Caso Battisti

Tarso admite que Judiciário pode rever refúgio

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14 de janeiro de 2009, 20h43

CMI Brasil
Cesare Battisti - por CMI BrasilO ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu a decisão de conceder refúgio político ao ex-militante comunista italiano Cesare Battisti. No entanto, admitiu que o Judiciário poderá rever a decisão. “Qualquer ato de qualquer ministro pode ser levado para o Poder Judiciário, por exemplo. Até para o Poder judiciário dizer que esse ato não pode ser revertido ou para modificá-lo eventualmente”, afirmou em entrevista coletiva nesta quarta-feira (14/1).

Tarso argumentou que o refúgio político "é uma instituição originária da soberania do país, como o asilo político, como as decisões que o Supremo tomou não permitindo a extradição de outras pessoas mais ou menos na mesma situação com a mesma autonomia e soberania com que o Brasil deu asilo para o (ex-ditador paraguaio Alfredo) Stroessner”. Para ele, não há nenhuma lesão à ordem jurídica interna na sua decisão.

Battisti é ex-dirigente dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo extremista que atuou na Itália nos anos 60 e 70. Ele foi condenado à prisão perpétua à revelia na Itália por quatro homicídios cometidos pelo PAC entre 1977 e 1979. Ele nega as acusações. Detido em 1979, em Milão, conseguiu escapar da prisão e fugir para a França. Refugiou-se no México em 1982, mas em 1990 voltou à França. De lá, veio para o Brasil. Em março de 2007, foi preso no Rio de Janeiro e transferido para penitenciária do Distrito Federal. Agora, com a decisão de Tarso Genro, ele deve ser solto.

Ainda no ano passado, o governo italiano enviou pedido de extradição de Battisti, que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. No Supremo, há divergências sobre a constitucionalidade do artigo 33 da Lei 9.474/97, que trata do estatuto dos refugiados. O artigo reconhece que a condição de refugiado impedirá o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

Em março de 2007, o plenário debateu o caso de Francisco Antonio Cadena Colazzos, o Padre Olivério Medina, um ex-integrante do grupo guerrilheiro colombiano Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Os ministros entenderam, por maioria, que a condição de refugiado do padre — concedida pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) — impede sua extradição. Medina é acusado em seu país de ter comandado ataque a uma unidade do exército, ocasião em que dois militares foram mortos e outros 17 seqüestrados.

O ministro Gilmar Mendes, que era relator e foi voto vencido, levantou questão de ordem sobre a independência e separação dos poderes. No entendimento do ministro, o processo de extradição não deveria ser paralisado por conta de decisão administrativa do Conare.

Para o relator, o Supremo deveria avaliar a natureza do crime e referendar ou não a decisão do Conare. Em crime político de opinião, a extradição é vedada pela Constituição, o que o relator reconheceu no caso.

O então ministro Sepúlveda Pertence abriu divergência defendendo a validade do dispositivo legal para declarar a extinção do pedido de extradição, diante da decisão do Executivo. Para Pertence, as deliberações do Conare não afrontam a competência do Supremo para julgar processo de extradição.

No entanto, os ministros reafirmaram na oportunidade que, se o crime cometido não for político, o processo de extradição não pode ser paralisado. “É inegável a delicadeza do tema concernente aos crimes comuns conexos com os delitos políticos. Essa questão resolve-se pelo critério da preponderância ou da prevalência. Se os crimes comuns, dentro desse vínculo de conexidade, ostentarem caráter hegemônico — porque mais eminentes e expressivos ou subordinantes, até, da prática de ilícitos políticos — deixará de incidir qualquer causa obstativa do deferimento da postulação extradicional”, disse o ministro Celso de Mello, naquele julgamento.

Para Tarso Genro, Battisti sofre perseguição política em seu país. Já, para o Conare, não foram apresentadas provas convincentes de que o militante sofre perseguição política pelo Estado italiano. Com o posicionamento divergente entre as instâncias administrativas, o Supremo poderá debater se no caso do italiano é de perseguição política, mesmo sendo este tipo de decisão competência do Executivo.


Em sua decisão, Tarso concluiu que “o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente [italiano], as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal”.

Há diferenças jurídicas entre asilo e refúgio político. No primeiro, caso ele serve para proteger aquele que sofre perseguição efetiva. O asilo também pode ser pedido no próprio país do perseguido. Já nos casos de refúgio é suficiente a alegação de temor de perseguição. Foi com base nesta alegação que Tarso aceitou o pedido do italiano. O refúgio só é admitido quando a pessoa está fora do país de origem. Nos dois casos, no entanto, o perseguido ganha os direitos do cidadão comum do país que o abriga.

Crise diplomática

A decisão de Tarso pode gerar uma crise diplomática com a Itália. O Ministério das Relações Exteriores informou que o embaixador do Brasil na Itália, Adhemar Gabriel Bahadian, foi convidado pela chancelaria italiana para falar sobre a decisão do governo brasileiro de conceder refúgio político a Battisti.

Segundo o Itamaraty, Bahadian compareceu à chancelaria italiana e escutou as ponderações do governo sobre o caso. Ele deverá passar as informações ao Ministério da Justiça. O Itamaraty ponderou que o procedimento é corriqueiro. “Estamos frustrados e infelizes com a decisão do governo brasileiro”, disse o ministro italiano da Justiça, Angelino Alfano.

Mais cedo, o ministério italiano de Relações Exteriores havia pedido, por meio de nota, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconsiderasse a decisão do Ministério da Justiça. “A Itália faz um apelo ao presidente do Brasil, Lula da Silva, para que sejam tomadas todas as iniciativas que possam promover, no quadro da cooperação judiciária internacional na luta contra o terrorismo, uma revisão da decisão judiciária adotada”, diz a nota da chancelaria italiana.

O promotor Armando Spataro, de Milão, disse que "lançar a hipótese de que Battisti poderia ser alvo de perseguição do Judiciário e do Estado italiano é ofensivo ao nosso sistema e às pessoas que ele matou."

Reação interna

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), defendeu a convocação de Tarso Genro, para explicar porque contrariou parecer do Conare. O senador argumenta que a presença de Tarso também é necessária para que o ministro explique porque concedeu refúgio a Battisti e permitiu a deportação sumária dos pugilistas cubanos Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, que desertaram da delegação cubana durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio.

"A decisão do ministro foi esquisita e incoerente", afirmou o senador. Ele disse que vai analisar se também convida Battisti para falar à comissão, que por ser estrangeiro não pode ser convocado. Integrante da CRE, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), disse concordar com Heráclito. Ele defendeu que o italiano também seja ouvido pelo Senado.

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, determinou à Comissão de Estudos Constitucionais da entidade que analise a legalidade da decisão do ministro. Ele afirma que a decisão será também discutida no Conselho Federal da OAB no dia 9 de fevereiro.

Para o presidente da OAB, o conteúdo de uma decisão dessa natureza "é político, técnico e ideológico". Ele observou que, "em princípio, assim como já fora em passado recente concedido a condição de asilado político ao ex-presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner e ao candidato a presidente aquele país, Lino Oviedo, assim também se fez com o italiano Cesare Battisti".

Elogio da defesa

Os advogados Luiz Eduardo Greenhalgh, Suzana Figueiredo, Fábio Antinoro e Georghio Tomelin, que defendem Battisti, consideram acertada e bem fundamentada a decisão do ministro. “Somente quem conhece o processo superficialmente é que pode considerar a decisão de conceder refúgio político equivocada”, afirmam em nota.


Greenhalgh afirma que Battisti foi inicialmente condenado a 12 anos e 10 meses de reclusão e 5 meses de detenção pelos crimes de uso de documento falso, porte de documento falso, posse de espelhos para falsificação de documentos e participação em organização criminosa. A condenação transitou em julgado em 20 de dezembro de 1984. Para a defesa, Battisti foi inocentado das quatro mortes cometidas pelo Proletários Armados pelo Comunismo.

Os advogados dizem que depois de quase 10 anos do trânsito em julgado, o processo contra Battisti foi reaberto na Itália, com base no depoimento de Pietro Mutti, também membro do grupo.

Greenhalgh explica que os advogados de Battisti no processo reaberto foram presos, e o Estado nomeou outros advogados para defender Battisti. A defesa, no entanto, foi feita com base em procuração falsificada, afirma o advogado. “Chegou-se ao cúmulo de condená-lo por dois homicídios ocorridos no mesmo dia, quase na mesma hora, em cidades separadas por centenas de quilômetros (Udine e Milão)”, explica.

Segundo os advogados, o presidente da Itália na época dos crimes, Francesco Cosiga, admitiu em carta que as ações do governo italiano para prendê-lo tiveramm motivação política.

Histórico do italiano

Battisti foi condenado a prisão perpétua na Itália por matar o agente penitenciário Antonio Mares Santoro, em Udine no dia 6 de junho de 1977; Pierluigi Trregiane, em Milão no dia 16 de fevereiro de 1979; o açougueiro Lino Sabbadin, em Mestre no dia 16 de fevereiro de 1979; e o agente de Polícia, Andréa Campagna, em Milão no dia 19 de abril de 1979. Battisti, que fugira para a França, foi julgado à revelia. É com base nessas condenações que o governo italiano pede sua extradição ao Brasil.

Battisti diz que agora é escritor. Quando se refugiou na França, trabalhou como porteiro e escreveu romances policiais. No Brasil, lançou apenas uma obra pela editora Martins Fontes: Minha fuga sem fim: dos anos de chumbo na Itália, de leis ao revés na França, ao inferno do cárcere no Brasil.

A obra, que custa R$ 47,30, tem um tom confessional. “Escrever para não me perder na névoa dos dias intermináveis, a cabeça enfiada no travesseiro, repito para mim mesmo que não é verdade. Que não sou eu esse homem que a mídia transformou em monstro e condenou ao silêncio das sombras. Que só pode se tratar de um personagem de romance, um desses obstinados que ficam tentando se impor e destruir a história que se está escrevendo”, afirma o autor sobre o trabalho.

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