Duplo grau de jurisdição

Concessão de duplo efeito ao recurso em MS é legítima

Autor

  • Luís Marcelo Algarve

    é professor universitário assessor de desembargador do TJ-RS mestre em Direito pelo Uniritter especialista em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil e em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público e bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo.

25 de janeiro de 2009, 4h23

A legislação processual dispõe que o magistrado de primeiro grau, ao receber a apelação, dirá qual o efeito que será a ela atribuído. No Mandado de Segurança, preceitua o parágrafo único do artigo 12 da Lei 1.533/51 que, em regra, “a sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente”. (grifamos)

Da leitura do dispositivo acima, depreende-se que a sentença em Mandado de Segurança que conceder o direito líquido e certo será recebida no efeito devolutivo (“ser executada provisoriamente”). Logo, a atribuição tão-somente de efeito devolutivo ao recurso de apelação em Mandado de Segurança alcança as hipóteses de concessão da segurança, conforme determina o parágrafo único do artigo 12 da Lei 1.533/51. Essa é a regra na hipótese de concessão do writ.

Veja-se que o caput do artigo 12, da Lei 1.533/51, não pode ser desprezado na interpretação feita acima, pois a sua leitura é fundamental para compreender a sistemática incorporada pelo legislador na atribuição do efeito recursal ao mandamus. Isso porque diz o caput que: “Da sentença, negando ou concedendo o mandado cabe apelação” (grifamos)

Percebe-se que o caput do artigo 12 é genérico ao prever o recurso de apelação em casos de improcedência e procedência do writ. Contudo, o parágrafo único do artigo 12 é específico ao prever a atribuição de efeito devolutivo (“ser executada provisoriamente”) apenas no caso de concessão do mandado.

Disso resulta que nos casos em que denegada a segurança, a exceção (atribuição de efeito suspensivo à apelação) vira a regra e o efeito suspensivo pode ser concedido no momento do recebimento da apelação pelo magistrado a quo.

Simultaneamente, a nova sistemática recursal do Código de Processo Civil respalda plenamente a concessão do efeito suspensivo à apelação do mandamus, desde que haja flagrante ilegalidade ou abusividade ou possibilidade de provocação de dano irreparável ou de difícil reparação.

O artigo 520 do CPC determina que a regra, em se tratando de recebimento da apelação, é a atribuição de duplo efeito ao recurso.

No inciso VII do artigo 520 do CPC, com redação dada pela Lei nº 10.352/2001, verifica-se que nas hipóteses de confirmação da antecipação dos efeitos da tutela, a apelação será recebida somente no efeito devolutivo.

No caso em que denegada a segurança, onde a sentença de primeiro grau não confirma a antecipação dos efeitos da tutela concedida liminarmente, pelo contrário, a sentença revoga expressamente a liminar, é razoável a atribuição de duplo efeito ao recurso de apelação.

Assim, é inevitável que a revogação expressa da liminar conduza ao recebimento do apelo em seu duplo efeito, nos termos da regra geral do caput do artigo 520 do CPC, o que impossibilita a atribuição de efeito apenas devolutivo, conforme se extrai do inciso VII do artigo 520 do CPC.

Conforme Alcides Mendonça Lima[1], “o recurso dirigido contra a sentença denegatória do mandado de segurança deve ser recebido em seu efeito suspensivo, sendo certo que esse efeito suspensivo representa a suspensão, inclusive, da decisão revogatória da liminar”.

Cássio Scarpinella Bueno[2] afirma que “concedida a liminar em mandado de segurança, não se pode imaginar como possa o juiz de primeiro grau revogá-la e, por este meio, tornar inútil o provimento do recurso, mas se o fizer, ou seja, revogar a liminar na sentença, deverá, necessariamente, receber o recurso no efeito suspensivo e aplicá-lo em relação à liminar, perpetuando-a”.

A concessão da liminar pelo juiz de primeiro grau geralmente ocorre porque vislumbrada a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora ou porquanto constatados indícios de flagrante ilegalidade ou abusividade no ato da parte impetrada, o que justifica a concessão do efeito duplo à apelação.


A tese da atribuição do duplo efeito à insurgência ordinária em mandado de segurança tem consistência no regime recursal atual, pois a suspensividade autorizada pelo caput do art. 558 do CPC é também aplicável ao recurso de apelação, conforme dispõe o parágrafo único do próprio art. 558 do CPC, desde que presentes os requisitos de relevância acima referidos.

A propósito, vale referir decisões recentes do STJ e do TRF da 4ª Região sobre o tema:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DEPÓSITO PRÉVIO. INEXIGIBILIDADE. RECENTE POSICIONAMENTO DO PRETÓRIO EXCELSO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA DENEGATÓRIA. EFEITO SUSPENSIVO. RELEVÂNCIA E PERIGO DA DEMORA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ.

1. A apelação interposta contra sentença que denega segurança será recebida no efeito devolutivo. Precedentes.

2. “Só em casos excepcionais de flagrante ilegalidade ou abusividade, ou de dano irreparável ou de difícil reparação, é possível sustarem-se os efeitos da medida atacada no mandamus até o julgamento da apelação” (ROMS 351/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro).

 

3. A aferição dos efetivos riscos de grave lesão ao patrimônio jurídico da recorrida demandaria a imprescindível incursão na seara fático-probatória constante do processo, o que é vedado na via estreita do recurso especial, ante o teor da Súmula 7/STJ.

4. No julgamento dos RE’s 389.383/SP e 390.513/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, a Suprema Corte, reiterando a orientação firmada no RE 388.359/PE, declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 126 da Lei nº 8.213/91, com a redação da Medida Provisória 1.608-14/98, convertida na Lei 9.639/98.

5. É ilegítima a exigência do depósito prévio de 30% do valor da exação para o protocolo de recurso administrativo.

6. Recurso especial não provido.

(STJ, RESP nº 1020786, 2ª Turma, Min. Castro Meira, julgamento em 27/05/2008, publicado em 06/06/2008)”

“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA DENEGATÓRIA. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. ATRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Embora a legislação especial (Lei 1.533/51) apenas deixe implícitos os efeitos da apelação contra sentença concessiva da segurança, é certo que, quanto à sentença denegatória, o mesmo raciocínio deve ser aplicado, até porque a sentença substitui eventual decisão liminar favorável à impetrante. Não se haveria como admitir que a decisão liminar fosse mantida mesmo diante de sentença em sentido oposto. Súmula nº 405 do STF. 2. Assim, em um primeiro momento, entender-se-ia incabível a suspensividade dos efeitos da sentença. Haveria, então, que se respeitar a decisão de primeiro grau e aguardar o pronunciamento acerca do recurso adequado, ou seja, a apelação, pois é de se ter em mente que, no momento em que o Juiz, em primeira instância, denega a ordem, termina a presunção de direito do autor estabelecida na decisão liminar.

3. Contudo, o artigo 558 do CPC estabeleceu que o relator do agravo de instrumento ou da apelação no efeito apenas devolutivo (art. 520 do CPC) pode dar efeito suspensivo ao recurso, desde que seja relevante o fundamento invocado e da execução possa resultar lesão grave e de difícil reparação, o que equivale dizer que a outorga de efeito suspensivo equivalerá, em determinadas hipóteses, a uma antecipação da tutela recursal.

Da leitura do artigo 527, III, do CPC, conclui-se também ser cabível antecipação de tutela recursal, desde que presentes os mesmos pressupostos para a concessão do efeito suspensivo. 4. Na hipótese, a fim de acautelar um futuro julgamento de procedência do pedido na ação mandamental, deve ser concedida em parte a tutela de urgência, a fim obstar a emanação dos efeitos da pena de perdimento. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF-4, AG 2008.04.00.023353-4, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 30/09/2008)”


“MANDADO DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APELAÇÃO. DUPLO EFEITO. Esta Turma tem-se manifestado no sentido de que o Procurador da Fazenda é autoridade coatora quando já está o débito inscrito em dívida ativa. Todavia, no presente caso, o Delegado da Receita Federal prestou informações e, mesmo que tenha alegado sua ilegitimidade, é ele, pela Teoria da Encampação, que deve prosseguir no pólo passivo dos autos.

Depreende-se da leitura contrario sensu do artigo 12 da Lei do Mandado de Segurança que a apelação interposta de sentença que põe fim ao mandamus, denegando-o ou extinguindo-o sem julgamento do mérito, será recebida somente no efeito devolutivo. Pode-se, contudo, emprestar também efeito suspensivo ao apelo quando, como no caso, poderá o débito ser executado, além do que não será fornecida a impetrante certidão de regularidade fiscal, fato que lhe ocasionará enormes prejuízos financeiros e de sobrevivência. (TRF-4, AG 2008.04.00.019698-7, Primeira Turma, Relator Vilson Darós, D.E. 16/09/2008)”

A concessão de liminar em processo judicial revela, sobretudo, fortes indícios de violação a direito líquido e certo da parte impetrante.

Na hipótese de não ser atribuído duplo efeito à inconformidade da impetrante, poderá tornar-se inócuo eventual provimento do recurso de apelação, uma vez que a recorrente já teria sofrido dano irreparável ou de difícil reparação ou ilegalidade ou abusividade em seu direito.

Ao denegar a segurança não está o juiz proferindo a derradeira apreciação jurisdicional sobre a postulação da parte impetrante, haja vista o princípio do duplo grau de jurisdição. Sua decisão ainda não é definitiva, por isso a premência da atribuição do duplo efeito.

O professor Helder Martinez Dal Col[3] leciona que:

“Assim, se ao julgar o feito, deixou de visualizar a fumaça do bom direito do postulante, não significa que este inexista por completo. O simples fato de o Tribunal ad quem poder revisar sua decisão e modificá-la na parte dispositiva, impõe um cuidado redobrado em relação ao direito cuja guarida outorgou via liminar, por entender presente o perigo de a demora na prestação jurisdicional protetiva tornar ineficaz a futura sentença que viesse a conceder a segurança.

Não sendo a decisão de primeiro grau de jurisdição definitiva, certo é que, interposto recurso de apelação, poderá a segurança, inicialmente negada, vir a ser concedida em sede superior.

Parece-nos claro que, acaso se pudesse cogitar do não recebimento da Apelação no efeito suspensivo, poder-se-ia estar perante uma situação de irreparável prejuízo para a parte, pois a vingar o recurso, o direito ameaçado estaria irremediavelmente comprometido, o que é inconcebível permita-se ocorrer.”

O festejado professor Ovídio Baptista da Silva[4] refere importante lição sobre o assunto, a saber:

“As liminares devem perdurar eficazes, mesmo que a sentença cautelar de mérito julgue improcedente a ação; assim como, em princípio, deve a medida decretada, ou confirmada, na sentença cautelar final, conservar-se eficaz, mesmo que a sentença do processo principal decida contra a parte que obtivera a proteção cautelar, também não pode deixar o direito litigioso sem qualquer proteção assegurativa durante a tramitação dos recursos, em muitos casos extremamente demorada, de tal modo que a reforma da sentença, nos graus superiores de jurisdição, poderia deparar-se com uma situação de prejuízo irremediável ao direito somente agora reconhecido em grau de recurso.”

Ainda, o professor Helder afirma que:

“Outro não é o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni, para quem, no Mandado de Segurança, "é inócua a revogação da liminar quando do proferimento da sentença, eis que a mesma (salvo os casos excepcionais do art. 520 do CPC) está sujeita a recurso a ser recebido e processado com efeito suspensivo. Para que a revogação seja eficaz, necessário que tal providência seja tomada antes do sentenciamento do feito, pelo proferimento de decisão interlocutória".

Nesse contexto, a concessão de duplo efeito ao recurso de apelação em mandado de segurança é legítima e razoável, pois só assim a parte atingida pela sentença denegatória poderá levar o caso a julgamento pelo tribunal e exercitar, em sua plenitude, o duplo grau de jurisdição e seus consectários, sem sofrer dano irreparável ou de difícil reparação.

[1] Efeitos do agravo de petição no despacho concessivo de medida liminar em mandado de segurança. Revista Forense 178/464, apud BUENO, Cassio Scarpinella, op. cit., p. 281.

[2] Liminar me mandado de segurança. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 276 usque 287.

[3] Os efeitos da apelação interposta em mandado de segurança quando o juiz, por ocasião da sentença, revoga a liminar . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2008

[4] Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993, v. III, p. 123.

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