Consultor Jurídico

Interesse público não pode violar direito de defesa

10 de janeiro de 2009, 2h10

Por Pedro Paulo de Rezende Porto Filho

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Hoje em dia, as relações humanas são fugazes, surgem e desaparecem sem deixar vestígios. E, nesse ponto, o Direito não pode ignorar essa realidade, sob pena de não cumprir sua função: manter a ordem jurídica. O grande desafio é compatibilizar a realização do interesse público — manutenção da ordem jurídica com as garantias e os direitos individuais, que têm o fundamental papel de defender os cidadãos contra o Estado.

Nesse quadro, os avanços tecnológicos representam dificuldade especial. De um lado, as tecnologias à disposição dos particulares muitas vezes são instrumentos para desvios de condutas. De outro, para coibir ou punir tais comportamentos, o Estado tem que recorrer a similares tecnologias que invadem a privacidade dos cidadãos.

A questão é como conciliar as imprescindíveis ferramentas de investigação à disposição do Estado com o Direito à Defesa e ao Contraditório, garantias constitucionais. A regra geral é que o direito à defesa e ao contraditório devem ser garantidos aos particulares antes que eles sejam afetados por atos estatais (Recurso Extraordinário 158.543-9, relator ministro Marco Aurélio).

Em alguns casos, porém, o oferecimento de oportunidade de defesa antes da atuação estatal é incompatível com o interesse público que ela visa tutelar. É o caso, por exemplo, da apreensão de alimentos contaminados para impedir sua comercialização. Não teria sentido permitir que o comerciante continuasse vendendo alimentos contaminados à população apenas para que ele pudesse exercer previamente o direito de defesa; a oportunidade de manifestação prévia representaria definitivo aniquilamento do interesse público.

Daí porque, em hipóteses excepcionalíssimas, o Direito de Defesa pode ser flexibilizado, mas apenas no limite indispensável à preservação do interesse público e de forma a representar o menor ônus ao particular.

No caso de escutas telefônicas autorizadas por ordem judicial para fins investigatórios, é possível afirmar com segurança que sua realização não é compatível com o exercício prévio do Direito de Defesa, pois, do contrário, elas seriam destituídas de qualquer sentido útil ou prático. Em razão da natureza específica dessa prova, o Direito de Defesa deve ser garantido após o término do período da quebra de sigilo telefônico.

O dever de ser informado posteriormente sobre a quebra do sigilo telefônico é tão fundamental e necessário quanto o regular direito de defesa prévio garantido em outros procedimentos investigatórios.

A atual lei de escutas telefônicas (Lei 9.296, de 24 de julho de 1996), entretanto, silenciou sobre o assunto, apesar desse direito decorrer diretamente da Constituição Federal.

Já o Projeto de Lei do Senado no. 525/2007 prescreve que: “Não havendo requerimento de diligências complementares ou após a realização das que tiverem sido requeridas, o juiz intimará o investigado ou acusado para que se manifeste, fornecendo-lhe cópia identificável do material produzido exclusivamente em relação à sua pessoa”(artigo 12).

O artigo legal garante não só ao investigado, mas a qualquer pessoa que tenha tido seu sigilo telefônico rompido, por ordem judicial, o direito de ser informado da quebra e de apresentar defesa em regular procedimento investigatório, garantido o acesso às transcrições referentes a seus interesses.

O processo investigatório ou inquisitorial não dispensa a observação do princípio do direito à defesa e ao contraditório do investigado, nem pode ser substituído pelo exercício desses direitos na ação penal.

A nova solução proposta, portanto, compatibiliza o interesse público na realização de eficiente investigação com os direitos e garantias individuais dos particulares por ela afetados.

Sem garantia do Direito à Defesa não existe Estado Democrático de Direito. O interesse público não pode justificar nem validar qualquer violação à Constituição Federal.