Defesa de prerrogativas

OAB paulista defende advogados processados em MS

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27 de janeiro de 2009, 19h32

Depois de sofrerem um bombardeio de ações de indenização e denúncias de crime contra a honra, oito advogados paulistas processados mais de 170 vezes pela mesma pessoa receberam nesta terça-feira (27/1) o apoio da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. Um ofício assinado pelo presidente da seccional, Luiz Flávio Borges D´Urso, e pelo presidente da Comissão de Prerrogativas, Sergei Cobra Arbex, atendeu a um pedido de auxílio feito pelos advogados, que protestam contra o elevado número de ações ajuizadas contra eles na Justiça de Mato Grosso do Sul apenas pelo empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura.

Agora, a Ordem fornecerá assistência jurídica aos profissionais. O pedido foi assinado pelos advogados Carla Rahal Benedetti, Fernando Eduardo Serec, Antônio Marzagão Barbuto Neto, Lucas Gaspar de Oliveira Martins, Fabrício Peixoto de Mello, Giuliano Pretini Bellinatti, Fernanda Villares Escobar e Paulo Carvalho Caiuby.

No despacho, os presidentes solicitam ao presidente da seccional sul-mato-grossense da entidade que nomeie advogados da região que se responsabilizem pela defesa dos advogados paulistas na Justiça. Pede também uma ação conjunta para entrar com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. O HC irá requerer o trancamento de todas as ações em curso movidas por Bottura contra os advogados. “É uma ação orquestrada para abalar os profissionais”, afirma Arbex. Ele, no entanto, negou o pedido dos reclamantes para que a Ordem mova processo pedindo indenização por danos morais contra os acusados. “A OAB não tem legitimidade para pedir indenização por danos morais”, explica. A Representação protocolada sob o número 15.066 corre em sigilo.

O caso deve chegar ainda no Tribunal de Ética da Ordem. O presidente da Comissão paulista de Prerrogativas encaminhou um pedido para que a Comissão de Ética do estado avalie se houve comportamento irregular por parte dos advogados que representam Bottura nos processos. “Mas a função da Comissão de Prerrogativas é defender os advogados, e não acusá-los”, diz.

Ainda não comunicada do despacho, a OAB de Mato Grosso do Sul já tomou medidas contra a artilharia do empresário. A juíza Maria Elizabeth Weiler, titular da Comarca de Anaurilândia, aceitou todos os processos ajuizados por Bottura, mas foi declarada suspeita pelo TJ-MS e não pode mais julgar ações envolvendo o empresário. O caso chamou a atenção da OAB, que agora acompanha de perto os passos da juíza, já condenada por improbidade administrativa pelo tribunal estadual em ação movida pelo Ministério Público em relação a fatos de quando ela ainda era titular da comarca de Caarapó. Na época, com a decisão, ela acabou sendo removida para Anaurilândia.

Segundo o presidente da seccional da OAB-MS, Fábio Trad, a entidade nomeou o advogado Márcio Torres para fazer um levantamento do histórico da juíza, que servirá de fundamento para possíveis representações no Conselho Nacional de Justiça e na Corregedoria-Geral de Justiça do estado. O resultado da apuração será apresentado ao Conselho Seccional no dia 27 de fevereiro. "A OAB-MS confia nos propósitos do Judiciário estadual, de forma que não permitirá que em seus quadros permaneça alguém que macule a honra e a dignidade da judicatura no Estado". Para ele, ao afetar a qualidade moral da prestação jurisdicional, as atitudes da juíza prejudicam também os advogados.

Em uma das ações, Bottura denunciou até mesmo uma juíza de São Paulo. Ana Luiza Liarte, titular da 8ª Vara Cível do Foro Central da Capital, foi alvo de uma queixa-crime por ordenar que blogs, atribuídos ao empresário, que ofendiam a família da ex-mulher, fossem tirados do ar. Margarida Weiler aceitou o ajuizamento da ação, mas depois voltou atrás, se dando conta da falha. “Trata-se de um equívoco imperdoável, não perceber ao despachar a inicial (entre inúmeras outras queixas-crime propostas pelo mesmo querelante, contra diversas pessoas), que a querelada é Juíza de Direito no Estado de São Paulo”, afirmou a juíza em despacho.

Uma representação contra Margarida já corre no CNJ, mas ainda não foi julgada. A ação foi movida pelos advogados da família que dirige a construtora Bueno Netto, que pedem liminarmente que ela seja afastada de qualquer processo ligado à família.

Margarida Weiler responde ainda a processo movido pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que a acusa de nove crimes: abuso de autoridade, redução à condição análoga a de escravo (por três vezes), peculato, extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, prevaricação (por 16 vezes), tráfico de influência, fuga de pessoa submetida a medida de segurança e exploração de prestígio. O processo, de número 2008.10000022876, está em segredo de Justiça. Segundo as denúncias, ela teria nomeado e exonerado juízes de paz desmotivadamente, decretado prisão civil sem que houvesse títulos de dívida, e deferido medida cautelar em favor da filha, que teve um carro apreendido. Teria também mantido, trabalhando em sua casa, detentos condenados à prisão em regime fechado, sob remuneração de meio salário mínimo, e facilitado a fuga de um deles.

Em 2002, o TJ-MS rejeitou as denúncias, mas foi obrigado a instaurar o processo depois de um recurso especial do MP ser aceito no Superior Tribunal de Justiça. Margarida Weiler recorreu no próprio STJ, e depois no Supremo Tribunal Federal, mas ambas as tentativas foram frustradas. O caso ainda é julgado pela corte estadual.

Unidos pelo destino

O caso envolve uma briga que tem tumultuado os tribunais do país. Assim que seu processo de separação começou, Luiz Eduardo Bottura — que atua no ramo de venda de produtos pela internet e é investigado em São Paulo, Tocantins e Mato Grosso do Sul por lesar consumidores — passou a usar a Justiça para tirar o sono da ex-mulher e do ex-sogro, Patrícia Bueno Netto e Adalberto Bueno Netto, proprietários de empreendimentos imobiliários de luxo em São Paulo. Desde então, nem mesmo os advogados dos desafetos escapam. Cada peça escrita por um defensor de Patrícia e Adalberto é respondida com uma ação de difamação ajuizada por Bottura.

Mas, apesar da iniciativa, a estratégia só deu certo por ter sido disparada de um pequeno município em Mato Grosso do Sul, a cidade de Anaurilândia. Lá, Bottura se deparou com a juíza Maria Elizabeth Weiler, titular da comarca, que, segundo os advogados dos Bueno Netto, mantinha relação estreita com o advogado Eduardo Garcia da Silveira Neto, defensor do empresário. A juíza não só aceitou todas as ações ajuizadas por Bottura — equivalentes a um quarto das 600 ações em tramitação na comarca —, como concedeu diversas liminares favoráveis, sem mesmo ouvir as partes contrárias.

Bottura só sofreu um revés em primeiro grau — justamente quando a juíza Margarida Elisabeth Weiler, titular da Vara e do Juizado Especial Cível, estava ausente. O juiz substituto Cássio Roberto dos Santos julgou ineptas as petições iniciais de dois processos e decidiu que a comarca de Anaurilândia não era o foro adequado para processar outras três ações. Depois que Margarida Weiler voltou à ativa, a boa sorte do empresário ressurgiu.

Em pouco menos de um ano, Margarida acolheu e deu andamento a mais de 200 processos ajuizados por Bottura. No primeiro deles, uma Medida Cautelar de Alimentos e Arrolamento de Bens proposta em 7 de novembro de 2007, antes de mandar ouvir a parte contrária na ação, a juíza fixou pensão de R$ 100 mil em favor de Bottura — que deveria ser paga pelo ex-sogro. Também mandou apreender diversos bens na casa e no escritório dos Bueno Netto em São Paulo e determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do ex-sogro e da ex-mulher do empresário, e dos familiares e empresas daqueles, mas a decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Até mesmo a Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) foi processada na Vara de Anaurilândia, por rejeitar o registro de instrumentos das empresas de Eduardo Bottura.

Ao conceder a primeira medida cautelar numa ação que pedia o arrolamento de bens da família Bueno Netto e pensão alimentícia em favor do empresário, Margarida Weiler destacou o “brilhantismo acadêmico” do autor, e seu “grande potencial empreendedor”. Já em relação à divergência entre Bottura e seu ex-sogro, Adalberto Bueno Netto, quanto à divisão do capital da sociedade empresarial que havia entre os dois, a juíza afirmou, na mesma decisão, que a resistência do pai de Patrícia era o efeito do que “acontece quando o discípulo [Eduardo Bottura] supera o mestre [Adalberto] ou dele tenta se libertar para caminhar sozinho”. A sociedade, chamada Golf Village, é dona de empreendimentos imobiliários em São Paulo, e tem patrimônio aproximado de R$ 1,7 bilhão.

No dia 15 de janeiro, Bottura foi preso pela Polícia Civil de Mato Grosso do Sul por falsificação de documentos, segundo o site do órgão. De acordo com os advogados da ex-mulher do empresário, Bottura teria apresentado uma petição passando-se por advogado da ex-esposa, forjando um pedido para que o processo de separação e arrolamento de bens fosse encaminhado à comarca de Anaurilândia. A situação motivou uma denúncia do Ministério Público estadual. Entre as acusações, estariam também a do uso de uma mesma guia de recolhimento de custas judiciais em diversos processos ajuizados pelo empresário.

[Notícia alterada em 28/01/2009, às 18h37, para acréscimo de informações, e em 23/07/2010, às 21h32, para correção de informações].

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