Era Obama

Bush desrespeitou regras do Direito Internacional

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

17 de janeiro de 2009, 9h09

Ainda que pareça estranho, a consulta da Constituição brasileira será especialmente útil depois de empossado o novo presidente dos Estados Unidos.

A razão é simples: o governo do texano George W. Bush cavalgou a política internacional proclamando, no estilo do velho oeste, que os responsáveis por atos de terrorismo ou considerados ameaçadores de interesses norte-americanos seriam caçados, onde estivessem, vivos ou mortos. A invasão do Iraque partiu da informação (inteiramente falsa) de que lá havia armas de destruição de massa.

A chamada doutrina Bush afirmou o direito unilateral de desrespeitar regras do direito internacional público, a autoridade da ONU e de outras instituições, quando fossem contrárias ao interesse dos Estados Unidos. O presidente, que se despedirá no dia 20, terminou desconsiderando sua própria doutrina, ao ser convencido de que, apesar da força militar e da riqueza, seu país precisava da contribuição de outros para a paz na Ásia e até para a crise em Wall Street.

Os fatos referidos têm pertinência com textos da Carta Magna do Brasil, em dez princípios que norteiam as relações internacionais do país (artigo 4º). Os princípios ultrapassam os limites das leis ordinárias e complementares. Vão às causas essenciais de cada caso concreto. Assim é na autodeterminação dos povos, na não intervenção nos negócios internos de cada nação, na igualdade entre os Estados. Impõem-se, atualíssimos, os princípios da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, até em nome dos muitos cidadãos brasileiros, com origens muçulmanas e judaicas, na invasão de Gaza.

São regras fundamentais a nos recomendarem cautela com a hipocrisia internacional. Bush afirmava a necessidade de restaurar a democracia no Iraque (omitindo referência a sua riqueza em petróleo), ao mesmo tempo em que se aliava a governos não-democráticos (Paquistão e Egito, por exemplo) para quem não receitava o mesmo remédio.

Tem interesse histórico recordar que as fontes do constitucionalismo brasileiro foram recolhidas no modelo norte-americano. Uma das possíveis causas pelas quais o prestígio do governo Bush decaiu, na etapa final, decorreu do desapreço ou do desconhecimento de ideias afirmadas pelos criadores da constituição americana.

Uma das esperanças no governo Obama é a do retorno, atualizado, às ideias fundantes da democracia de Madison, Jay e outros.

O povo americano tem muito do que se orgulhar nos seus mais de 200 anos de vida independente, de extraordinária prosperidade material e científica, com liberdade democrática. Dois exemplos, um positivo e outro negativo, definem caminhos que Bush mostrou ignorar. O primeiro é dos romanos, titulares da única potência cujo domínio durou 15 séculos, mais pela força da inteligência, da cultura e do direito, desde antes de Cristo. O segundo é de outro líder, na primeira metade do século 20, cuja loucura messiânica o levou a afirmar que seu domínio duraria mil anos, desmentido pela história em pouco mais de 20 anos.

Os Estados Unidos têm um papel na vida da democracia que, se recomposto no período de Obama, terá mais força perene que as armas inventadas e por inventar, compatível com nossos princípios constitucionais.

[Artigo publicado na Folha de S. Paulo desta sábado (17/1)]

Autores

  • é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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