Ação Monitória

Protecionismo aos devedores fez surgir a lei 11.232/2005

Autor

  • André Fontolan Scaramuzza

    Advogado diretor Jurídico da EMPRES professor de Processo Civil na UNIPALMARES pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela EPD – Escola Paulista de Direito membro da Coordenadoria de Processo Civil da CJA – OAB SP.

2 de julho de 2009, 8h29

Toda e qualquer intimação no decorrer da ação monitória, bem como no trâmite de eventuais embargos, correrão em conformidade com o artigo 234 e seguintes do Código de Processo Civil. O objetivo deste artigo não é o de tratarmos das intimações em geral no trâmite da ação monitória ou de seus embargos e sim, debatermos sobre do que se trata a palavra intimação existente no parágrafo terceiro do artigo 1.102-c do Código de Processo Civil, sendo:

"Parágrafo 3º – rejeitados os embargos, constituir-se-á de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta lei.”

Indispensável esclarecer que quando a lei aqui informa sobre a intimação do devedor, neste artigo, nada tem a ver sobre a eventual obrigatoriedade de se intimar o devedor de que a ação irá prosseguir na forma do cumprimento de sentença e muito menos no sentido de se citar o devedor a cumprir com a sentença já transitada em julgado. Por óbvio, temos que este artigo informa única e exclusivamente sobre a necessidade de se intimar o devedor de que os embargos foram rejeitados.

Neste sentido acompanho o posicionamento do brilhante Dr. Antônio Cláudio da Costa Machado[1], sendo:

“Ora, porque se trata de sentença, nada mais natural do que a lei exigir expressamente a intimação do embargante antes que se instaure o processo de execução. Mas, na verdade, a intimação do devedor, prevista no texto, nada tem a ver com a execução, significando apenas a exigência de dar atendimento ao princípio do contraditório, posto que a instauração da fase executiva depende única e tão somente da constituição, de pleno direito, do título executivo judicial que se atrela, por sua vez, à rejeição dos embargos e não à ciência do devedor.”

Concluído portanto que a intimação de que se trata a lei acima transcrita refere-se única e exclusivamente ao ato de se intimar o devedor/ embargante de que os embargos foram rejeitados, inclusive, após esta intimação é que se abre prazo para o mesmo apelar da decisão, respeitando mais uma vez o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Entraremos agora em uma seara das mais conflituosas na atualidade sobre o tema que abrange tanto o título judicial oriundo de ação monitória que, como manda a lei, seguirá nos termos do cumprimento de sentença nos termos do art. 1.102, caput e parágrao 3º do Código de Processo Civil, como qualquer outra sentença que venha a seguir também para a fase de cumprimento de sentença.

Afinal de contas há a necessidade de se citar o agora executado pessoalmente ou intimá-lo por intermédio de seu procurador, de que a sentença transitou em julgado, a fim de que possa pagar o seu débito espontaneamente no prazo de quinze dias sob pena de multa de 10%?

Como deve ser contada a data de incidência desta multa para o caso de não cumprimento de sentença oriunda de ação monitória ou outra sentença também não cumprida e que seja necessária a sua migração para a fase de cumprimento de sentença?

O doutrinador Luis Guilherme da Costa Wagner Júnior[2], entende:

“A intenção da alteração legislativa foi adequar a ação monitória, por meio dos dispositivos legais em comento, à nova realidade da execução de títulos judiciais em que, falar-se-à em cumprimento de sentença, dispensada a citação do executado, posto que referido ato foi substituído pela intimação de advogado para cumprimento da decisão em 15 (quinze) dias sob pena de incidência de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito.”

Acompanho o doutrinador sobre a possibilidade da incidência da multa estipulada pelo artigo 475 – J do Código de Processo Civil para os casos de ação monitória, como também concordo na dispensabilidade de citação do réu para cumprimento voluntário da sentença, porém, ouso divergir quanto à necessidade de intimação na pessoa do advogado para cumprimento da decisão e em breve esclarecerei os motivos de minha discordância.


O doutrinador Professor Antonio Cláudio da Costa Machado[3], assim entende:

“…-na nova sistemática executiva, a intimação para pagar é mera e simples conseqüência da condenação e seu não-atendimento não gera, por si só, ato constritivo algum, visto que este dependerá de posterior mandado de penhora – , tal intimação na pessoa do advogado está perfeitamente justificada e legitimada, servindo de termo “a quo” o prazo de quinze dias.””

Temos portanto até o momento duas opiniões que tutelam ser dispensável a citação do réu, porém, se faz necessária a intimação na pessoa de seu procurador.

Entende o doutrinador Cássio Scarpinella Bueno[4], que é necessária a intimação para cumprimento da sentença na pessoa de seu advogado e, caso a ré não possua procurador constituído, deverá esta intimação ser realizada pessoalmente ao devedor.

Já o doutrinador Misael Montenegro Filho[5], entende também que há a necessidade de intimação do agora executado para cumprir voluntariamente a sentença, a fim de que este agora possa saber que findou a ação de conhecimento e iniciar-se-á a fase de execução, porém, diferentemente dos demais, este entende que possuindo ou não procurador nos autos, que esta intimação deve sempre ser pessoal à parte.

Analisando estes posicionamentos, me questiono, por qual razão houve a promulgação da lei 11.232/2005 se as coisas continuariam as mesmas? Por que deveríamos reformar toda a antiga execução de sentença ou de título judicial apenas para incluir uma multa de 10%?

Indubitável o extraordinário grau de conhecimento dos doutrinadores citados acima, porém, este entendimento sem sombra de dúvidas está equivocado, simplesmente, porque fere o princípio da finalidade desta lei 11.232/2005, bem como o princípio da literalidade e da celeridade processual.

Os operadores do contencioso cível e seus respectivos clientes, que nas ações visando cumprimento de obrigações, sempre suportaram o árduo fardo de passar anos e mais anos aguardando uma sentença transitada em julgada e quando a conseguiam e foram citar o executado, na época, a execução de sentença e se deparavam com o fato do mesmo ter se evadido do local, bem como não ter deixado qualquer rastro, muito menos financeiro ou patrimonial que pudesse garantir a sua dívida, além do fato de ter que despender mais longos anos e mais investimento na localização do executado, para esses operadores a promulgação desta lei foi considerada como uma esperança de que as coisas um dia podiam melhorar para o credor.

Foi um sinal de esperança de que chegou a hora do credor de boa fé e cumpridor de suas obrigações ter a lei também ao seu lado, lei esta que sempre favoreceu e protegeu os devedores e aqueles que descumprem com suas obrigações.

Em um País como o Brasil que necessita de investimento estrangeiro nas indústrias, prestações de serviços e tudo o mais, no entanto, tem um Poder Judiciário que além de moroso é protecionista aos devedores, é notório que além de deixar toda a população com a certeza de que a justiça não existe, deixando o Poder Judiciário completamente desacreditado, temos também que as indústrias nacionais e estrangeiras serão temerosas de qualquer investimento no Brasil.

Em reuniões com uma diretora de empresa de capital Italiano, sempre tive muitas dificuldades em explicar que no Brasil, infelizmente, os recursos são quase que infinitos. Muita dificuldade em explicar que infelizmente os processos de recuperação de crédito são morosos, principalmente dificuldade em explicar a grande epopéia que é conseguir a desconsideração da personalidade jurídica para empresas devedoras e que encerraram suas atividades irregularmente, haja vista que na Itália é praxe os sócios se responsabilizarem pelos prejuízos que suas empresas causam. Resultado, esta empresa parou completamente de investir no Brasil ante o alto índice de inadimplência e morosidade na recuperação judicial, sendo que hoje apenas importam seus produtos e ante pagamento antecipado ou no ato da entrega.


Com estes comentários, indagações e estória apresentada quero chegar ao ponto de que os próprios legisladores entenderam que toda esta morosidade e protecionismo aos devedores prejudica não só os credores mas todo o Brasil, razão pela qual promulgaram a lei 11.232/2005.

Os doutrinadores indicados e tantos outros ressaltaram a importância de se intimar o devedor na pessoa de seu procurador de que agora sim a sentença está transitada em julgado, portanto, lhe abrindo prazo de quinze dias para o cumprimento espontâneo da obrigação sob pena de multa nos termos do artigo 475, J do Código de Processo Civil, porém, questiono qual o verdadeiro objetivo? Não há qualquer alegação que justifique esta interpretação.

Primeiro, vamos ao que dispõe o artigo 475, J do Código de Processo Civil:

“Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o dispositivo no artigo 614, inciso II, desta lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”

Temos portanto que em nenhum momento a lei estipula que da sentença transitada em julgado far-se-á a intimação do condenado ao cumprimento da sentença no prazo de quinze dias sob pena de multa, portanto, temos que o legislador não quis que o condenado fosse novamente intimado por ser este ato completamente desnecessário e moroso.

Se o legislador realmente quisesse que nesta fase houvesse mais uma intimação ao condenado, este assim o diria no dispositivo legal, ou então, este se manifestaria “…observado o dispositivo no artigo 614, inciso I E II”, ou ainda, “expedir-se-á mandado de citação, penhora e avaliação”, mas não, o legislador nada disse neste sentido.

Se a lei assim não o diz, por que pensar nesta possibilidade de se intimar a parte na pessoa de seu procurador? Por que esta criação doutrinária quando a própria lei explicitamente não quis estipular nova intimação?

A opiniões elencadas informam apenas da necessidade de se intimar o devedor na pessoa de seu procurador para cumprir espontaneamente com a sentença transitada em julgado, porém, seguindo esta lógica, o que fazer na ausência de procurador ou se este tiver o mandato revogado logo após a sentença? Temos que nesta situação nos depararíamos com o absurdo de que a única solução possível seria a intimação pessoal do devedor.

Se a questão é preservar o princípio do contraditório ou então o princípio da publicidade, temos que em nenhum momento estes princípios são desrespeitados.

Se a parte possui procurador nos autos e este é intimado da sentença em primeira instância, não é notório que seu procurador saiba quando se transformará a sentença em decisão transitada em julgado?

Se a parte possui procurador nos autos e este recorreu da sentença e é intimado do acórdão em segunda instância, não é óbvio que este advogado saiba o dia em que se dará o trânsito em julgado desta decisão?

Se a parte possui procurador nos autos e este recorreu até o Supremo Tribunal Federal ou até o Superior Tribunal de Justiça ou ambos e este procurador é intimado das decisões de última instância, não é óbvio que este advogado saiba o dia em que se dará o trânsito em julgado?

Se a parte não possui advogado e se mantém inerte após o recebimento do mandado na ação monitória ou na citação na ação de conhecimento, ficando claro no mandado citatório das consequências da revelia, será que após ter o mandado convolado em título judicial ou após sentença contra a sua pessoa transitada em julgado que aí então esta parte, intimada pessoalmente desta situação, vai resolver cumprir com suas obrigações neste instante?

Não devemos nos esquecer de que na melhor das hipóteses apresentadas pelos doutrinadores acima, a de que a parte possui um procurador e que após o pedido de cumprimento da sentença este será intimado via Diário Oficial, que neste caso temos o enorme lapso temporal para que os cartórios juntem as referidas petições nos processos, outro longo prazo para o mesmo ir a conclusão, outro enorme prazo para lançarem nas publicações, outro enorme prazo para publicar, outro enorme prazo para certificarem em cartório que não houve o cumprimento da sentença para só então ser expedido o mandado de penhora e avaliação, ou seja, na melhor das hipóteses, o credor perdeu de três a doze meses e o devedor conseguiu procrastinar o cumprimento de sua obrigação pelo mesmo período.


Não podemos nos esquecer de que a grande maioria das pessoas físicas e jurídicas que tem ações monitórias ou de conhecimento de obrigações contra si tentam ao máximo procrastinar os feitos por completa má-fé, aproveitando-se da morosidade do Poder Judiciário para tal fim e para esta grande maioria, nada impede de renunciarem aos mandatos concedidos aos seus até então procuradores logo na seqüência do trânsito em julgado, ou, em não havendo procuradores, a continuarem a fazer o que sempre fazem, ou seja, se esquivarem das intimações e citações.

Notório que um bom advogado e uma empresa diligente e responsável, irão acompanhar o processo de perto e, quando seu procurador for intimado da sentença ou acórdão, com uma simples contagem de prazo que se aprende nos bancos das faculdades no primeiro ou segundo ano do curso para bacharel em direito, este facilmente saberá a data do trânsito em julgado e conseqüentemente saberá o início e fim de seu prazo para cumprimento espontâneo de suas obrigações.

Ficou claro também que a parte é devidamente intimada na pessoa de seu procurador das publicações das sentenças e acórdãos, portanto, a parte está ciente de que iniciou-se o prazo para apresentação de recurso ou para o cumprimento da obrigação e em contrapartida a parte que não se manifestou nos autos após o recebimento do mandado monitório ou citatório, que esta parte já está devidamente cientificada de que ante uma ação contra ela e não se defendendo, por óbvio e por estar expresso no mandado, terá uma ação de execução a seu desfavor.

O doutrinador Humberto Theodoro Júnior[6] disserta:

“Convertido o mandado inicial em mandado executivo, e transcorrido o prazo inicial de cumprimento voluntário, segue-se a expedição do mandado de penhora ou de busca e apreensão, conforme se trate de obrigação de quantia certa ou de entrega de coisa, dentro da sistemática de cumprimento de sentença, segundo a Lei nº 11.232, de 22.12.2005 (CPC, Livro I, Título VIII, Capítulo X).”

 

Entendo que quando o doutrinador supra escreve “prazo inicial de cumprimento voluntário”, é o mesmo que dispõe a lei em seu artigo 475 – J do Código de Processo Civil, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão que constitui o título judicial, a parte que deve cumprir com a obrigação tem o prazo de 15 dias para o cumprimento da obrigação de forma voluntária, ou seja, sendo dispensada qualquer outra intimação na pessoa de quem quer que seja, sob pena de, em não sendo cumprida a obrigação neste prazo, incidir a multa de 10% (dez por cento).

Também neste sentido o doutrinador Luís Otávio Sequeira de Cerqueira[7]:

“Mesmo tendo a execução do título judicial passado à condição de fase do processo de conhecimento, ainda é necessária a apresentação de requerimento executivo ao juízo competente para o seu início. Além disso, não há mais necessidade de citação do executado, o que com certeza trará muito mais celeridade ao processo. Uma das principais condutas utilizadas pelos executados para protelar o início da execução no sistema anterior era a de se furtar de todas as formas à citação, um óbice que muitas vezes foi facilmente superado com a citação do executado por hora certa.”

Não bastasse as alegações e doutrinas apresentadas no sentido de que se faz desnecessária a intimação da parte para que cumpra espontaneamente a sentença transitada em julgada ou no caso da ação monitória, do mandado já convolado em título judicial e pronto para ter iniciada a sua fase como cumprimento de sentença, temos o Superior Tribunal de Justiça arrematando neste sentido:

“LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.” (STJ – REsp 954859 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0119225-2 – Min. Humberto Gomes de Barros – Terceira Turma – julgado em 18/08/2007 – publicado DJ 27/08/2007 p. 252 – REVJUR vol. 359 – p. 117)

Referências

[1] Código de Processo Civil Interpretado, Antonio Cláudio da Costa Machado, Editora Manoele, 7ª edição, 2008.
[2] Curso Completo de Processo Civil, Wagner Júnior, Luiz Guilherme da Costa, 2007, Editora Del Rey, fls. 521 a 522.
[3] Código de Processo Civil Interpretado, Antonio Cláudio da Costa Machado, Editora Manoele, 7ª edição, 2008.
[4] A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – volume 1 – Cássio Scarpinella Bueno, Editora Saraiva, 2ª edição, 2006, páginas 88 a 97.
[5] Cumprimento de sentença e outras reformas processuais – Misael Montenegro Filho, Editora Atlas, 2006, páginas 57 a 61.
[6] Curso de Direito Processual Civil, volume III, 39ª edição, Theodoro Júnior, Humberto, 2008, Editora Forense, fls. 373.
[7]
Processo de Execução Civil e modificações da lei 11.232/05, coordenação de Paulo Hoffman e Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, autor do capítulo Luís Otávio Sequeira de Cerqueira, Editora Quarter Latin do Brasil, 2006, fls. 173.

Autores

  • Advogado, diretor Jurídico da EMPRES, professor de Processo Civil na UNIPALMARES, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela EPD – Escola Paulista de Direito, membro da Coordenadoria de Processo Civil da CJA – OAB SP.

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