Consultor Jurídico

Presos voltam à sociedade graças a iniciativa da Justiça no sul do país

25 de janeiro de 2009, 4h02

Por Rodrigo Tavares

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Há quatro meses, Maria Cristina Silva Corrêa, 47 anos, trabalha colocando parafusos dentro de embalagens na Cooperativa Social de Egressos Laborsul — instituição que dá emprego para apenados. Ela foi condenada a oito anos por tráfico de drogas e cumpriu pena em regime fechado durante quatro anos e meio, até ganhar a liberdade condicional. Hoje, tem registro na carteira de trabalho e ganha de acordo com a quantidade de serviço prestado. Essa é a realidade de 12,4 mil pessoas dentro de um universo de 27,5 mil que cumprem pena atualmente no Rio Grande do Sul, segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe/RS).

CNJ

A oportunidade de trabalho para condenados só é possível graças ao Projeto Trabalho para Vida, idealizado pela Corregedoria-Geral da Justiça e por juízes gaúchos. O projeto tem o respaldo de um parecer do juiz-corregedor Jorge Ademar Finatto. “Não temos dúvidas sobre os enormes benefícios do projeto, na medida em que, pela via meritória do trabalho e do ensino, acalmará e dará esperança de vida melhor a milhares de presos de nosso estado. E, principalmente, devolverá à sociedade indivíduos úteis, que não voltarão a delinquir em sua grande maioria”, afirma Finatto em seu parecer.

“Todo mundo pensa positivo aqui. Está todo mundo lutando para sobreviver. É difícil enfrentar o mundo aqui fora sendo uma ex-presidiária. Mas, desde que saí, nunca pensei no crime como solução”, afirma Maria, que, segundo ela, foi presa no lugar de seu namorado, que traficava drogas. Maria perdeu o estabelecimento onde vendia gás de cozinha e uma lanchonete. Em 2000, ela começou a namorar um homem que comandava o tráfico de drogas em Sapucaia do Sul, cidade próxima a Porto Alegre. Ele aproveitou a lanchonete de Maria para usar de ponto de venda de drogas. A polícia pediu que Maria se afastasse dele ou, caso contrário, seria presa. O que aconteceu. Ela foi presa e o traficante, não. “Eu fui presa no lugar dele. Enfrentei tudo sozinha. Ele preferiu fugir e me deixar ir presa”, disse.

A família de Maria não aceitou sua prisão e a abandonou. Na audiência em que pleiteava a condicional, ela contou que não tinha ninguém para lhe ajudar fora da penitenciária. Foi quando o juiz lhe indicou a Laborsul. Com o serviço que ela faz na cooperativa, Maria vive de aluguel e sustenta um filho de 14 anos.

A Laborsul é uma das três cooperativas que trabalham junto ao Programa Trabalho para Vida. As outras duas são a Esperança, de São Sepé, interior do Rio Grande do Sul, e a Cootrajoba, localizada em Pedro Osório, também no interior do estado. Em todas elas, os apenados trabalham com registro em carteira. “Todas as cooperativas passam pela junta comercial e adquirem o CNPJ. Elas pagam todos os tributos que a Secretaria da Fazenda exige”, afirma Nilsa Figueiredo, que é membro do conselho deliberativo da Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul (OCERGS). “Aqui não perguntamos que crime ele cometeu. Queremos saber o que ele sabe fazer e como ele pode nos ajudar”, diz Nilsa.

Esse tipo de benefício com os presos começou em 2000, dentro da Corregedoria-Geral, com o objetivo de ressocializar egressos do sistema prisional. Segundo o juiz-corregedor Márcio André Keppler Fraga, coordenador do Trabalho para Vida, os apenados recebem dinheiro pelo serviço e diminuem a pena: para cada três dias trabalhados, um a menos na pena. “Os presos receberam muito bem o programa. Isso pode ser visto pelos números. Existe uma grande demanda querendo trabalhar para um número pequeno de vagas”, disse. Segundo a Susepe, no Rio Grande do Sul, são 92 estabelecimentos prisionais, entre penitenciárias, presídios e albergues. São 27.524 presos. Desse total, 12.467 trabalham em cooperativas, em algumas prefeituras, em empresas que admitem apenados e dentro dos presídios, como cozinheiro e faxineiro, entre outros cargos.

Começar de novo
Esse tipo de iniciativa isolada acontece também em outros estados e cidades que abrigam presídios. Mas, no final de 2008, o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal iniciaram uma campanha nacional de incentivo à recolocação, no mercado de trabalho e na sociedade, dos presos libertados após cumprir pena. A campanha chama-se Começar de Novo. Em rádios e emissoras de televisão são divulgadas propagandas estimulando empresários de todo o país a contratarem ex-presidiários.

Os resultados do programa já começaram a aparecer. No Maranhão, os ex-detentos terão a oportunidade de fazer um curso de corte e costura no Senai. “O que existe é uma ideia junto com uma disposição forte do ministro Gilmar Mendes de concretizar e mudar essa mentalidade que existe no país para que o programa funcione. Porque não há possibilidade de diminuir a criminalidade se o poder público e a sociedade não criarem condições de receber essas pessoas de volta”, afirma Marcelo Martins Berthe, juiz auxiliar da presidência do CNJ. “É evidente que um percentual não tem como resgatar, mas a maioria é possível. As pessoas não estão estragadas”, conclui.