Direito do homem

Importância do princípio da dignidade humana

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23 de janeiro de 2009, 2h25

 Com a Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana chega ao ápice dentro do ordenamento jurídico, é a base de todos os direitos constitucionais, e ainda, orientador estatal. Isso exatamente para acabar com os excessos que ocorreram com o nazismo, com o medo e a insegurança que havia sido espalhado por todo o mundo, através de vários atos que atentaram contra a humanidade, baseados na idéia de um único ser, ou ainda, quem não se lembra do holocausto, experiência que atemorizou toda a humanidade.

“Os desastres humanos das guerras, especialmente aquilo que assistiu o mundo no período da Segunda Guerra Mundial, trouxe, primeiro, a dignidade da pessoa humana para o mundo do direito como contingência que marcava a essência do próprio sóciopolítico a ser traduzido no sistema jurídico” (ROCHA, 2004. p. 22/34).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, há reação de toda a nação diante da barbárie cometida pelos nazistas e fascistas. O interesse em proteger os direitos humanos e fundamentais, é ainda maior, tomando grandes proporções dentro do mundo jurídico, dando ensejo à criação de vários instrumentos de defesa, como os Pactos Internacionais, assim como a criação da ONU, a fim de resguardar o ser humano.

Com o término das guerras e períodos que suprimiram e mitigaram direitos, temos a nítida visão de que a dignidade da pessoa humana passa a embasar qualquer direito, sendo a essência que projeta o ordenamento jurídico, passando a ter valor supremo e fundamental, logo converge todas as demais leis a um único ponto. Isso, justamente para se evitar reações políticas, como as já apontadas anteriormente, de tornar o homem mercadoria, objeto de interesse.

Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana nasce para proteger o ser humano, mantendo e garantindo o viver com dignidade, e o respeito recíproco. No século XX, o homem busca felicidade, o viver dignamente, condutas respeitosas e confiança. No entanto, cabe ressaltar, que o pensar não deve estar voltado só para si, mas também no outro, de forma a realizar, não somente a sua própria felicidade, mas também a do próximo.

Este princípio constitucional contemporâneo atinge toda a humanidade, é axioma jurídico e princípio matricial do século XX. A sua adoção no sistema jurídico estabelece uma nova forma de pensar e se relacionar o Direito. No século XXI torna-se uma garantia contra todas as formas de abjeção humana.

Portanto, um novo modelo surge com a finalidade de proteção de todo o povo. Este princípio mudou todo o ordenamento, pôs fim aos interesses meramente particulares, com o objetivo de acabar com a mutilação da sociedade humana.

Neste sentido posiciona-se Pelegrini (2004, p. 05) “o princípio da dignidade da pessoa humana surge como uma conquista em determinado momento histórico. Trata-se de tutelar a pessoa humana possibilitando-lhe uma existência digna, aniquilando os ataques tão freqüentes à sua dignidade”.

A concepção dominante no pensamento filosófico atual é o elaborado por Kant, que muito colaborou para obtermos os Direitos Humanos positivados em nossa Constituição. Para ele, o homem tem consciência de seus atos e isso lhe traz responsabilidade, sendo assim livre e capaz de fazer sua própria lei.

A liberdade proclamada, por este pensador, é fundamento de todo o seu pensamento e concretiza a idéia de homem como um ser livre e autônomo, com capacidade de fazer, criar suas próprias leis, nestes termos Fernando Ferreira Santos explica Kant.

Para Kant o ser humano, o homem, jamais pode ser utilizado como meio para a vontade de outros, mas sempre como um fim, “existe como um fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo, como nas que dirigem aos outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como fim” (KANT, 2000, p 68).

Diante disso, o ser humano não pode ser empregado como simples meio, objeto de valor, distinguindo-se dos demais por ter racionalidade, sendo capaz de elaborar e seguir as próprias Leis. Possui fim em si mesmo, não é coisa apta a ser valorada. O ser humano, como um fim em si mesmo e sujeito de dignidade, é posto acima de todas as coisas, e até mesmo, do próprio Estado.


“Para Kant, a prerrogativa do legislador universal é de nos tornar pessoa, um ser com dignidade, como fim em si mesmo, que nos faz membros de um reino de fins, que liga todos os seres racionais sob leis comuns” (SOUZA, 1999, p. 27).

Dessa forma, fica “bastante clara a opção pelo Estado como instrumento, e pelo homem como finalidade. Os direitos do homem são à base do Estado” (NALINI, 1997,p. 76).

Neste sentido, Barcellos, (2002, p. 107) dispõe: pode-se dizer que, para Kant, o homem é um fim em si mesmo – e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação – dispondo de uma dignidade ontológica. O Direito e o Estado que deverão estar organizados em beneficio dos indivíduos.

Outrossim, Emmanuel Kant aduz que, “quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade” (KANT, 2000, p. 77), assim é o ser humano, insubstituível, não há preço ou qualquer outra coisa que possa ser colocado em seu lugar, nada é equivalente ao ser humano. Logo, as pessoas não devem ser tratadas como mero objeto, mas devem sim, serem reconhecidas como sujeito.

Esta concepção kantiana “repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano” (SARLET, 2001, p. 35).

O valor absoluto, conferido ao homem, a partir da concepção Kantiana, faz dele um fim em si mesmo, o que lhe confere dignidade, por não poder ser usado como instrumento, objeto, para consecução de vontades de terceiros, devendo haver respeito um em reação ao outro.

Acometida por estas idéias a CF/88 em seu artigo 1°, inciso III pela primeira vez em nosso país, fez da dignidade da pessoa humana valor supremo da ordem jurídica. Um novo modelo, uma nova concepção surge, concedendo legitimidade e ordem ao sistema, devido o seu destaque sobre os demais valores, atribuindo-a uma unidade axiológica-normativa.

As interpretações dos demais princípios deverão se realizar a sombra do princípio da dignidade da pessoa humana. Isso para que cada ser humano seja respeitado na sua integralidade, tendo sua dignidade protegida e amparada na sua totalidade, assegurando eficácia a cada um. A violação de um princípio trás conseqüências extremamente graves, pois amotina contra todo um sistema, contra todos seus valores fundamentais.

Como princípio é “viga-mestra do sistema constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição” (ALVES, 2001, p. 97), posiciona-se no mais alto patamar na escala normativa, é norma do alto ordenamento, esta valorada maximamente dentro da Constituição. Possui uma dinâmica incrível, pode ser multifuncional, ou seja, diante de uma situação fática na qual incide de forma direta, faculta sentido a outra disposição normativa, podendo aplicá-la ou restringi-lhe o significado, conclui Cleber Francisco Alves.

A dignidade da pessoa humana foi conferida pela constituição, como um valor de máxima relevância jurídica mediante formação principiológica, “e esta pretensão de plena normatividade esta bem caracterizada com a opção constitucional de incluí-lá na categoria de princípio fundamental” (MARTINS, p. 99, 2003). A normatização esta justamente, na sua serventia de fonte de solução jurídica, devido esta característica, os princípios emanam obrigatoriedade.

É inerente aos homens, inata a sua natureza de ser humano, é direitos constitucional, sua aplicação e eficácia são imediatas, não pode ser alienada, não sofre prescrição, é bem fora do comércio, e a partir da Constituição Federal de 88, tornar-se cláusula pétrea. Observa-se que ela é irrenunciável, inalienável, e deve “ser reconhecida promovida e protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente” (SARLET, 2001, p.41). E ainda, não é taxativa, é aberta, passível de complementação por outros direitos, dependendo sempre do caso concreto.

Objetiva garantir proteção material, e também espiritual. A dignidade de cada pessoa é reconhecida, deve ser respeitada, não podendo ser suprimida.


Sua inserção nos direitos fundamentais, constitui garantias, fazendo com que o ser humano goze de proteção, repelindo atos que atentem contra sua pessoa.

Todos os direitos fundamentais são explicitações da dignidade da pessoa humana, conforme demonstra SARLET (2001, p. 87), “por via de conseqüência e, ao menos um princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa”.

Alves afirma que os direitos fundamentais são explicitações do princípio da dignidade da pessoa humana, que além do mais, lhes concedem fundamentação (2001, p. 134/135,). E ainda, posiciona-se Martins (2003, p. 62) no sentido de correlacionar a dignidade da pessoa humana com a solidificação histórica dos direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana como princípio normativo fundamental (norma jurídica fundamental), constante no título dos princípios fundamentais, passou a integrar o direito positivo então vigente como norma fundamental. E possui muitas funções, uma das que se destacam é “seu elemento que confere unidade e sentido e legitimação” (SARLET, 2001, p. 79) a uma ordem constitucional.

A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental, o alicerce, estatuto jurídico dos indivíduos que confere sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos fundamentais garantindo assim, direitos que são necessários a todos os seres humanos, pondera ALVES (2001, p. 132)

Assim, a dignidade como valor fundamental reconhece e protege os direitos fundamentais. Consequentemente, negar o reconhecimento dos direitos fundamentais às pessoas, é o mesmo que lhes negar a dignidade. É “indissociável a vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais já constitui, por certa, um postulados, nos quais se assenta o direito constitucional contemporâneo” (SARLET, 2001, p. 26).

Não há como negar,que todos os direitos fundamentais amparado pela Constituição, objetivam proteger a dignidade essencial da pessoa humana, de forma individual, mas, também, na esfera social.

Hodiernamente, há um consenso, no qual se presa pelo respeito ao valor essencial do ser humano, já que perante o Estado Democrático de Direito, o homem possui Direitos e garantias, e também deveres. Sendo o objetivo, conforme dispõe o preâmbulo da Constituição de 88, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais do povo, como titular da soberania, fundamentado-a no seu artigo 1°, através de princípios. Há uma meta em construir uma sociedade livre, justa e solidária, com fim em reduzir a pobreza, a marginalização e a desigualdade.

Ao analisar a Constituição de 88, podemos notar que os avanços são extraordinários, quando refere à defesa e a ascensão da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todo o direito constitucional, afirma Barcellos, tanto que, direitos surgem de forma explicita da idéia de dignidade, entre eles estão: o direito à vida, à liberdade, à manifestação, à saúde, à habitação, à segurança social, à educação, à moradia e muitos outros.

 

Os artigos 5°, 6°, 7°, 170, 196, 197, 198, 200, 205, 225, 226 par. 7°, 227, 230, 231, entre outros, promovem a dignidade da pessoa humana, incumbindo ao Estado promover políticas públicas objetivando concretiza-los.

O princípio da dignidade humana como valor fonte do sistema constitucional, opera de forma a solucionar conflitos, orientando as opções a serem realizadas no caso concreto. Acarreta garantias de condições mínimas de existência, sendo a existência digna, a vida digna, fim da ordem econômica, aonde não se tolera desigualdade entre os componentes de uma sociedade. Buscando conceder força normativa, através de sua atividade, na concretização da dignidade da pessoa humana, elevando o ser humano a objetivo máximo do ordenamento, merecedor de respeito e de um viver digno, neste sentido o nosso ordenamento deve se fundar.

Por fim, o escopo é garantir o bem estar do homem, o mínimo, ou seja, o razoável, para se ter uma vida digna, combatendo as desigualdades e a pobreza, proporcionando o Viver humano.

 

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