Garantia caduca

Títulos da Eletrobrás não garantem execuções fiscais

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28 de janeiro de 2009, 2h50

O processo de execução encontra-se apoiado em dois pilares básicos, que são o da finalidade precípua de satisfação do credor (artigo 612 do CPC) e o princípio de que essa satisfação deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor (artigo 620 do CPC).

A nomeação pelo devedor, sem dúvida, possibilita a operacionalização do princípio previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil — favor debitoris — enquanto a possibilidade de recusa pelo credor privilegia o disposto no artigo 612 do mesmo diploma legal.

A harmonização destas disposições dá-se na medida em que a recusa não impeça o devedor de promover a execução de uma forma menos gravosa para si; segundo esse raciocínio, portanto, a recusa deve ser justificada e razoável.

A razoabilidade da recusa, por sua vez, encontra suporte especialmente quando o bem oferecido pelo devedor seja de difícil alienação ou de liquidação duvidosa, ou seja, quando o bem acabe por importar mais em um obstáculo à satisfação do direito do credor, que em um meio de entregar-lhe seu direito.

Nos termos do artigo 9° da LEF, o executado poderá, em garantia da execução nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11 da LEF. Obviamente que esse direito não é absoluto, pois o Juiz e o exeqüente não podem se sujeitar aos caprichos do executado, pois "realiza-se a execução no interesse do credor" (artigo 612 do Código de Processo Civil), aceitando "cegamente" qualquer bem ou direito que o devedor oferece para constrição.

Em sede de execução, deve-se buscar o equilíbrio entre os princípios da utilidade da execução e da menor onerosidade, sem prejuízo para aquele que tem o seu favor o título executivo.

É justamente por esse motivo que o ônus da prova na impugnação dos bens nomeados, conforme leciona Araken de Assis, ‘é de quem alega. Ao credor compete provar p. ex. a existência de bens no foro da execução (artigo 656, III) ou de bens livres e desembaraçados (artigo 656, IV). Toca-lhe demonstrar, ainda, a possibilidade de penhora em classe superior de bens, ou seja, a infração à ordem legal’ (Manual do Processo de execução, Ed. RT, 8ª edição, p. 599).

Apesar disso afigura-se indevido aceitar para fins de penhora a nomeação de bens consistentes em debêntures emitidas pela Eletrobrás cujo requisito da liquidez não lhe é intrínseco.

É sabido que, se, por um lado, é bem certo que juridicamente possível é, sim, a nomeação à penhora ou a penhora forçada de quaisquer títulos de crédito (no caso, debêntures ou “obrigações ao portador”) — sejam os enquadráveis no artigo 11, II, da LEF, sejam os enquadráveis no artigo 11, VIII, da LEF. Por outro lado não menos certo é que, não tendo cotação em bolsa, sua nomeação pode ser licitamente recusada pelo credor e, assim, de modo igualmente lícito, rejeitada pelo juízo da execução sem que isso implique peremptória violação ao princípio da menor onerosidade. Este, como bem se sabe, deve sempre ser interpretado e aplicado cum grano salis, pois, no processo de execução, o interesse prevalente é o do credor e não o do devedor.

Assim, nada obstante os títulos de crédito serem passíveis de penhora em sede de processo de execução, sua nomeação pode ser licitamente recusada pelo credor e rejeitada pelo juízo quando, verbi gratia, verificada sua “duvidosa liquidez” ou “difícil liquidação”, qualidade negativa notadamente verificável na hipótese de o título apresentado revelar-se desprovido de cotação em bolsa.

Nesse sentido, e, aliás, especificamente a “duvidosa liquidez” de debêntures ou “obrigações ao portador” emitidas pela Eletrobrás em decorrência da instituição de empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de energia elétrica (artigo 4º, da Lei 4.156, de 28.11.1962) já restou reiteradamente conhecida no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode conferir, por oportuno, dos seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE BEM PENHORADO. TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA. RECUSA JUSTIFICADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

1. Os Títulos que consubstanciam obrigação da Eletrobrás revelam-se impróprios à garantia do processo de execução, posto de liquidação duvidosa. Precedentes jurisprudenciais.

2. A exegese do artigo 656 do CPC torna indiscutível a circunstância de que a gradação de bens visa favorecer o credor/exeqüente, porquanto a nomeação pelo executado só é válida e eficaz se obedecer a ordem legal e houver concordância daquele.

3. Agravo regimental desprovido.” (STJ, Primeira Turma, AgRg no REsp n.º 669.458/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, j. em 19.04.2005, unânime, DJU de 16.05.2005, p. 254)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TÍTULOS DA ELETROBRÁS (ARTIGO 4º DA LEI 4.156/62). AUSÊNCIA DE COTAÇÃO EM BOLSA. LIQUIDEZ DUVIDOSA. INAPTIDÃO PARA EXTINGUIR CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR MEIO DE COMPENSAÇÃO.

1. Como título mobiliário representativo de mútuo, é certo que a debênture assemelha-se aos títulos emitidos pela Eletrobrás. No entanto, tais institutos não se confundem, pois os títulos emitidos em decorrência da instituição de empréstimo compulsório, que se caracteriza como espécie tributária, são sujeitos a regime jurídico próprio, no que diz respeito à emissão, incidência de juros, prazo de resgate e prescrição. Ressalte-se que, em virtude da época em que foram emitidos, há discussão acerca do resgate de tais títulos.

2. Assim, tratando-se de títulos que não possuem cotação em bolsa e cuja liquidez é duvidosa, é imperioso concluir que não são aptos a garantir dívida fiscal, tampouco a extinguir crédito tributário por meio de compensação.

3. Recurso especial desprovido.”

(STJ, Primeira Turma, REsp n.º 753.704-RS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, j. em 04.12.2007, unânime, DJU de 17.12.2007, p. 126)

De outro lado, a seriedade da oferta é duvidosa. Vem se percebendo a partir de análise de julgados oriundos do Superior Tribunal de Justiça que boa parte das apólices oferecidas pelos contribuintes remotam aos anos das décadas de 60, 70 e 80 do século passado e ai indaga-se: Se as mesmas fossem válidas por que razão o credor não procurou recebê-los?

Sucede que tais títulos estão prescritos (ou caducos) há muito tempo, não sendo possível a sua aceitação pelo fisco.

Por fim, tais títulos não contêm cláusula de correção monetária; dessa forma avaliações realizadas unilateralmente pelos contribuintes/executados, data venia carecem de credibilidade.

Nessas circunstancias conclui-se pelo acerto das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que reiteradamente vem rejeitando essa forma de garantia, sendo plausível a sua rejeição por parte da Fazenda Pública.

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