de se eximir ou diminuir a carga tributária sem que se desvirtue a sua finalidade, a função social do instituto e a preservação da ordem econômica[17]. Em detrimento da evasão fiscal que pressupõe a conduta ilícita e tipificada penalmente por lei específica.

2.1. A evasão fiscal
O planejamento tributário se baseia no instituto denominado elisão fiscal: forma lícita e legal para se obter redução da carga tributária através das lacunas deixadas pelo legislador ou mesmo pelo equilíbrio na incidência dos diversos tributos exigidos pelo exercício da atividade empresarial, que por sua vez se contrapõe a evasão fiscal. Nesta, o contribuinte, dolosamente, tem o intuito de reduzir, deixar de pagar ou adiar o pagamento do tributo por meio de artifícios ilícitos como, por exemplo, fraude ou simulação de fato, documento ou ato jurídico. Existe meios evasivos comissivos ou omissivos, como a inadimplência fiscal, que não é ilícita, mas acaba se assemelhando com este instituto, pois a incidência da norma ao fato ocorreu e o pagamento não, sendo imperioso o reconhecimento do dolo para ser enquadrada como ilegal.

O meio mais seguro para se diferenciar a evasão da elisão remete-se ao tempo em que o ato praticado pelo contribuinte aconteceu: se for antes da ocorrência do fato gerador do tributo, caracteriza-se elisão; se posterior, evasão. Esta é uma interpretação lógica, posto que antes da ocorrência do fato gerador do tributo não há obrigação[18] alguma imposta ao contribuinte, portanto não há que se penalizar qualquer conduta anterior a este momento; o Fisco não tem direito de cobrar o adimplemento da obrigação inexistente de acordo com os parâmetros legais, mas o entendimento do momento paradigmático ainda é bastante discutido em doutrina e jurisprudência.

A lei n. 8.137/90 vedou a prática de condutas evasivas tipificando os crimes como contra a ordem tributária praticados pelos contribuintes, denominados como crimes de sonegação fiscal[19] (título dado pela lei nº 4.729/65). Três atitudes básicas são tipificas nesta lei: a declaração falsa (ou simulação), a fraude à fiscalização tributária ou falsificar ou alterar documento relativo à operação tributável. Resumidamente, na primeira, a declaração fornecida pelo contribuinte quanto à existência ou não de um fato ou situação de direito ocorrida foi maquiada ou omitida; na seguinte, os documentos comprobatórios destinados ao fiscal da receita são alterados ou omissos em relação a determinado ato ou fato tributável; e por fim, altera-se os documentos verdadeiros de cobrança do tributo.

De acordo com Renan Coelho de Oliveira, duas considerações fazem-se pertinentes: 1) a sonegação fiscal somente se tipifica como crime depois de materializado o evento enquadrado na regra-matriz de incidência tributária, ou seja, após ocorrido o fato gerador da obrigação tributária; 2) somente constituem crime contra a ordem tributária as práticas que suprimam ou reduzam determinado tributo, ou seja, quaisquer outras que não alcancem esses objetivos não podem ser tipificadas como tal.

Observe que a inadimplência fiscal não se configura como crime apesar de adiar ou não se efetivar o pagamento do tributo dentro do prazo estipulado pelo sujeito ativo. Esta conduta é passível de sanções administrativas como a formalização do título executivo extrajudicial em favor do Fisco, a inscrição do contribuinte na dívida ativa do ente correspondente e a imposição de multa de juros legais, desde que não constatado o dolo. Seguindo a orientação do autor, a simulação do negócio jurídico e a fraude à lei são as principais figuras do ordenamento jurídico utilizadas para a evasão fiscal.

O Código Civil de 2002, no art. 167, §1º, identificou a simulação nos incisos que seguem este parágrafo:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Este instituto se caracteriza como a produção de ato ou fato que obnubila a verdadeira intenção dos que formalizaram o negócio jurídico através de forma prescrita ou não defesa em lei. Ou seja, a declaração de vontade exteriorizada pelo negócio realizado, esconde a verdadeira intenção das partes que não se compatibiliza com o objetivo do instituto utilizado. A simulação poderá ser absoluta quando o acordo formalizado pelas partes visa apenas burlar o sistema, ou relativa quando existe uma vontade negocial diversa do que deveria ser por detrás do que foi pactuado.

A finalidade com que a norma foi editada deve ser preservada sob pena de caracterizar-se a fraude à lei. Esta é a concatenação de atos jurídicos lícitos – geralmente há a pluralidade de atos – visando fim diverso a que foram criados. Em outras palavras, frauda-se intenção da lei através da manipulação das condutas ou condições reguladas pela norma para a consecução de fim diverso: a não aplicação da norma a ser fraudada. Desta forma, o objetivo do negócio implícito é alcançado pela via indireta por meio da incidência de outras[20].

Em observação rápida, há aparência entre o negócio simulado e a fraude à lei, mas observando seus efeitos Miguel Gutierrez[21], citando Francisco Ferrara, distingue os institutos:

Segundo Ferrara, as principais diferenças entre o negócio simulado e o negócio in fraudem legis são as seguintes: o negócio simulado quer produzir uma aparência, enquanto o negócio fraudulento, uma realidade; os negócios simulados são fictícios, não queridos, os negócios in fraudem são sérios, reais e realizados pelas partes com o intuito de conseguir um resultado proibido; a simulação jamais é um meio de iludir a lei, mas sim de ocultar a sua violação. No negócio fraudulento, a transgressão do conteúdo verbal e imediato da norma esconde-se sob o manto de um negócio lícito, o qual não altera o fato de se agir contra a lei (contra legem agere).

Continua mais a frente o referido autor, sobre a precaução de se imputar fraude à lei na esfera tributária:
Ocorre que a norma tributária, apesar de ser imperativa, não é nem proibitiva nem preceptiva (obrigatória). Como bem explica Diva Prestes Marcondes Malerbi, a norma tributária não contém em sua estrutura normativa ‘a proibição da realização de qualquer fim nem qualquer limite à autonomia da vontade (não é uma norma proibitiva ou limitativa), nem mesmo estabelece qualquer requisito de forma para a consecução de determinado fim (não é norma preceptiva)’. A norma tributária é formulada – da mesma forma que a norma penal – como um imperativo condicionado, elegendo para a sua previsão fatos ou situações da vida que, quando realizados, originam o nascimento de uma obrigação tributária. Por isso, os particulares podem escolher optar pela realização de atos e negócios que não originam o nascimento de uma obrigação tributária.

De acordo com este entendimento não teria como a Fazenda adaptar a aplicação recorrendo-se a analogia de outra norma por expressa vedação legal do CTN. Portanto, para a incidência da norma tributária deve extrair-se do fato típico os elementos específicos já elencados pela regra-matriz de incidência aplicável.

Tanto a fraude à lei como a simulação, são as formas evasivas mais praticadas atualmente. O planejamento tributário elisivo não opera com a evasão fiscal, pois esta, como já fora dito, é conduta tipificada penalmente e o exercício minucioso e técnico da atividade do tributarista preventivo visa à diminuição lícita da carga tributária.

A informatização do sistema de banco de dados da Receita Federal, de forma paradigmática, tornou a sua fiscalização extremamente mais eficiente em virtude da facilidade em confrontar dados que antes passavam despercebidos diante da conferência manual do fiscal da receita. O “Leão” do fisco se tornou mais “voraz” e a necessidade de um planejamento tributário-fiscal urge, enobrecendo o trabalho do tributarista a fim de diminuir a carga tributária incidente na atividade privada, sobretudo quando se trata da carga tributária brasileira[22], sempre evitando a evasão fiscal. Esta pode até culminar na não-incidência da cobrança do tributo caso seja bem elaborada, mas seu autor terá o peso da incerteza até que se perpasse o prazo decadencial ou prescricional da cobrança. O mais correto, ético e nobre é utilizar as ferramentas jurídicas disponíveis ao operador do direito no ordenamento jurídico ou aproveitar as falhas legislativas para que a atividade empresarial possa minimizar as perdas e maximizar os lucros consubstanciado no sistema capitalista.

É importante ressaltar que por vezes refere-se à atividade de planejamento tributário como sendo atividade essencialmente empresária (relativa à pessoa jurídica de direito), o que não é verdade. Pessoas físicas também recolhem impostos, taxas e contribuições, logo são passíveis de se planejarem para que possam reduzir a carga tributária incidente sobre o seu patrimônio. Ademais, existem leis que regulam a incidência de tributos diretamente dos particulares, como isenções ou anistias. Fazer o planejamento do pagamento dos tributos é uma atitude essencialmente democrática de exigir seus direitos enquanto cidadão.

2.2. A elisão fiscal
A elisão fiscal deve sempre estar em consonância com os princípios da boa-fé, probidade e moralidade que regem a atuação não só da Administração Pública, mas de toda a sociedade em suas relações tipicamente privadas. O planejamento tributário opera em três esferas, segundo Gilberto Luiz do Amaral, em A nova ótica do planejamento tributário empresarial:

a) No âmbito da própria empresa, através de medidas gerenciais que possibilitem a não ocorrência do fato gerador do tributo, que diminua o montante devido ou que adie o seu vencimento: Ex.: para possibilitar o adiamento do tributo na prestação de serviços, o contrato deve estabelecer o momento da realização da receita. b) No âmbito da esfera administrativa que arrecada o tributo, buscando a utilização dos meios previstos em lei que lhe garantam uma diminuição legal do ônus tributário. Ex.: para possibilitar o enquadramento de um produto numa alíquota menor de IPI, deve a empresa adequá-lo tecnicamente e requerer a nova classificação junto à Receita Federal. c) No âmbito do Poder Judiciário, através da adoção de medidas judiciais, com o fim de suspender o pagamento (adiamento), diminuição da base de cálculo ou alíquota e contestação quanto à legalidade da cobrança. Ex.: diante da avassaladora ânsia do poder público em arrecadar, nem sempre o legislador toma as cautelas devidas, instituindo ou majorando exações inconstitucionais ou ilegais. Outro fator favorável é relativo à quantidade de normas tributárias, ocorrendo, muitas vezes contradição entre elas. Como no Direito Tributário vige o princípio da dúvida em favor do contribuinte, compete a ele, então, descobrir estas contradições.

Como já assinalado anteriormente, a elisão intenta a não ocorrência do fato gerador nascedouro da obrigação tributária. Pode ser atingida através do aproveitamento das lacunas da lei deixadas pelo legislador e pela própria lei, quando fornece os instrumentos a serem utilizados ou visa a extrafiscalidade. Esta última pode ou não levar à modificação da estrutura negocial da empresa ao exigir determinadas condutas ao contribuinte, e este optando em se beneficiar da redução do tributo oferecida pela lei, adéqua – sem forjar – a atividade empresarial aos requisitos estipulados. Em síntese, diante de diversas opções de tributação, o sujeito passivo pode optar por aquela que mais converge com os seus objetivos, com respaldado no permissivo princípio da livre iniciativa[23] insculpido na Constituição Federal de 1988, ou por deliberação própria de norma específica.

A primeira vista poderia se vislumbrar semelhança entre a elisão com os crimes fiscais, uma vez possuem o mesmo objetivo: adiar, evitar ou reduzir o montante do tributo a ser pago. No entanto, ponto chave para distinção, além da anterioridade ao fato gerador, cabe à intenção do sujeito passivo na conduta praticada: se voltada à prática de conduta tipificada como ilícita ou não, diante da deflagração do curso procedimental para o lançamento do tributo. Para isso cabe a digressão ao tempo do fato gerador do tributo, pois é inescusável a obrigação e a inadimplência, que por si só já afronta o Direito, quando incidente a norma concreta individual; ao passo que na elisão intenta-se a adequação da norma concreta extraída da regra-matriz de incidência tributária mais benéfica aos fins da atividade empresarial, logo nenhuma norma incidiu não gerando conflito com o Direito[24].

Citando Ricardo Mariz de Oliveira (Fundamentos do Imposto de Renda, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, p.303), Miguel Delgado Gutierrez[25] acorda com sua constatação de que três perguntas devem ser respondidas positivamente para se configurar a elisão fiscal:

1- a economia fiscal decorreu de ato ou omissão anterior à ocorrência do fato gerador?
2 – a economia fiscal decorreu de ato ou omissão praticados sem infração à lei?
3 – a economia fiscal decorreu de ato ou omissão efetivamente ocorridos, tal como refletidos na respectiva documentação e escrituração, e sem terem adulterados nestas?

O planejamento tributário demanda o conhecimento sistemático do ordenamento jurídico, além de matérias correlatas à administração tributária como a contabilidade, economia e finanças. Portanto, pode ser entendido como ferramenta de eficiência administrativa da atividade empresarial. Há tempos fora superada a concepção de que somente o departamento jurídico de uma empresa seria responsável pela sua administração tributária. O planejamento deve ser feito levando-se em consideração toda a empresa, já que a conduta a qual incide o fato gerador por vezes se dispersa por vários departamentos. Ou seja, exige-se de todos os colaboradores, desde aqueles que cuidam do “chão de fábrica”, àqueles que tomam as decisões finalísticas da empresa.

Gilberto do Amaral, em seu artigo acima citado, vai além nesta concepção de que toda empresa deve estar presente no planejamento tributário. Advoga pela implantação de uma filosofia de planejamento tributário eficaz, englobando não somente a participação de todos os colaboradores, mas também dos atores externos à empresa, ou seja, os fornecedores, os agentes públicos, os clientes, consumidores etc. Conhecendo todos os envolvidos no negócio poderia se implementar um planejamento global que satisfaria a própria empresa e seus agentes externos através de acordos, como por exemplo, se a data de emissão da nota fiscal será antes ou depois da prestação do serviço ou entrega do produto. Essa conduta tem viés enobrecedor dos negócios, pois incorpora valores como igualdade, solidariedade e justiça às relações, além da segurança e o respeito à propriedade alheia. São atitudes simples que se concatenadas com os objetivos de ambas as partes do negócio jurídico, poderá haver maior satisfação, fidelização e lucratividade.

2.3. O negócio jurídico indireto
Importante instituto elisivo é o negócio jurídico indireto. Este se caracteriza pela intenção, consciente e consensual, dos atores do negócio jurídico em aproveitar dos benefícios de algumas figuras lícitas tipificadas pelo Direito, servindo-se da insignificância do elemento subjetivo para a fiscalização tributária. A parte age no sentido de se obrigar a cumprir as determinações e finalidades atinentes ao instituto escolhido. Por exemplo, a criação de pessoa jurídica distinta para prestar serviço à própria empresa principal. Desta forma, retira-se a função de cumprir com as obrigações tributárias atinentes à atividade, agora repassada à empresa prestadora de serviços – enquadramento da atividade nos elementos configuradores de outro tributo com alíquota menor -, sendo que na soma de todos os tributos devidos, tanto da empresa principal como da prestadora de serviços, têm redução do montante.

Renan Coelho, citando Alberto Xavier em Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, explica as possibilidades de utilização do negócio indireto no campo fiscal: ‘Nus casos, a estrutura do negócio jurídico é elemento da previsão da norma tributária e a do negócio indireto não se encontra prevista em qualquer outro tipo de imposto: temos a figura do negócio indireto de exclusão. Noutras hipóteses, a estrutura do negócio é ainda elemento da previsão da norma tributária, enquanto que a do negócio indireto se encontra expressamente prevista numa norma de isenção: temos a figura do negócio indireto impeditivo. Nem sempre, porém, o negócio indireto pretende subtrair-se ou impedir qualquer tributação efetiva, ou impedi-la pela realização do fato impeditivo, limitando-se a desencadear conseqüências fiscais menos gravosas do que as que resultariam do negócio direto correspondente: é o negócio indireto redutivo, o qual ainda pode atuar por duas vias distintas’.

O negócio jurídico indireto não se confunde com a simulação: forma evasiva de se esquivar da tributação. Na simulação a intenção do(s) agente(s) não coaduna com a forma do negócio jurídico, ao passo que na prática elisiva a intenção é clara e objetiva, formal e materialmente constituída: através do ato jurídico real opta-se pelo meio menos tributado, sem a má-fé na pretensão de burlar ou se esquivar da tributação uma vez que ainda não ocorreu o fato gerador do tributo[26]. Gutierrez[27] deixa claro a intenção do negócio indireto:

No negócio indireto são alterados os fins, mantendo-se o tipo negocial. Altera-se a causa e não o próprio tipo do negócio. O negócio jurídico indireto é negócio típico com fins diversos dos que lhe seriam típicos. Nele há uma forma indireta de conduta, pela qual, por caminhos transversais, alcançam-se fins que não podem ser alcançados por via direta

O negócio jurídico indireto pode assumir diversas modalidades no direito tributário. Não obstante, segundo Alberto Xavier, dois elementos são essenciais ao conceito de negócio indireto em direito fiscal: o primeiro é a divergência entre os fins típicos do negócio e os fins que as partes pretendem alcançar; o segundo é fato de que a escolha do esquema negocial é determinada pela intenção de evitar ou diminuir o ônus fiscal.

O instituto elisivo se utilizará de formas atinentes a outros ramos do Direito não para se desviar da incidência tributária da modalidade negocial escolhida, mas para se enquadrar em fato típico tributável com conseqüentes de menor, nenhum valor pecuniário ou fato atípico ao direito tributário. Será lícito desde que não prejudique direitos de terceiros[28] – podendo configurar o abuso de direito -, respeitada a função social do instituto adotado e seja consentâneo com a finalidade com que a lei foi editada[29]. Ou seja, não se visa a utilização deturpada da forma negocial do direito – ação defesa pelo CTN[30] – para alcançar os fins econômicos alterando-o em sua essência[31], mas sim, mutatis mutantis, utilizar de sua essência para se alcançar o resultado econômico almejado. Logo, evitando-se a ocorrência do fato gerador do tributo anteriormente pago, através de procedimento lícito tem-se a elisão fiscal.

3. O crédito público
Nas precisas palavras do eminente tributarista Kiyoshi Harada[32] se encontra conceito mais aprofundado e técnico do precatório judicial e a indicação da sistemática a ser adotada para o seu pagamento:

O precatório Judicial significa requisição de pagamento (solicitação com sentido de ordem) do montante da condenação judicial feita pelo Presidente do Tribunal que proferiu a decisão objeto de execução contra a Fazenda (União, Estados-membros, DF e Municípios), por conta de verba consignada na Lei Orçamentária Anual diretamente ao Poder Judiciário.

Assim como há verba específica na LOA para pagamento de vencimento de magistrados e servidores do Judiciário e demais despesas, há verba, em separado, pertencente ao Poder Judiciário para pagamento de precatórios. Esse pagamento ocorre por determinação do Presidente do Tribunal, dentro da rigorosa ordem cronológica de apresentação desses precatórios.

Corolário do princípio da indisponibilidade dos bens públicos e da supremacia do interesse coletivo sobre o privado, o condenado não pode ter seus bens penhorados como se particular fosse. Cabe ao magistrado que julgou a causa requerer, através do precatório judicial ou requisição de pagamento, ao Presidente do Tribunal de Justiça competente que determine ao representante do Poder Executivo envolvido na lide, a inclusão do valor instituído pelo juiz do processo originário no orçamento anual.

Todo o tratamento legal constitucional acerca das requisições de pagamento está disposto em apenas cinco artigos da Constituição Federal de 1988: artigo 100 da CF/88; 33, 78, 86[33], 87[34] do ADCT.

O artigo 100 da CF é de suma importância, pois trata da inclusão das requisições de pagamento de natureza não-alimentar no orçamento anual do ente devedor, ou seja, ressalvam-se os precatórios judiciais de natureza alimentar e os de pequeno valor. Por este dispositivo, os créditos públicos não-alimentares serão inseridos na ordem cronológica de pagamento do ano seguinte se expedidas às requisições até o dia 1º de julho, caso contrário, o exercício para pagamento será prorrogado por um ano e meio. Transcrevesse:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (…).

O artigo 33 do ADCT trata da primeira moratória da dívida pública instituída pelo legislador originário. Padece de vício de constitucionalidade, assim como a Emenda Constitucional nº 30/2000, pois possibilita ao ente devedor o não pagamento de suas dívidas em flagrante desrespeito ao direito adquirido, coisa julgada, ato jurídico perfeito, aos direitos e garantias fundamentais, à isonomia e aos princípios expressos e implícitos na Carta Magna. No entanto, cuida de trato necessário dado pelo constituinte originário possibilitando a transição ao Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição Federal de 1988. Em clara lição, Regis Fernando de Oliveira, em Curso de Direito Financeiro, contextualiza a discussão sobre a constitucionalidade o art. 78 e 33 do ADCT :

Procura-se saber se a EC n. 30, que alterou a redação do art. 100 e acrescentou o art. 78 ao ADCT, referentes ao pagamento dos precatórios judiciários, é inconstitucional ou podia modificar livremente o disposto no art. 33 do ADCT, com o mesmo poder ilimitado do constituinte originário. De fato, todas as objeções que hoje são feitas à EC n. 30, de maltrato às normas intangíveis do art. 60, §4º, da CF, foram igualmente assacadas contra o art. 33 do ADCT. A mesma ofensa à coisa julgada, ao direito adquirido, aos direitos e garantias fundamentais, à isonomia e aos princípios expressos e implícitos consagrados nas disposições permanentes, era possível visualizar na moratória instituída naquela norma de direito transitório. Com a publicação do ADCT, as providências necessárias à adaptação da ordem revogada ao texto da ‘Nova República’ estabeleceram normas de transição e algumas normas transitórias de caráter permanente, todas, porém, emanadas do mesmo poder originário.

Nas alegações de inconstitucionalidade apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal, declarou-se ele competente para julgar, à luz do art. 60 e parágrafos, as disposições de emendas provenientes do poder constituinte estabelecido. A atividade do constituinte derivado dito reformador, só é concebida se exercida em absoluta fidelidade ao permissivo derivado. Substancialmente limitado, o seu poder decorre da Constituição. Nutre-se da ordem estabelecida e só inova se não ultrapassar o limite imposto pela vontade do legislador originário, pois o seu poder justifica-se, em última análise, do diploma que vai reformar.

Os art. 86 e 87 do ADCT, trazidos pela EC nº 37/2002 definem o pagamento dos créditos públicos de pequeno valor. No art. 86, estabelece a precedência destes com relação aos de maior valor (§1º), o respeito à ordem cronológica de apresentação (caput), a possibilidade de pagamento em duas parcelas conforme o art. 78 do ADCT (§2º), a observância à ordem cronológica de apresentação (§3º) e os requisitos de enquadramento desta forma de pagamento (art. 86, incisos I a III). No art. 87, define-se o valor limite das requisições de pequeno valor (incisos I e II), até que os entes devedores disponham de lei que os disciplinem de acordo com as suas condições orçamentárias (caput); faculta ao credor a opção pela renúncia do valor excedente ao teto estipulado para as requisições de pequeno valor para o seu enquadramento nesta opção de pagamento (§único).

Por fim, o artigo 78 do ADCT, alterado pela Emenda Constitucional nº 30/2000. Transcreve-se em parte:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

(…)§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

(…)§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação

Os permissivos legais atinentes ao precatório são claros no procedimento a ser adotado para sua quitação desde a promulgação da CF/88, no entanto se esbarram na ingerência política que envolve esta questão já denominada “calote público”. Visando a solução desta celeuma, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 30/2000 instituindo a chamada segunda moratória do poder público, através de modificações na dinâmica de pagamento dos precatórios, sobretudo com a introdução do art. 78 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Os precatórios atingidos pela EC nº 30/2000 deveriam ser pagos dividindo-os em parcelas decimais, iguais e sucessivas até a quitação total do débito. Sendo descumprida esta determinação, caberá as sanções de que trata os parágrafos do artigo 78, ADCT: o poder liberatório para o pagamento de tributos da entidade devedora (§2º) e o seqüestro (§4º) das parcelas vencidas e não pagas da dívida do ente público. O legislador constitucional derivado instituiu a compensação constitucional de tributos ao conferir ao credor o poder liberatório do crédito, reforçando o caráter pecuniário do crédito público, possibilitando a sua utilização no planejamento tributário ao transformar o crédito em um ativo importante do contribuinte.

Em palavras didáticas, o Exmo. Sr. Ministro do STJ Teori Albino Zavascki no voto do Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança Preventivo nº 23.692 MG (2007/0043982-0):

Contempla o texto constitucional, portanto, após a EC nº 30/00, dois regimes de pagamento de precatórios: o geral, previsto no art. 100, em que a satisfação de crédito deve ocorrer até o final do exercício seguinte àquele em que o precatório foi apresentado, e o especial, disciplinado pelo art. 78 do ADCT, em que faculta ao ente público o parcelamento, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, do valor do precatório. Esse último regime, ao mesmo tempo em que estabelece condição de pagamento mais favorável à Fazenda, confere ao credor, em contrapartida, a possibilidade de pleitear a liberação do pagamento de tributos devidos à entidade devedora, caso as prestações não sejam liquidadas até o final do exercício a que se referem. 

O poder liberatório para pagamento de tributos e o seqüestro de recursos financeiros são as formas previstas de quitar as requisições de pagamento em caso de descumprimento da moratória. Estas possibilidades de forçar o adimplemento do parcelamento da dívida poderão, a depender da quantia seqüestrada ou compensada, ter um viés de alta periculosidade às contas do ente público atingido em virtude do vilipêndio causado às projeções de gasto anual.

3.1. A auto-aplicabilidade do art. 78, ADCT
De acordo com Canotilho, o legislador constituinte originário ao se deter nos fundamentos e objetivos da sociedade que desejava construir, estipula princípios fundamentais abertos, dotados de abstração e atemporalidade, assegurados formalmente pelo Direito. Estes princípios visam à consagração de ideais que podem se projetar no tempo e no espaço, em consonância com a evolução das relações sociais sem que percam o sentido, apenas adaptando sua interpretação. Para tanto, tece normas estruturantes do sistema que se propôs a construir, que por sua vez conta com as normas estruturantes especiais a fim de conferir segurança específica a determinadas relações envolvendo hipossuficientes e garantir a pacificação da sociedade. Por fim, àquelas situações que urge por soluções imediatas, “densifica”, na própria Constituição, as regras constitucionais produzindo efeitos imediatos no mundo dos fatos. Somente após ‘densificados’ os fundamentos constitucionais materializa-se a constituição.

Para o ilustríssimo professor português:
‘Densificar uma norma’ significa preencher, completar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos

O art. 78 do ADCT é regra constitucional. Quer dizer isto, que o legislador constituinte dissecou todo o grau de abstração dos princípios constitucionais fundamentais, gerais e especiais para estabelecer a regra-matriz de incidência da norma constitucional e a sua conseqüente norma individual e concreta. Criou norma de aplicabilidade imediata ao concluir o seu ciclo de positivação, conferindo eficácia plena à norma constitucional. Manoel Jorge e Silva Neto (2006, pag. 145) sintetiza bem o fundamento da norma de eficácia plena:

Norma de eficácia plena prescinde da intermediação do legislador ordinário para que se lhe integre inteira operatividade. É enunciado que se encontra, desde a sua edição, à contígua incidência sobre os demais preceitos remanescentes no ordenamento. É normatividade que se aplica, direta e imediatamente, sobre o sucesso no mundo físico, ordenando-o.

Completando o entendimento, José Otávio de Vianna Vaz (2007, pag. 53):
No tocante às condições de aplicabilidade, afirma José Afonso da Silva que essas normas, incidindo diretamente sobre os interesses aos quais o constituinte quis dar expressão normativa, têm aplicabilidade imediata (no dizer clássico, são auto-aplicáveis), ‘porque dotadas de todos os meio e elementos à sua executoriedade’.

O poder normativo constitucional é deferido ao art. 78 do ADCT para assegurar a sua auto-aplicabilidade[35], portanto independe de diploma regulamentador infraconstitucional para sua eficácia no ordenamento jurídico. Ao se individualizar a norma concreta a incidir sobre determinados fatos jurídicos típicos, prescrevendo as condutas positivas e negativas a serem respeitadas, fecha-se o ciclo de positivação da norma. Mutatis mutantis, o art. 78 especifica quais os créditos públicos atingidos pela moratória e assegura sanções específicas e regulamentadas em seus parágrafos, logo prescinde para sua eficácia plena de outra norma. O que não aconteceria caso o constituinte derivado optasse pela simples menção ao instituto do seqüestro ou do poder liberatório para o pagamento de tributos. Desta forma, o art. 78 não é considerado norma programática ou regulamentável, mas sim auto-aplicável.

Pelo grau de importância da interpretação do ordenamento jurídico pelos Ministros do Supremo Tribunal de Federal – guardiões da Constituição Federal – cabe a transcrição da lição magistral do Ministro Maurício Corrêa ao proferir seu voto, nos Recurso Extraordinário nº 193.456 – RS sobre a questão:

O direito constitucional, a exemplo do restante, é produzido com vistas à sua aplicação. Ele é, portanto, preordenado a enquadrar as hipóteses que disciplina sob o manto da sua eficácia: impõe aos fatos e comportamentos empíricos o mandamento previsto na norma. Todavia, esta capacidade de incidir imediatamente sobre os fatos regulados não é uma característica de todas as normas constitucionais. Muitas delas não ostentam tal virtude, o que significa dizer que não têm condições de incidir imediatamente sobre o real. Para que elas preencham suas finalidades demandam uma legislação intercalar, isto é: uma lei que se interpõe entre a norma constitucional e o fato empírico.

Em verdade, a maior ou menor aptidão para atuar, para incidir sobre os fatos abstratamente descritos na hipótese da norma constitucional, depende do modo como a própria norma regula a matéria de que se nutre. A possibilidade de plena incidência da norma está sempre condicionada à forma de regulação da respectiva matéria. Se esta é descrita em todos os seus elementos, é plasmada por inteiro quanto aos mandamentos e as conseqüências que lhe correspondem, no interior da norma formalmente posta, não há necessidade de intermédia legislativa, porque o comando constitucional é bastante entre si. Tem autonomia operativa e idoneidade suficiente para deflagrar todos os efeitos a que preordena. De revés, se a matéria que se põe como conteúdo da norma é deficientemente plasmada, de modo tal defeito de conformação intercorra por qualquer um dos seus elementos lógicos-estruturais – que são a hipótese, o mandamento e a conseqüência – aí se torna necessária a expedição de um comando complementar da vontade constitucional.

O discurso contrário a esta posição é fundado em interpretações restritivas, contaminadas pela influência do poder público, sob o fundamento de que a auto-aplicabilidade traria supostos prejuízos ao erário comprometendo a ordem econômico-financeira. No entanto, esta defesa obnubila décadas de descumprimento de sentenças judiciais e obrigações do ente devedor para que o desfalque no orçamento público gerado pelo pagamento dos precatórios – muitas vezes de autoridades máximas do poder executivo passadas – não prejudique as suas obras faraônicas ou passíveis de maior visibilidade ao seu mandato político[36]. A não materialização do citado artigo fere a reputação do Poder Judiciário, que assiste a falta de compromisso político com o Direito, sendo obstado de agir em respeito ao princípio fundamental da separação dos três poderes insculpido no art. 2º da CF[37].

Montesquieu (O espírito das leis, p.167-168.), quem fundamentou e inaugurou o princípio acima citado, alertava já em seu tempo sobre as conseqüências da ingerência política no Judiciário:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.

Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.

3.2. O poder liberatório para pagamento de tributos
A EC 30/2000 restringiu à moratória e suas conseqüentes sanções apenas aos créditos não-alimentares. Para aclarar a exposição, pontuamos as ressalvas feitas pelo constituinte derivado. O caput do art. 78 do ADCT assim dispõe:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

· Os créditos definidos como de pequeno valor: O art. 100 da CF possibilitou que os entes pudessem expedir leis que definissem o valor desses créditos adequando-os as suas realidades. Porém, até que as façam, o art. 87 do ADCT, em seu inciso I e II, modificado pela emenda constitucional nº 37 de 2002, determinou que os valores considerados de pequeno valor fossem de 40 salários-mínimos para os estados da federação e distrito-federal; e 30 salários-mínimos para as fazendas municipais. Com a modificação, regulamentou-se o texto e tornou auto-aplicável o dispositivo[38]. Desnecessária é a expedição de precatório. A comunicação para pagamento é feita diretamente entre o juiz originário e a administração pública competente.

· Os de natureza alimentícia: De acordo com o art. 100, §1-A, introduzido no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 30/2000, “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”. Apenas para o controle da ordem de pagamentos é necessário a expedição de precatório, assim entende a Súmula 655 do STF[39]. O art. 100, caput, permite que os precatórios alimentares sejam apresentados para pagamento a qualquer dia do ano ao excetuá-los do trâmite a ser respeitado pelas requisições de pagamento de créditos não-alimentares.

· Os de que trata o art. 33 deste ato das disposições constitucionais transitórias e suas complementações: O art. 33[40] do ADCT é a primeira moratória da dívida pública inserida no ordenamento jurídico pelo legislador constituinte originário com a promulgação da Constituição Federal de 1988, determinando o pagamento dos créditos não-alimentares em no máximo oito anos.

· Os que já tiverem seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo: são os precatórios judiciais já previstos no orçamento do ano para serem pagos até o final de seu exercício ou já depositados a disposição do credor.

· Os precatórios pendentes na promulgação desta Emenda (30/2000) e os que decorram de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999: verificando as ressalvas anteriores e desconsiderando a inconstitucionalidade da EC 30/2000, estes créditos públicos poderão ser pagos no máximo em dez parcelas anuais, iguais e sucessivas, sendo os seus valores atualizados a cada ano, passíveis de sanções no caso de inadimplemento das parcelas e permitida a cessão dos créditos. No voto do ministro relator Carlos Velloso na Ação Direita de Constitucionalidade 2.851-1[41] cita Jose Otavio Vaz: “precatórios pendentes são aqueles já devidamente inscritos no Tribunal competente, cuja Fazenda deixou de honrar a modo e tempos próprios, aplicando-se o dispositivo, também, aos precatórios futuros, decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999”

O constituinte derivado ao instituir o poder liberatório para pagamento de tributos quis possibilitar ao credor outra forma de receber o que lhe é devido. Através de regramentos que conferiram a auto-aplicabilidade do art. 78 do ADCT, o detentor da requisição de pagamento poderá se liberar do pagamento de dívidas tributárias do mesmo ente devedor. Em outras palavras, equiparou as parcelas vencidas e não pagas à moeda de quitação de tributos como se dinheiro fosse. Com base neste entendimento, inclusive, o STJ tem permitido o caucionamento das dívidas com os créditos públicos, desde que já tenha transitado em julgado a sentença conferindo direito líquido e certo indiscutível[42]. Apesar da não previsão legal desta possibilidade de deferimento de medida cautelar (Lei nº 8.397 de 1992), não há que se falar em impossibilidade, pois não existe conflito entre lei infraconstitucional e a Constituição Federal.

A compensação é um instituto conceituado pelo Direito Civil, art. 368[43] do Código Civil de 2002, baseado na confusão de créditos e débitos recíprocos entre as partes litigantes. Logo, resolve-se a questão através do encontro de contas entre devedor e credor até onde se compensarem. O Código Tributário Nacional, art. 170[44], autoriza a compensação somente com créditos tributários – não enseja a utilização de créditos públicos – mas viabiliza aos entes da federação à edição de leis outras sobre esta forma de extinção do crédito tributário[45].

Perceptível é a semelhança entre a compensação tributária do CTN e CC/02 e o poder liberatório para pagamento de tributos das parcelas não quitadas do parcelamento da dívida pública: ambos se baseiam no encontro de contas entre o detentor do direito de crédito e o obrigado a pagar. O sublime José Otávio de Vianna Vaz (2007, p. 97) consubstancia esse entendimento:

De fato, o artigo 78 do ADCT, ao afirmar que as prestações anuais de precatórios mencionadas no caput do art. 78, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, teriam poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, positivou, na Constituição, nova forma de extinção das dívidas dos contribuintes para com as Fazendas Públicas inadimplentes.

Essa nova modalidade de extinção das obrigações tributárias seria equivalente à compensação, diferenciando-se desta forma extintiva pelo fato de a autorização advir diretamente da Constituição, eximindo o contribuinte-credor do pagamento, em dinheiro, de tributos da entidade devedora do precatório.

3.3. A cessão dos créditos
A cessão dos créditos, assim como a compensação, é instituto do Direito Civil, disposto e regulamentado nos artigos 286 a 298 do Código Civil de 2002, utilizado em larga escala pela sociedade, mas sem previsão específica para a cessão de créditos públicos. No direito privado rege o princípio da liberdade[46] e assegurado o direito à propriedade[47]– em detrimento do respeito à legalidade e da indisponibilidade dos bens públicos pelo Poder Público, respectivamente -, poderá o particular dispor de seu bem ou crédito como bem entender. Porém, alguns requisitos devem ser atendidos, pois se trata de crédito regido por normas de direito público.

A requisição de pagamento foi expedida pelo juízo originário do processo que condenou a Fazenda Pública em determinada quantia. O crédito público, apesar de imodificável, ao atingir o status de coisa julgada material transferindo a competência para decidir incidentes do precatório à Presidência do respectivo Tribunal, permanece vinculado ao processo que o originou como prova da idônea formação da ordem de pagamento. Por isso a cessão deverá ser homologada pelo juízo de 1º grau prolator da sentença condenatória e veiculada publicamente, permitido o seu fracionamento[48] em diversas partes desde que não haja simulação para que o crédito se enquadre como requisição de pequeno valor[49].

Através do trecho final do art. 78 do ADCT – “permitida a cessão dos créditos” – o constituinte derivado instituiu o mercado de créditos públicos. Para aqueles credores que optarem por não mais esperar a longa, morosa e interminável ordem cronológica de pagamento poderão ceder seus créditos a terceiros. Boa parte dos créditos públicos passa por diversas gerações que não vislumbram possibilidade alguma de recebimento do que lhe devido, apesar de ter sido assegurado pelo trânsito em julgado da decisão judicial e pelo direito adquirido.

Criado o mercado, a empresa pagadora de impostos poderá cessionar os créditos públicos atingidos pelo art. 78 do ADCT, introduzido pela EC 30/2000, dos credores para utilizar as parcelas vencidas e não pagas para compensá-los com os tributos do ente devedor. Mas para haver razão de se pagar os tributos com precatórios, o mercado comprador estabelece níveis de deságios em relação ao valor de face para superar o custo do complexo processo judicial e o imposto de renda sobre acréscimo patrimonial incidente sobre a cessão do crédito. A maioria dos entes não possui leis específicas para este tipo de extinção do crédito tributário via processo administrativo e quando possuem relutam em deferir o pedido.

Apesar de o credor não receber a totalidade do valor cessionado, terá em mãos, título executivo extrajudicial passível de cobrança via judiciário com possibilidades maiores de recebimento em curto prazo.

4. Considerações finais
A utilização de crédito público para a compensação de tributos no planejamento tributário é viável, sendo necessário ou não a cessão dos créditos. Pela via judicial é possível quitar indiretamente o crédito público através da sistemática estabelecida pelo art. 78 do ADCT, introduzida pela Emenda Constitucional nº 30/2000. Transformando um crédito engessado pelo descumprimento da ordem judicial e o flagrante desrespeito aos direitos fundamentais em crédito ativo financeiro, gera-se a economia tributária. Por mais que seja necessária a cessão dos créditos pelo contribuinte, é possível calcular o montante a ser compensado e a economia real, perfazendo solução hábil às dificuldades com fluxo de caixa.

A compensação constitucional é procedimento lícito caracterizando-se como elisão fiscal ao proporcionar economia com os tributos, fluxo de caixa e lucro. Direito assegurado constitucionalmente através de normas auto-aplicáveis, o encontro de contas promovido pelo constituinte derivado não se limita a regramentos infraconstitucionais e a sua efetivação contribuirá para a materialização da Constituição Federal e agrega valor ao sentimento constitucional dos cidadãos.

Os entes públicos devedores se omitiam explicitamente do pagamento de suas dívidas desprezando seus credores. A Emenda nº 30/2000 foi um golpe certeiro naqueles políticos acostumados a arrolar os compromissos financeiros firmados por outros administradores dos bens públicos. Mesmo prorrogando o pagamento por mais 10 anos a inadimplência persiste. O Poder Judiciário ao efetivar as sanções impostas ao Poder Executivo auxilia a moralização do pagamento dos precatórios judiciais. O mais contraditório, é que o Poder Público reluta em quitar sua dívida, cria e utiliza meios para recuperar seus créditos, jamais para os seus débitos.

Apesar da ameaça que se tornou a PEC 12/2006 – abrandada pela comoção popular que a matéria já atingiu, sobretudo com a passeata organizada pela OAB-secção federal que contou com autoridades, cidadãos e credores de todo o país – a utilização dos precatórios judiciais no planejamento tributário continua a ser opção viável e concreta.

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ZAVASCKI, Teori Albino. Parcelamento de precatórios judiciários (art. 78 do ADCT): abuso do poder constituinte derivado?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1552, 1 out. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10472>. Acesso em: 28 abr. 2009.


[1] Atua em parceria no escritório Tenório e Dornelas, Salvador – BA e é colaborador, na região nordeste, do escritório Valtuille e Wolf, de Goiânia-Goiás.

[2] Colaboração do Advogado Frederico Augusto Alves Oliveira Valtuille, sócio do Escritório Valtuille e Wolf, de Goiânia-GO.

[3] ÁLVARES DA SILVA. “Precatório e crédito de natureza alimentar”, in Questões polêmicas de Direito do Trabalho, v. IV, p. 102.

[4] “O absurdo é que, quando se trata de dar o calote – talvez "constitucionalizar" o calote fosse a designação mais adequada – em títulos judiciais, não se pensa nas consequências sobre o chamado "risco Brasil". É inexplicável que um país recentemente alçado à categoria de "investment grade" possa, a par de ser seguro para investimentos e credores de títulos públicos, inadimplir dívidas judicialmente reconhecidas, menosprezando assim o jurisdicionado e o Poder Judiciário”. O artigo "Constitucionalizando o calote" é de autoria do presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Fábio Ferreira de Oliveira e foi publicado na edição de 04/05/2009 do jornal O Estado de São Paulo.

[5] Reportagem veiculada no site da OAB – secção federal (www.oab.org.br) no dia 07/05/2009, com o título: “OAB-GO: Marcha contra o calote mostrou insatisfação da sociedade com PEC 12”.

[6] HARADA, Kiyoshi. Precatório. Análise das inovações previstas na PEC nº 12/2006.

[7] Vaz, José Otávio Vianna. O Pagamento De Tributos Por Meio De Precatório. Belo Horizonte: Editora Del Rey 2007. Pag. 11

[8] Com a atual redação, o art. 100 estabelece listas diferenciadas de ordem de pagamento para que se possa preferenciar ao pagamento dos créditos alimentares em virtude de sua destinação.

[9] De acordo com a PEC, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB AL), o pagamento da dívida poderá ser realizado em até 15 anos. Hoje, esse prazo é de 18 meses, mas o período não é respeitado pelos devedores, apesar de ameaças de sequestro de recursos e intervenções. Tem uma senhora nessa passeata de 90 anos. Você acha que ela vai esperar quanto tempo (para receber o precatório)? Tem um limite de vida também, afirmou Maria Isabel Locateli, 54 anos, integrante do Sindicato dos Especialistas de Educação do Município de São Paulo (Sinesp). Reportagem veiculada no site da OAB – secção federal (www.oab.org.br), no dia 07/05/2009, com título: “PEC dos Precatórios alterada”.

[10] Em artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo em 07/05/2009, de autoria de Luciana Nunes Leal, expõe o disparate entre o sistema de pagamentos vigente o do projeto: “O adiamento dos pagamentos de precatórios interessa a governantes de todos os partidos. Estima-se em R$ 100 bilhões o total de precatórios devidos por Estados e municípios a pessoas físicas e jurídicas. Pelas regras em vigor, as administrações públicas teriam até 2010 para saldar as dívidas, mas prefeitos e governadores continuaram a adiar os pagamentos indefinidamente. O texto aprovado no Senado prevê a conclusão dos pagamentos até 2024 ou, como alternativa, a destinação de uma parcela fixa da receita para pagamentos até a quitação da dívida, sem prazo definido”.

[11] Art. 3º, CF: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

[12] Art. 150, II, CF: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

[13] Art. 150, I, CF: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”

[14] Art. 108, CTN: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; (…) § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (…)”

[15]Art. 150, CF: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) IV – utilizar tributo com efeito de confisco”

[16] Miguel Delgado Gutierrez, comparando com a tipificação das condutas na esfera penal, leciona: “Da mesma forma, poder-se-ia dizer que no direito tributário se aplica a sentença nullum tributum sine lege. No Brasil, como visto, não pode haver tributo sem prévia lei que defina os elementos e as características do tipo legal tributário. O legislador deve definir o tributo de forma exaustiva e definitiva, ficando vedada aos aplicadores do direito a criação ou a dispensa de pagamento. A interpretação da norma material tributária deve ser estrita. Ou seja, não deve nem ampliar nem restringir uma tributação prevista em lei. Caso haja omissão da lei, deve ser declarada a inexistência da obrigação tributária. Caso a obrigação esteja prevista, não poderá ser restringida, senão por meio de outra lei” (Planejamento Tributário – elisão e evasão fiscal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 37).

[17] Art. 170, CF: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência (…)”

[18]Art. 113, § 1º, CTN: “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.”

[19]O Art. 71 da Lei 4.502/64 conceitua sonegação: “Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou crédito tributário correspondente”.

[20] De acordo com o Código Civil de 2002, os ato tendente a fraudar a lei são nulos (art. 166, VI)

[21] Planejamento Tributário – elisão e evasão fiscal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 192

[22] Segundo estudo do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário: no ano, cada brasileiro pagou aproximadamente R$ 5.572,00, representando um aumento aproximado de R$ 652,00 em relação a 2007 (disponível em: http://www.ibpt.com.br/img/_publicacao/13651/176.pdf). Somente a Dinamarca ultrapassa esse marca com 42,9%. Depois vêm Bélgica (41,4%) e Alemanha (41,2%). O Uruguai é o segundo país com a maior carga tributária na América do Sul, mas na classificação mundial, fica na 12ª posição. O impacto dos impostos sobre os salários uruguaios é de 28,4%.

[23] Art. 1º, CF: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”

[24] “Esta distinção é refletida na terminologia que se adota para conceituar a elisão fiscal legítima, isto é, a prática de atos ou negócios, ou a não prática dos mesmos, com vistas a elidir o nascimento da obrigação tributária, ao passo que na evasão fiscal ilegítima é a fuga da obrigação tributária existente pela ocorrência do fato gerador previsto em lei. Na literatura americana os termos equivalentes são ‘tax avoidance’ e ‘tax evasion’, suficientemente elucidativos dos conceitos que exprimem.

Por isso a elisão fiscal, ou seja a economia fiscal válida, deve decorrer de práticas do contribuinte ou de omissões, anteriores que exprimem” (Elisão e Evasão Fiscal. In: Caderno de Pesquisas Tributárias. Vol. 13. São Paulo, co-edição Centro de Estudos de Extensão Universitária e Resenha Tributária, 1988, PP. 149 e 150)

[25] Planejamento Tributário – elisão e evasão fiscal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 108

[26] A imputação de simulação ao negócio jurídico demanda produção de prova convincente por todos os meios permitidos pelo direito e ação específica visando a nulidade dos atos simulados (art. 116, §único, CTN) sob a responsabilidade de quem alega, ou seja, a Fazenda.

[27] Planejamento Tributário – elisão e evasão fiscal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 161

[28] PROCESSUAL CIVIL. ANULATÓRIA. ATO JURÍDICO. LEGITIMIDADE ATIVA.SIMULAÇÃO. COMPROVADA.Para a apuração da legitimidade deve-se perquirir, não a titularidade o direito pretendido, mas a simples possibilidade de que ela exista. É parte legítima que, em tese, tem ação para defender um interesse tutelável, desde que prove os fatos alegados. É nulo o negócio jurídico simulado que prejudique direito de terceiro de boa-fé. (REsp 794940 / DF. RECURSO ESPECIAL 2005/0183685-4. Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento 12/02/2008. Data da Publicação/Fonte. DJe 13/03/2008 )

[29] Art. 166, CC/02: “É nulo o negócio jurídico quando: (…) VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa. (…)”

[30] Art. 110, CTN: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

[31] Sob pena de se incorrer em abuso das formas de direito privado ao se interpretar a legislação tributária sob a ótica econômica, apesar da jurisprudência dos tribunais superiores e doutrina não adotar a teoria econômica na seara tributária (ver. Ag 1082876/SP. Relator(a) Ministra ELIANA CALMON. Data da Publicação 13/02/2009.)

[32] HARADA, Kiyoshi. PRECATÓRIO JUDICIAL. Tributario.net, São Paulo, a. 5, 9/8/2007. Disponível em: <http://www.tributario.net/artigos/artigos_ler.asp?id=33455>. Acesso em: 23/2/2008

[33] Art. 86. Serão pagos conforme disposto no art. 100 da Constituição Federal, não se lhes aplicando a regra de parcelamento estabelecida no caput do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os débitos da Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal oriundos de sentenças transitadas em julgado, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições: I – ter sido objeto de emissão de precatórios judiciários; II – ter sido definidos como de pequeno valor pela lei de que trata o § 3º do art. 100 da Constituição Federal ou pelo art. 87 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; III – estar, total ou parcialmente, pendentes de pagamento na data da publicação desta Emenda Constitucional; § 1º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, ou os respectivos saldos, serão pagos na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios, com precedência sobre os de maior valor; § 2º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, se ainda não tiverem sido objeto de pagamento parcial, nos termos do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, poderão ser pagos em duas parcelas anuais, se assim dispuser a lei; § 3º Observada a ordem cronológica de sua apresentação, os débitos de natureza alimentícia previstos neste artigo terão precedência para pagamento sobre todos os demais.

[34] Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I – quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II – trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.

[35] Quanto a essa característica essencial da norma que regula o pagamento dos precatórios, chegou para julgamento no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança 566.349-3/MG – nesta oportunidade a relatora ministra Carmén Lúcia suscitou a existência de repercussão geral da decisão a ser prolatada acerca da auto-aplicabilidade do §2º do art. 78 da ADCT, ainda não julgado.

[36] Trechos da reportagem veiculada no site da OAB federal (www.oab.org.br) no dia 27/04/2009 com o título “MP investiga Kassab por não pagar precatórios e usar verbas em outras áreas”, Bruno Tavares e Diego Zanchetta, publicada originalmente no jornal Estado de S. Paulo: “(…) A Câmara Municipal também está na mira do MPE. O promotor César Ricardo Martins, responsável por dois dos inquéritos, já reuniu provas de que dois vereadores – o líder do governo, José Police Neto (PSDB), e o ex-parlamentar Attila Russomanno (PP) – apontaram a verba destinada ao pagamento de precatórios como fonte de custeio para emendas (projetos prometidos em redutos eleitorais) em 2008. "Os recursos foram desvirtuados.”

(…) Em 2007 e 2008, Kassab voltou a contingenciar parcela significativa de dinheiro dos precatórios alimentares. Mas, em vez de remanejar os recursos, preferiu mantê-los em caixa. "Tão grave quanto empregar a verba em publicidade é usá-la para fazer superávit", disse o promotor, referindo-se à condenação imposta em maio de 2008 à ex-prefeita Marta. "É ato de improbidade administrativa."

(…) O pagamento de sentenças judiciais alimentares também colocou na mira da Justiça os prefeitos Paulo Maluf, Celso Pitta e Marta Suplicy. A dívida paulistana com os precatórios passou a ser um problema judicial para a Prefeitura na gestão de Maluf (1993-1996). O ex-prefeito chegou a lançar títulos no mercado para pagar os precatórios, mas acabou utilizando a verba em obras, em operação considerada irregular à época pela CPI dos Precatórios do Senado Federal. O problema se repetiu nas duas gestões seguintes."

[37] Art. 2º da CF: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”

[38] O §5º permite que a lei fixe valores distintos, de acordo com a capacidade do ente público. O art. 87 do ADCT, introduzido pela EC n. 37/2002, estabeleceu o pequeno valor em 40 salários mínimos para Estados e Distrito Federal e em 30 salários mínimos para os Municípios. Evidente está que o texto deu o parâmetro, o que não impede que o ente estipule outro, de acordo com diferentes capacidades. Com a alteração, o texto se tornou auto-aplicável, de aplicação imediata, não se impedindo que os entes menores editem norma integrativa, adaptando-o às circunstâncias locais” (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 2ª edição. Pag.539)

[39] Súmula 655 do STF: “A exceção prevista no art. 100, caput, da CF, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”

[40] Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Poderão as entidades devedoras, para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite global de endividamento.

[41] O Governo do Estado de Rondônia almejava declaração de inconstitucionalidade da lei estadual 1.142/2002 que permite a compensação de tributos com crédito público do Estado de Rondônia no âmbito administrativo, mas não obteve êxito.

[42] AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO DE BENS. CRÉDITO DECORRENTE DE PRECATÓRIO DE TITULARIDADE DIVERSA. POSSIBILIDADE. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITO DE NEGATIVA. GARANTIA PARA POSTERIOR EXECUÇÃO FISCAL. I – A jurisprudência dominante deste Tribunal tem admitido a nomeação à penhora de crédito, atinente a precatório expedido para fins de garantia do juízo. Precedentes: AGA nº 551.386/RS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 10/05/04; AGA nº 524.141/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 03/05/04; e EREsp nº 399.557/PR, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 03/11/03. II – Nada impede que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja outra entidade pública que não a própria exeqüente, devendo-se pôr em relevo que a penhora sobre o crédito do executado previsto em precatório obedece ao regime próprio da penhora de crédito, que indica a sub-rogação do credor no direito penhorado (AgRg no REsp nº 826.260/RS, Rel. p/Ac. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 07/08/2006). III – É cabível o oferecimento de caução de bens, de maneira antecipada, como forma de garantir o ajuizamento de futura execução fiscal, possibilitando assim a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa. Precedentes: EREsp nº 815.629/RS, Rel. p/ac. Min. ELIANA CALMON, DJ de 06/11/06; EREsp nº 823.478/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 05/03/07 e REsp nº 881.804/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 02/03/07. IV – Recurso especial improvido. (REsp 962451 / RS – RECURSO ESPECIAL 2007/0142703-6. Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO. Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 04/09/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 11/10/2007 p. 326)

[43] Art. 368: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

[44] Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

[45]Art. 156, CTN: Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação.

[46] Art. 5º, da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”

[47] Art. 5º, da CF/88: “(…) XXII – é garantido o direito de propriedade;”

[48] Art. 78, §1º, do ADCT: “É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor”

[49] Art. 100, §4º, CF/88: “São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório”

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