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Também é dever do advogado intervir na economia

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28 de janeiro de 2009, 11h08

O editorial do dia 23 de janeiro do jornal O Estado de S. Paulo, por sua objetividade e clareza, faz-nos refletir sobre a crise atual, nomeadamente, quanto à preocupação, nada risível, das “reduções entre 0,05 e 0,08 ponto na taxa mensal” de juros, com a manutenção dos “custos escorchantes, em geral superiores a 4% ao mês e, nos piores casos, acima de 8%.”

Aponta, ainda, que os banqueiros “não diminuíram os enormes spreads, a diferença entre o custo pago na captação do dinheiro e o preço cobrado na concessão de empréstimos”. Estes, como sabemos, deveriam ser fomentadores da atividade produtiva — bens e serviços — com a concessão de créditos.

Lamenta o editorial que “líderes empresariais, dirigentes sindicais e políticos de todos os partidos” focam suas baterias contra o Banco Central, deixando de lado qualquer insurgência às instituições bancárias, integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Não seria demais recordarmos que o setor secundário da economia — transformador de matérias primas — é o gerador de renda da sociedade, que, por transferência, é a mesma direcionada aos demais setores — primário (atividades agro-pecuárias) e terciário (de serviços).

A atividade produtiva necessita de crédito para o seu desenvolvimento. Sem crédito, é praticamente impossível a produção e a circulação de bens e serviços.

Substancialmente, as políticas econômicas visam, ou pelo menos deveriam estar voltadas, à produção de bens, sobre a qual, em nosso entender, seria recomendável que não incidisse qualquer tributo. Isto, contudo, está muito longe de acontecer. Bens materiais que necessita a sociedade para satisfação de suas necessidades, como bem salientou Karl Marx, no “Capital”.

Privilegia-se, como ressalta o editorial, não somente nas entrelinhas, a atividade financeira. A inexistência de limites dos “spreads” , sempre crescentes, enfraquece os demais setores da economia, notadamente, o de geração de renda.

Se nem o Executivo e nem o Legislativo ousam tomar posições para evitar a deterioração da economia brasileira —cada vez mais inserida no mundo globalizado — resta ao Judiciário promover, neste particular também, a defesa da própria sobrevivência da sociedade, impulsionando com firmeza a jurisprudência para adequá-la à realidade atual, marcando indelevelmente o escopo de superação da crise que nos assola.

Torna-se necessária a coibição dos germes destruidores das atividades econômicas. Insere-se, neste contexto, a revisão da Súmula 596 do STF que, em última análise, não coloca qualquer freio nos juros aplicáveis ao financiamento da produção de bens e serviços. O revigoramento da Súmula 121 do mesmo Pretório Excelso nunca se fez tão presente.

Aceita-se, ao arrepio da sistemática jurídica vigente no país, que os contratos bancários, qualquer que seja a natureza — empréstimo, abertura de crédito, financiamentos em geral, simples confissões de dívida “consolidadas” unilateralmente — sejam revestidos e impostos como “cédulas de crédito bancário” — redigidas pelas instituições financeiras, mas para serem “emitidos”, ou seja, simplesmente assinados, pelo clientes. Foram erigidas como título executivos extra-judiciais, em que se permite a capitalização mensal e até mesmo diária de juros. Estes, no geral, estratosférios!

Princípios contratuais são simplesmente postos de lado. O consentimento é substituído pelo ato de aderir ao instrumento adrede preparado e impresso. A liberdade de contratar é reduzida à sua própria negação. Ou se aceita as cláusulas e os elevadíssimos juros (inimagináveis em qualquer outro país) ou não se tem o almejado crédito propulsor do desenvolvimento econômico.

Nem no passado e muito menos na presente crise financeira, não se pode admitir qualquer favorecimento do setor bancário em detrimento dos setores de produção de bens e de serviços. O Governo tem procurado estimular a concessão de créditos. Mas, à sensível redução, por exemplo, dos chamados depósitos compulsórios no Banco Central, os bancos responderam, segundo se tem notícias, com a aquisição de títulos governamentais. O que restou foi a ampliação das exigências para a concessão de empréstimos ao setor privado.

Coibir certas práticas que são impostas, não raro, com abuso da situação de dependência como se encontram as empresas diante da crise financeira, está na base da ora sugerida revisão da Súmula 596 do STF e ainda na subsunção dos contratos bancários ao crivo do Judiciário.

Como podemos conceber taxas de juros anuais, fora os demais encargos, várias e várias vezes superiores à renda gerada pela economia, sob a mais absurda alegação de que a taxa remuneratória, além de proporcionar lucro — “spread” desmedido — deverá compreender “os riscos da inadimplência, neles incluídos os custos da Justiça para cobrar dos devedores morosos” (Arnold Wald- in Revista Jurídica 362-dez-2007). Fossem adequadas tais taxas, obviamente não haveria tanta inadimplência!

Se a Justiça deve estar sempre rente à realidade, como assevera o Prof. Kazuo Watanabe, resta a ela intervir nessas situações, evitando-se um desastre maior. Está em jogo, como diz o editorial, “a saúde da economia brasileira, com riscos muito graves para milhares de empresas produtivas e milhões de trabalhadores dependentes de um salário no fim do mês”

Entretanto, nesta árdua tarefa, hão de ser convocados todos os operadores do Direito. A responsabilidade é de todos.

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