ABC da Constituição

Livro ensina Direito Constitucional com inteligência

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11 de janeiro de 2009, 6h42

Livros de Direito, dita o senso comum, servem para estudar. E ponto! São importantes, claro. Imprescindíveis para formar os atores que garantirão o Estado Democrático de Direito e farão valer nossas liberdades. Mas são raros — raríssimos — aqueles que se transformam em livros de cabeceira.

O mais recente livro do professor Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, parece destinado a isso. Mais do que um livro didático, é uma obra para se ler e reler, provocando a sensação de que se trata de literatura. Leve, seu texto passa longe daqueles volumes herméticos e impenetráveis para quem não é da área.

O livro é, de fato, um curso de Direito Constitucional e uma aula de história, para leigos e profissionais da área jurídica. Não é para menos. Como o próprio autor diz, ele estuda a Constituição desde a época em que isso não dava prestígio para ninguém.

“Quando alguém queria minimizar uma questão, dizia com desdém: ‘Esse é um problema constitucional’”, conta Barroso. Ele lembra as lições de seu pai, preocupado com o futuro profissional do filho: “Meu filho, você precisa parar com esse negócio de fumar, ser Flamengo e o Direito Constitucional, que não vai levá-lo a parte alguma. Estuda processo civil!”.

Sorte que ele não ouviu os apelos paternos – ao menos no que diz respeito a largar o Direito Constitucional. Em 451 páginas, o professor retrata as primeiras tentativas históricas, por volta do século V a.C., em Atenas e Roma, no sentido de limitar o poder do Estado por meio da supremacia da lei — afinal, não é por outro motivo que existem as constituições. E traz análises dos dias atuais, quando o Supremo Tribunal Federal é taxado de ativista e, muitas vezes, acusado de ir além do que permitiriam suas atribuições.

Esse é o ponto alto do livro. O leitor passa a entender por que, afinal, o Supremo, na omissão do Poder Legislativo, vem suprindo demandas sociais inadiáveis. Ficam muito mais claro também os motivos pelos quais o Judiciário vem se tornando o grande protagonista dentre os poderes da República.

Supremacia dos princípios

Luís Roberto Barroso explica quais fenômenos foram responsáveis pela mudança cultural jurídica que culminou com a supremacia dos princípios constitucionais sobre a regra posta, que fez com que todo o ordenamento jurídico passasse a ser analisado à luz da Constituição Federal.

No Brasil, o marco zero desse novo Direito, do ponto de vista histórico, foi a Constituição de 1988. A carta passou a ser o centro do sistema jurídico, ocupando o trono de onde, até então, reinava o Código Civil. Em outros países, como a Alemanha, essa mudança começou a ser construída antes, no pós-guerra.

No novo patamar da Constituição, o juiz deixa de ser apenas “a boca que pronuncia a lei”, como um ser inanimado, e passa a aplicar à legislação as garantias fundamentais das pessoas. O livro explica conceitos como o jusnaturalismo (o homem tem direitos naturais que não dependem de leis para serem respeitados) e o positivismo (o direito é somente aquilo que diz a lei). E mostra por que eles quase saíram de circulação.

Em seus lugares, surge o pós-positivismo, que é o fenômeno jurídico que hoje presenciamos. Sem desprezar a lei, o juiz a interpreta tendo como norte a Constituição, naqueles casos em que se entende que o direito não cabe integralmente na norma legislada. “Os grandes valores da humanidade migram para o mundo jurídico pela porta dos princípios constitucionais. É a reaproximação entre a ética e o direito”, escreve Barroso. Neste caso, o juiz é participante do processo de construção do direito. As teorias tradicionais não estão derrotadas, mas não são suficientes.

O autor discorre com propriedade sobre o ativismo judicial, até porque não o defende com unhas e dentes. Em palestras, Barroso costuma comparar o ativismo com antibióticos. Tem de ser usado pontualmente e na dose correta. De quebra, o livro explica o que levou à judicialização da vida, traz informações históricas interessantes sobre a construção das garantias e princípios no mundo e revela que a Constituição é um instrumento do processo civilizatório.

Até aí, tudo bem. Mas onde está o fundamento para que o Judiciário sobreponha sua vontade à dos agentes eleitos dos outros poderes da República? Barroso explica: na confluência de idéias que produzem o constitucionalismo democrático. O autor mostra que a Constituição, nesse modelo, desempenha dois grandes papéis. “Um deles é assegurar as regras do jogo democrático, propiciando participação política ampla e o governo da maioria”, escreve.

Por esse entendimento, contudo, a democracia se resumiria à vontade da maioria. Mas democracia é mais do que isso, como ensina o professor. “Se houver oito católicos e dois mulçumanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos”. Mais claro, impossível.

E assim é boa parte do livro de Barroso. Cheia de exemplos que nos fazem entender melhor o movimento jurídico-social que vivemos. Como diz o autor, a Constituição passou a ser um modo de olhar e interpretar os outros ramos do direito. Passou a ser a janela pela qual o mundo vê o Direito. Sorte da democracia!

Serviço
Livro: Curso de Direito Constitucional Contemporâneo
Autor: Luís Roberto Barroso
Páginas: 451
Editora: Saraiva
Preço: R$ 79,50

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