Dupla incriminação

Crimes atribuídos a Battisti prescrevem com anistia

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25 de janeiro de 2009, 5h11

Os quatro homicídios atribuídos pela Justiça da Itália ao ex-militante comunista Cesare Battisti são anteriores à Lei da Anistia (6.683/79). Com isso, a sua extradição significa uma dupla incriminação. O argumento é do advogado e ex-governador do Rio de Janeiro, Nilo Batista, em parecer feito a pedido da defesa de Battisti.

O texto do advogado, que ganhou notoriedade nos anos 70 como defensor de presos políticos, foi escrito em maio do ano passado para ser anexado ao processo de Extradição que corre no Supremo Tribunal Federal. No dia 13 de janeiro, o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio político ao italiano, por entender que existe "fundado temor de perseguição”. O Supremo agora debaterá legalidade da decisão de Tarso. A decisão do ministro desagradou o governo italiano

“O princípio da dupla incriminação proíbe a extradição de alguém cuja conduta, no país requerido, teve sua punibilidade (rectius, sua criminalidade) extinta pela anistia. Os delitos atribuídos a Cesare Battisti são anteriores à Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979. Todos os indivíduos, brasileiros ou estrangeiros, que os praticaram até aquela data — e tivemos, conforme mencionado, inúmeros casos — foram anistiados”, argumenta o professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os assassinatos foram cometidos em junho de 1977 e em fevereiro e abril de 1979.

Além disso, Nilo Batista argumenta que é notória a militância política de Battisti. Segundo ele, isso evidencia que a condenação à prisão perpétua por quatro homicídios teve viés político. O professor diz que o primeiro-ministro Silvio Berlusconi é de uma linha política próxima ao governo italiano dos anos 1970. Só esse fato torna impossível a extradição, diz.

“Será juridicamente admissível que possamos entregar Cesare Battisti à República Italiana, justamente quando uma inquietante nostalgia da falange fascista paira sobra a península, porém estejamos impedidos de punir qualquer dos brasileiros que, aqui ao mesmo tempo em que ele lá, praticaram sua mesma conduta?”, questiona.

Para Nilo Batista, um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, não deve prescindir de observar de forma escrupulosa o princípio da dupla incriminação. Para ele, toda restrição a esse princípio é inconstitucional. “Sem isto, já a simples prisão provisória do extraditurus pareceria abusiva, sendo, como frisou [o jurista alemão Heinrich] Grützner, ‘particularmente inaceitável (notamment inacceptable) que o Estado possa prender alguém para fins de extradição por um fato que, se houvesse sido cometido em seu território (dans ce pays), não poderia ensejar uma prisão preventiva’”, argumenta.

O terceiro argumento do ex-governador são os vícios formais do pedido de Extradição do governo da Itália. Segundo o professor, foi omitido por exemplo a primeira condenação de Battisti por conspiração por particiipar de "organização subversiva". Para ele, a decisão foi “omitida entre os documentos apresentados pelo Estado requerente por repreensível negligência na melhor hipótese ou lastimável violação do dever de verdade processual na pior”.

"A extradição de Cesare Battisti representaria um enorme equívoco, que por certo nossa Corte Suprema não cometerá. Um erro de interpretação jurídica permite, excluída a pena de morte, revisão, correção e até indenização; mas um erro de interpretação histórica costuma levar a resultados escabrosos”, afirma.

Nilo Batista cita o caso em que o Supremo não deu Habeas Corpus para Olga Benário em 1936. A então mulher do líder comunista Luís Carlos Prestes foi enviada à Alemanha nazista, onde foi morta em um campo de concentração.

Uma questão fundamental para se decidir a concessão ou não da extradição é saber se o que motivou o pedido é crime político ou crime comum. No caso de crime político não cabe a extradição e justifica-se o refúgio. Para Nilo Batista cabe ao país requerido — e não ao requerente — definir a questão. E foi isso que fez o ministro Tarso Genro ao conceder o refúgio a Battisti: considerou que o crime pelo qual foi pedida a extradição tem caráter político. 

Na sexta-feira (23/1), a defesa protocolou um Agravo de Instrumento no Supremo pedindo a soltura de Battisti. No mesmo dia, o governo da Itália protocolou pedido de vista do processo de Extradição. A Itália quer ser ouvida sobre o pedido de liberdade feito depois que o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio político a Battisti.

O advogado Antonio Nabor Areias Bulhões, que defende o governo italiano, garantiu que o processo não será julgado assim que o Supremo voltar ao trabalho, em 2 de fevereiro, já que pediu vista do processo. Segundo ele, as condenações de Battisti por quatro homicídios foram legítimas tanto na questão material quanto formal. “A decisão do Tarso é absurda e não se sustenta”, afirmou.

Battisti está preso preventivamente desde março de 2007 no Presídio da Papuda, em Brasília. Com 52 anos, ele é ex-dirigente dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo extremista que atuou na Itália nos anos 60 e 70. Ele foi condenado à prisão perpétua à revelia na Itália por quatro homicídios cometidos pelo PAC entre 1977 e 1979. Ele nega as acusações.

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