Solução caseira

Empresas reduzem provisões de perdas na Justiça

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31 de janeiro de 2009, 6h50

Em busca de fluxo de caixa, as grandes empresas têm revisto provisões de prejuízos e encontrado recursos importantes, congelados em reservas de contingenciamento. Por isso, a checagem das contas tem sido a preocupação número um dos escritórios de advocacia especializados em contencioso de massa, que acompanham milhares de processos judiciais movidos por consumidores. Os alvos são ações já concluídas ou com indenizações menores do que o esperado, mas que, por falta de informação, permanecem ocupando espaço precioso — e caro — nos passivos jurídicos dos balanços.

Foi o que percebeu o escritório Fragata e Antunes Advogados Associados nas 80 mil ações que acompanha nos tribunais de todo o país. “Se o cliente não seguir de perto, ele acaba não percebendo que algumas informações se perdem. Muitas ações ganhas acabam não sendo tiradas da previsão de gastos da empresa”, explica o advogado Francisco Fragata Jr., sócio da banca. Segundo conta, uma revisão feita no fim do ano passado para um novo cliente com seis mil processos permitiu uma redução de R$ 2 milhões para apenas R$ 78 mil na reserva para gastos com possíveis derrotas judiciais. Só nos Juizados Especiais Cíveis, o escritório começou 2008 com 140 mil processos e terminou o ano com pouco mais da metade — 78 mil. Entre seus clientes,  estão gigantes como a Credicard e a rede C&A.

A mesma experiência teve a banca Carlos Mafra de Laet Advogados, que defende empresas em mais de 70 mil processos. Em um trabalho de apenas três meses feito para um novo cliente em 11 capitais, uma equipe de peritos apontou inchaço desnecessário de R$ 20 milhões nas provisões de perdas em processos — dinheiro que poderia estar nas mãos dos acionistas na forma de lucros e dividendos. Ações concluídas ou com sentenças que modificavam as previsões eram os principais motivos da defasagem. “Advogado com fichinha pautada anotando como anda o processo é muito romântico, mas é impossível de fazer. As empresas procuram escritórios que controlem bem as informações”, diz Adam Miranda Sá Stehling, sócio da banca, que tem clientes como Telefonica, Vivo, Light, Ampla, Unibanco, Santander e Banco Real.

As causas da defasagem estão principalmente nos sites dos tribunais, onde há problemas como falta de informações, diferentes linguagens para identificar o andamento de cada ação e até mesmo dificuldade de acesso ao estágio dos processos. É o caso de São José dos Campos (SP), cidade com 300 mil habitantes. “É uma comarca ainda não informatizada, da qual só temos informações pelas publicações da Justiça”, conta Stehling. “Isso faz com que as empresas atualizem seu contingenciamento com um descompasso ainda maior.” Para Fragata Jr., o risco é ainda maior nesses casos, já que geram passivos jurídicos sub-avaliados. “Há empresas que nem sabiam que tinham ações em determinada cidade”, afirma.

Outra dificuldade a ser contornada pelos escritórios são os bloqueios feitos pelos tribunais ao acesso dos chamados robôs em seus sistemas de acompanhamento online de processos. Os robôs são softwares que checam, de uma só vez, milhares de ações, automaticamente, sem ajuda humana. Esses programas assombram os departamentos de tecnologia da Justiça, já que sobrecarregam as redes e derrubam os sistemas. “A saída poderia ser a definição de horários fixos para consultas diárias, como fez o Tribunal de Justiça da Bahia”, sugere Fragata Jr. O advogado conta que o escritório fez um acordo com a Justiça baiana que permite a checagem com robôs das 22h às 6h, quando o acesso ao site do tribunal é menos frequente.

A saída encontrada tem sido a otimização dos softwares de gerenciamento jurídico, que já conseguem interpretar as informações de cada tribunal e avisar os escritórios sobre processos com maior chance de conclusão e de decisões que diminuem a possibilidade de prejuízos financeiros mais altos. O Fragata e Antunes trocará, nos próximos 30 dias, o antigo software jurídico de prateleira por um novo sistema customizado, em desenvolvimento há um ano. O programa interligará via web todas as bases de dados do escritório, que tem unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Feira de Santana. “O sistema é online há cinco anos, mas os avisos do andamento dos processos eram feitos via e-mail a cada dez minutos. Agora, a base para consulta geral é toda em ambiente web”, explica Fragata Jr., que mantém um advogado e um estagiário dedicados apenas à análise dos relatórios emitidos pelo sistema.

“O acompanhamento é importante até para que a área jurídica da empresa alerte a área comercial sobre um produto que gere mais problemas que soluções”, diz Stehling. Segundo o advogado, os problemas mais sérios podem acontecer com clientes que trocam diversas vezes de advogado e transferem seus acervos. “Podem ocorrer soluções de continuidade, que é quando prazos são perdidos e a empresa sofre decisões contrárias por isso”, explica. “Só a tecnologia implantada evita isso.”

Advogado eletrônico

A tecnologia escolhida pelo Carlos Mafra de Laet Advogados para a tarefa foi o sistema Gestor Jurídico, desenvolvido pela empresa e-Xyon – Portal da Advocacia. O sistema, além de checar o andamento dos processos pelos tradicionais robôs, classifica os riscos em diversos níveis e emite relatórios após cada despacho da Justiça. Isso permite que montantes a serem pagos, prazos e chances de vitória sejam reavaliados constantemente. Os relatórios são emitidos com base nos chamados “eventos críticos” que aparecem nos andamentos dos tribunais. “Mas antes de fazermos isso, corrigimos inconsistências e inconformidades, como problemas em números e nomes de partes, no que chamamos ‘normalização e certificação’”, explica o gerente de negócios da e-Xyon, Victor Rizzo. A empresa trabalha com cinco advogados que analisam e aprimoram os critérios usados no programa, mas a equipe conta também com engenheiros, economistas, administradores, psicólogos e especialistas em marketing e tecnologia — ao todo, 40 pessoas —, que administram 1,3 milhão de processos.

Além de verificar os passivos jurídicos, o sistema também é útil para a recuperação de crédito, já que divide as demandas em esfera administrativa e judicial — o que inclui reclamações no Procon, impugnações de autuações fiscais ou cobranças extrajudiciais a consumidores. “A avaliação inclui também riscos de contratos, de imagem, de relacionamento com clientes e de descumprimento de regulamentos de agências reguladoras”, afirma Rizzo.

O gerente comemora os resultados positivos do sistema, criado em 2001 e reformulado em 2006. “Uma indústria comprovou, pelos relatórios, que seria melhor descontinuar um produto para evitar prejuízos”, conta. “Em outro caso, uma empresa conseguiu identificar uma falha no processo de negativação de clientes devedores e corrigiu o problema, evitando milhares de ações”. Segundo ele, os departamentos jurídicos têm podido participar mais das decisões estratégicas da empresa, além de permitir orçamentos mais folgados com a limpeza das reservas de contingência. “Houve casos em que as provisões estavam 28% acima do necessário”, afirma.

A e-Xyon fornece o programa a 30 empresas e escritórios, entre eles Xerox, Unibanco, o grupo Abril, Bombril, Banco Safra, Banco Real, Unibanco, a construtora WTorre, a consultoria Dannemann Siemsen e a Companhia Brasileira de Multimídia, dona do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil. “Passamos a investir também em clientes de médio e pequeno porte desde 2007”, diz Rizzo.

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