Terror de Estado

Ativista prevê onda de ações contra Guantánamo

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25 de janeiro de 2009, 4h40

O fechamento da prisão da base naval americana de Guantánamo, em Cuba, a 144 km de Miami, anunciado esta semana pelo presidente Barack Obama, deve ser seguido por uma grande leva de ações civis indenizatórias contra o governo dos EUA. Os autores dessas ações serão os 240 homens de várias partes do mundo que estão presos há sete anos na base. A avaliação é do inglês Daniel Gorevan, membro da organização de defesa dos Direitos Humanos  Anistia Internacional e responsável pela campanha Contra-terrorismo com Justiça, que visa coibir os abusos contra os presos em Guantánamo. Gorevan falou por telefone, de Londres, à revista Consultor Jurídico.

“Todos me perguntam se o ex-presidente George W. Bush e seu ex-secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, podem ser levados à Corte Internacional de Haia, sob acusação de crimes de guerra. Não acredito que isso ocorra. Os Estados Unidos têm agora a obrigação de eles mesmos apurarem tudo isso.

Ele lembra que a própria ONU já se manifestou nesse sentido. Nesta quinta-feira (22/1), o relator das Nações Unidas sobre a Independência de Juízes e Advogados, Leandro Despouy, disse que é preciso investigar as irregularidades ocorridas em Guantánamo. Também a comissária para os Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, congratulou-se com a decisão de Obama de fechar Guantánamo e disse esperar que os Estados Unidos revisem seus métodos de detenção no exterior, especialmente no Iraque e no Afeganistão, para adequá-los à legislação internacional.

Também a secretária-geral da Anistia internacional Irene Khan celebrou  a decisão do novo presidente dos EUA como um "grande passo à frente" e um "bem vindo sinal de que a nova administração pretende consertar os erros do passado". 

Segundo Gorevan, até o FBI já admitiu que houve tortura na Base Naval de Guantánamo. “Tenho certeza que teremos, num primeiro passo, uma séria de comissões de investigação internas, nos EUA, contra os oficias de Guantánamo” disse Daniel Gorevan.

O ativista diz ter informações de que o Departamento de Justiça dos EUA já se prepara para investigar as torturas em Guantánamo. “Foram sete anos de crônicas de humilhação de presos, de inocentes sendo acusados de terroristas sem possibilidade de defesa. Teremos a criação de várias comissões de inquéritos sobre Guantánamo. Penso que o problema será resolvido internamente, pelo governo dos EUA”. Segundo o observador da Anistia, isso não impede que ações sejam movidas contra os Estados Unidos em todo o mundo.

Patriotada
A prisão da Base Naval de Guantánamo foi criada em 11 de janeiro de 2002. Para lá, foram enviados os prisioneiros capturados pelas forças dos Estados Unidos que invadiram o Afeganistão depois dos atentados contra as torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001. Outros suspeitos de terrorismo também foram enviados para a prisão. Desde sua inauguração, passaram pela ilha 775 prisioneiros, classificados como “inimigos combatentes”, sem acusação, processo ou julgamento. Entre os presos, 17 eram menores de 18 anos. Até dezembro de 2008, estavam ali 430 prisioneiros de 35 diferentes países, mas nenhum americano. O número atual é de 240 detentos.

Com base nos Atos Patrióticos, um conjunto de leis de exceção instituídas pelo governo americano a pretexto de combater o terrorismo, os presos eram interrogados sem a assistência de advogados. Os julgamentos eram feitos por cortes marciais, sem que advogados pudessem acessar os autos.

Também com base nos Atos Patrióticos, os presos em Guantánamo foram submetidos a todo tipo de irregularidades, que beiram a atrocidade, sem nenhum respeito às leis americanas ou aos direitos universais. Eram torturados física e psicologicamente. Luzes estroboscópicas, e som em alto volume ficavam ligados nas celas 24 horas por dia. Cães raivosos eram açulados contra os presos. A temperatura ambiente sofria oscilações bruscas e freqüentes.

O Congresso americano aprovou os Atos Patrióticos 45 dias depois de 11 de setembro de 2001, ainda sob o impacto da mais violento ataque terrorista em solo americano e sem nenhuma consulta à população. O significado da expressão Patriotic — Provide Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism (prover Instrumentos adequados para interceptar e obstruir o terrorismo)—foi ampliado de forma a cercear garantias ou direitos individuais dos presos de Guantánamo.

No mundo
Em janeiro de 2007, um juiz de Instrução italiano indiciou 26 norte-americanos, a maioria agentes da CIA, e mais cinco italianos pela participação no seqüestro de um religioso muçulmano em Milão, em 2003. O clérigo egípcio Osama Mustafa Hassan teria sido capturado por funcionários da agência de inteligência americana na Itália, em fevereiro de 2003, e levado para o Egito.

Em Portugal as investigações são tocadas pela deputada Ana Gomes, que é membro do comitê temporário da União Européia que investiga atividades ilegais da CIA na Europa. Em dezembro de 2006 uma revista portuguesa denunciou que uma lista de passageiros, obtida junto ao controle de tráfego aéreo português, revelava que de 94 vôos, indo e vindo da base naval de Guantánamo, em Cuba, 17 pousaram nos Açores e 77 cruzaram o espaço aéreo português. Um comitê de deputados portugueses já questionou o ministro das Relações Exteriores de Portugal, Luis Amado, sobre o tema, mas não obteve provas materiais da existência desses vôos vindos de Guantánamo.

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