IMAGENS DA HISTÓRIA

O dia em que Goffredo simplificou o Direito

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2 de julho de 2009, 8h09

Débora Pinho - SpaccaSpacca" data-GUID="debora-pinho.png">As faculdades de Direito ensinam diversas matérias com características próprias, mas todas elas se resumem em uma única disciplina: a da convivência humana. É o que pensava o professor emérito da USP, Goffredo da Silva Telles Júnior, mito do Direito brasileiro que morreu no sábado (27/6) aos 94 anos. A sabedoria sempre lhe permitiu dar uma aula de Direito a cada frase dita. E não foi diferente no encontro que teve com o professor Pietro Nardella-Dellova, da USP,  para formação do Centro de Pesquisa e Prática Jurídica da Região Metropolitana de Campinas, em São Paulo. “É da natureza do ser humano conviver. Convivemos a vida inteira desde o nascimento até o fim de nossa vida”, justificou o mestre ao explicar a relevância do relacionamento entre as pessoas. Goffredo disse humildemente que, como um “velho estudante da vida inteira”, via nos cursos de Direito algo extraordinariamente importante para o ser humano. 

Goffredo citou o filósofo grego Aristóteles para dizer que viver isoladamente no mundo é exceção. Ele dizia: “Ora, o que não consegue viver em sociedade, ou que não necessita de nada porque se basta a si mesmo, não participa do Estado; é um bruto ou uma divindade”. Segundo Goffredo, a convivência exige disciplina — a disciplina na família, no clube, na escola, na sociedade. No caso do estudante de Direito a disciplina é a que ele classificou de jurídica. Quando esse aluno se forma se torna o bacharel da disciplina da convivência — o cientista da convivência humana. E recebe, diz ele, a chave para muitas portas na profissão. O bacharel pode ser advogado, promotor, delegado e juiz. Mas pode ainda ser agricultor, que terá vantagens sobre os demais que não são cientistas da convivência, na visão do mestre da USP.

Goffredo foi a própria chave para muitas portas. A mais importante das chaves foi a Carta aos Brasileiros, que abriu o caminho para o processo de redemocratização do país. Em um dos trechos mais marcantes do discurso histórico feito, em 8 de agosto de 1977, no Largo São Francisco, afirmou: "Para nós a Ditadura se chama Ditadura, e a Democracia se chama Democracia. Os governantes que dão o nome de Democracia à Ditadura nunca nos enganaram e não nos enganarão… A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já".

O discurso foi relembrado por um de seus milhares de ex-alunos — o advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, em carta ao jornal Folha de S. Paulo, por ocasião da morte de Goffredo. “Emocionado, lembrei-me de mais de 50 anos de convivência, desde quando assistia às suas aulas. Ele continuou a ser o meu grande educador em direitos humanos e democracia. Fui um dos que o incitaram a escrever a "Carta aos Brasileiros", que constituiu um marco no processo de redemocratização de nosso país. Sinto-me hoje como discípulo muito fiel de um mestre muito amado, cujas lições permanecem", relatou Dias.

Os detalhes do discurso, que tanto emocionou e emociona personalidades do mundo jurídico, estão no livro Estado de Direito Já! — Os trinta anos da Carta aos Brasileiros, produzido pelo historiador Cássio Schubsky. Em 23 depoimentos, são revelados fatos históricos de um período que ficaria para sempre no imaginário de estudantes e até de futuros alunos de Direito. Estudantes que sempre admiraram e vão continuar a admirar Goffredo porque ele nunca deixou de ser um estudioso da convivência humana.

Goffredo se formou pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1937 e começou a dar aulas em 1940. Durante 45 anos ensinou jovens com a sua chave — a do conhecimento singular. Somente se aposentou pela compulsória, quando completou 70 anos, em 1985. Mas não se afastou completamente da vida acadêmica. Além da ligação que tinha com sua faculdade, costumava receber em seu escritório alunos que não o tiveram como professor, mas que queriam compartilhar ideias e experiências. É por essa e outras atitudes de Goffredo que personalidades do mundo jurídico choraram a sua perda no fim de semana.


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