Jeitão brasileiro

Brasil é reconhecido pelo combate a cartéis

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11 de janeiro de 2009, 6h15

A intensificação no combate aos cartéis já posiciona o Brasil entre as principais referências sul-americanas e mundiais no assunto. É o que comemora a Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça, responsável por fiscalizar práticas anticompetitivas de mercado.

O órgão vem conseguindo desbaratar cada vez mais pactos secretos entre concorrentes, que acabam encarecendo produtos e serviços. Nos últimos dois anos, as técnicas de fiscalização importadas dos Estados Unidos e bastante usadas aqui — como parcerias com Ministérios Públicos, com a Advocacia-Geral da União e com as Polícias Federal e Civil para escutas telefônicas e apreensão de documentos, além de acordos com executivos para delações premiadas — começaram a ser exportadas a países como Chile, Canadá e Polônia, e também despertaram interesse da Noruega e do Egito, por exemplo.

Os resultados cada vez mais animadores contra cartéis chamaram a atenção internacional. Só no ano passado, cinco operações conjuntas da SDE, da PF e dos MP estaduais e federal em todo o país terminaram com 11 prisões preventivas decretadas, 42 prisões temporárias e 93 mandados de busca cumpridos. Os alvos foram cartéis de combustíveis em Mato Grosso e Minas Gerais, de empresas de coleta de lixo no Rio Grande do Sul e de fornecimento de portas giratórias para bancos públicos gaúchos. Atualmente, 300 investigações de cartéis estão em andamento no país.

O resultado superou o de 2007, em que a SDE atuou também em cinco operações, conseguindo 30 prisões temporárias e 84 buscas de documentos cumpridas. O objetivo era desmantelar cartéis de combustíveis em João Pessoa, Recife e Londrina (PR); de transporte de carga aérea e combustíveis para aviões em São Paulo; de cimento em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; e de comércio de mangueiras para escoamento de petróleo marítimo — este, um cartel internacional.

Para se ter idéia do avanço conseguido, nos primeiros três anos desde que as parcerias com a Polícia e com o Ministério Público começaram, em 2003, foram conseguidas apenas duas prisões temporárias e 11 mandados de busca e apreensão, em três operações conjuntas — contra cartéis de britas, de serviços de vigilância e de fornecimento de gases medicinais e industriais, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Em 2006, apesar das 19 apreensões de documentos, não houve nenhuma prisão. As quatro operações daquele ano focaram acordos ilegais de empresas de manutenção predial, embalagens plásticas, processamento de laranjas e grandes transformadores de energia.

“Quando as buscas e apreensões começaram, os técnicos não tinham preparo e as autoridades acabavam se excedendo, pegando mais coisas do que deveriam e ficando com elas por muito tempo. Mas as parcerias fortaleceram a prática e agregaram conhecimento à SDE”, explica a advogada Juliana Domingues, do escritório L.O. Baptista Advogados Associados.

Mais maduro

A alavancagem de ações em 2007 foi o que rendeu ao país reconhecimento imediato. Os órgãos nacionais de fiscalização de mercado — SDE e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda — receberam a classificação de três estrelas da revista britânica Global Competition Review, que promove um ranking anual de agências antitruste do mundo todo, cujo nível máximo é de cinco estrelas.

Em 2002, o Brasil havia ganhado sua primeira estrela, ficando na última colocação. A posição conseguida em 2007 — que se deveu tanto ao combate aos cartéis quanto ao melhor julgamento de fusões e aquisições — equiparou o Brasil a países desenvolvidos como Espanha, Suécia, Noruega, Áustria, Portugal e Israel, também no nível três.

O Chile também se interessou pelos resultados brasileiros. Em 2007, os órgãos de controle de mercado do país convidaram representantes da SDE para palestrar a dirigentes responsáveis pelo combate a cartéis. No ano passado, os chilenos firmaram um acordo de cooperação para a troca de experiências e a secretaria passou a treinar agentes da Fiscalía Nacional Económica (FNE), agência antitruste de lá.


Entidades mundiais também deram atenção às novidades mostradas aqui. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por governos dos países mais industrializados, escolheu o Brasil como um dos representantes da América Latina na implantação de um projeto de combate à atuação de cartéis em licitações públicas. O projeto, que já dura um ano, desenvolve técnicas de investigação e análise de dados em compras governamentais. Depois do Brasil, o Chile será o outro representante latino-americano. “Estamos exportando técnicas. Começamos a passar experiência para a OCDE”, diz Eric Jasper, secretário de Direito Econômico em exercício no Ministério da Justiça.

Jasper comemora ainda a participação do país no International Competition Network — fórum mundial de agências antitruste — no ano passado. “Em Lisboa, a secretaria apresentou dois painéis, algo inédito”, conta. Os seminários mostraram técnicas de investigação usadas aqui e os resultados práticos das operações.

Outro tema dos workshops no ICN foi a divulgação em aeroportos brasileiros, feita em outubro pela SDE, sobre práticas de cartel. Foram entregues 450 mil cartilhas em sete aeroportos, em São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Os informativos mostravam principalmente as vantagens dos acordos de leniência para os empresários — pelos quais integrantes de cartéis podem denunciar outros participantes e receberem em troca imunidade em processos administrativos e criminais. A iniciativa despertou o interesse da Noruega e do Egito, que já procuraram a secretaria para mais informações, a fim de repetirem a estratégia.

Esforço coletivo

Foram as parcerias com as Polícias Federal e Civil e com os Ministérios Públicos as responsáveis pelo arranque nas investigações de cartel pelo Ministério da Justiça. Entre as vantagens dessa aliança, estão os empréstimos de provas, que beneficiam a SDE e o Cade, já que a expertise dos agentes policiais em investigações é maior do que a dos órgãos fiscalizadores. Em contrapartida, esses órgãos contribuem com a PF e o MP em inquéritos que apuram crimes econômicos, já que têm mais experiência na interpretação de informações que podem indicar irregularidades.

“Houve operações em que a Polícia Federal fez toda a investigação e depois nos mandou as informações”, diz Jasper. Foi o que aconteceu na batizada Operação Dragão II, no Rio Grande do Sul. A PF apurou um cartel de extração de areia, formado pelas mineradoras Aro Mineração, Sociedade Mineradora (Somar) e Sociedade dos Mineradores do Rio Jacuí (Smarja), que fixavam preços e dividiam clientes. As envolvidas eram responsáveis pelo fornecimento de 47% da areia no Rio Grande do Sul.

O Cade bateu seu recorde de autuação nesse caso, ao multar a Aro Mineração em 22,5% de seu faturamento bruto. O máximo que havia sido imposto até então foi de 20%. O julgamento também foi o primeiro a punir uma consultoria contábil por ajudar na formação de um cartel. “O consultor contábil foi punido por ter feito um estudo de uniformização de preços para que se operacionalizasse o cartel”, explica Jasper.

O apoio dos MP estaduais também foi fundamental para que as investigações pudessem chegar ao interior do país. Ele permitiu que o número de medidas antitruste em 2007 disparasse, com a perseguição a cartéis que haviam deixado de atuar no eixo Rio-São Paulo-Rio Grande do Sul. “Temos pouco menos de 30 técnicos para o combate de todas as condutas anticoncorrenciais, que não se resumem a cartéis”, explica Eric Jasper, da SDE. “Com os Ministérios Públicos estaduais, não há lugar em que a secretaria não chegue”, completa.

Alcance mundial

A troca de informações deu novo fôlego também ao Cade em 2007. Foi nesse ano que o órgão puniu um cartel internacional de vitaminas que atuou durante dez anos no mundo todo, como lembra a advogada Juliana Domingues. “As indústrias Basf, Hoffman-La Roche, Aventis e Solvay dividiram o mundo em regiões de atuação. O consumidor pagava preços artificialmente elevados, mais de 70% acima do preço competitivo, por vitaminas A, B, C, E”, conta. O cartel foi multado em R$ 15 milhões pelo Cade. “Boa parte das informações recebidas foram enviadas pela agência do Canadá”, explica.


Além do Canadá, o Brasil tem acordos de cooperação para combate a cartéis com Estados Unidos, Portugal, Argentina e Rússia. Um dos exemplos de atuação conjunta são as investigações sobre o cartel internacional de lisinas — aminoácido usado pela indústria de alimentos, como a Ajinomoto, por exemplo — ainda em andamento no país. Nos Estados Unidos, no México e na Europa, cinco empresas já foram condenadas ao pagamento de multas.

Alianças perigosas

Os acordos de leniência se tornaram a maior arma nas mãos do governo nessa área. Desde 2003, dez já foram assinados, culminando com o fim até mesmo de cartéis internacionais no país, segundo o secretário Eric Jasper.

Esses acordos são uma espécie de delação premiada, em que o primeiro executivo que denuncia a prática e assina um termo pode ficar livre de punições administrativas e penais. “Isso desestabiliza os cartéis. Acontece muito na troca de direção das empresas, quando o novo profissional não quer se envolver em irregularidades. O estímulo é o medo de ser pego”, afirma Jasper.

Se descobertas, as empresas envolvidas podem sofrer multas de 1% a 30% do faturamento bruto no ano anterior ao início das investigações. Os executivos podem ser multados de 10% a 50% da multa aplicada à empresa, além de passar de três a cinco anos na cadeia, conforme prevê a Lei 8.137/90.

Entre 2006 e 2007, dez executivos foram condenados à prisão, alguns com penas maiores que os cinco anos previstos na lei, já que houve agravantes. Atualmente, cem empresários respondem a processos criminais na Justiça, acusados de formar cartéis. Desde 1999, o Cade condenou empresas em 18 casos.

Compras públicas

Dentre as práticas que driblam as regras de concorrência, as mais lesivas para o bolso do consumidor são as que atingem os cofres públicos. Por isso, o Ministério da Justiça criou uma coordenação exclusiva na SDE para apurar irregularidades em licitações, com quatro técnicos dedicados exclusivamente à tarefa.

No mês passado, o Ministério da Justiça instaurou dois processos administrativos por formação de cartel em licitações públicas contra lavanderias e contra laboratórios que fabricam insumos para medicamentos contra a Aids. A apuração se baseou em investigações da PF feitas na Operação Roupa Suja, iniciada em 2004, que perseguiu organizações criminosas de lavanderias que prestavam serviços a hospitais públicos.

O foco em manobras nas concorrências públicas não é sem motivo. Durante o leilão da concessão para a construção das hidrelétricas do rio Madeira — Santo Antônio e Jirau —, um dos consórcios concorrentes, liderado pela construtora Odebrecht, assinou contratos de exclusividade com fornecedores nacionais de turbinas para as hidrelétricas, o que obrigaria os demais concorrentes a buscarem fornecedores estrangeiros. Segundo o secretário Eric Jasper, o efeito seria um preço pelo menos 13% maior nas propostas dos demais concorrentes, levando fatalmente a Odebrecht a vencer a disputa. “Depois que a SDE e o Cade agiram, os contratos de exclusividade foram cancelados. A economia no preço da energia que chegará ao consumidor será de R$ 16 bilhões em 30 anos”, diz o secretário.

Ritmo de mudanças

Mas, apesar dos avanços, as autoridades ainda esbarram em limites corriqueiros. “A maior crítica contra o Brasil é que as investigações ainda são muito lentas, devido à falta de pessoal e de verbas”, diz Juliana Domingues.

As mudanças, porém, são previstas para breve. O Senado Federal analisa o Projeto de Lei 3.937/04, aprovado em dezembro pela Câmara dos Deputados. Se promulgada, a nova lei dobrará o número de cargos de gestor de políticas públicas do Cade — atualmente, cem. Na prática, a SDE terá 200 profissionais que atuarão na função dos cerca de 30 técnicos responsáveis hoje pelos processos administrativos.

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