Oásis financeiro

Project finance resiste à crise e movimenta bancas

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9 de janeiro de 2009, 20h40

Em meio à tormenta financeira que chacoalhou os mercados mundiais no ano que passou, pelo menos um tipo de negociação parece ter se mantido firme entre empresas e instituições financeiras. Os chamados Project Finance — contratos de financiamento a longo prazo de grandes obras de infra-estrutura, em que a garantia do negócio é o próprio faturamento obtido quando ele se torna operacional — ainda ocupam diversas áreas dos escritórios de advocacia, compensando a queda na procura por assessorias em IPOs.

O Emerenciano, Baggio e Associados – Advogados participa de negociações em oito projetos desse tipo. São empreendimentos de construção civil, extração de óleo e gás, usinas de etanol, fabricação de papel e celulose e pequenas centrais hidrelétricas (PCH) que, juntos, somam R$ 2,5 bilhões em custos de implantação. “O aumento da demanda gerou novas contratações. No início de 2008, tínhamos três advogados para cuidar da infra-estrutura dos projetos. Agora já são oito, além de um engenheiro e um administrador”, conta o advogado Alysson Cezar, responsável pela área bancária e de mercado de capitais da banca.

Outro exemplo é o Azevedo Sette Advogados, que já participou dos projetos de reforma do Aeroporto Internacional de Quito, no Equador, e agora acompanha a construção de um novo aeroporto no país, que receberá quatro milhões de passageiros por ano e ficará pronto em 2010, a um custo de US$ 591 milhões. As companhias responsáveis são a Andrade Gutierrez, as canadenses Airport Development Corporation e Aecon, e a Houston Airport System (HAS) Development Corporation. Já os aportes financeiros ficaram por conta do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Ex-Im Bank dos Estados Unidos, o Export Development Canada (EDC) e o Overseas Private Investment Corporation (Opic).

Outros dois projetos do Azevedo Sette na área de transporte estão em andamento, um no Brasil e outro na Costa Rica, que juntos têm o envolvimento de recursos de sete bancos diferentes. A banca participou também da negociação do project finance para a construção da Linha 4 do Metrô paulista, que ganhou o prêmio de melhor negócio de 2006 da Latin Lawyer Magazine, por ter sido feito pela primeira vez por uma parceria público-privada (PPP). O negócio demandou investimentos de US$ 1,3 bilhão e também teve a participação do Demarest & Almeida Advogados e do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.

O escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados também tem tido trabalho nessa área, principalmente com a construção de usinas de energia, como termoelétricas e hidrelétricas, e terminais portuários mistos — de iniciativa de indústrias que precisam escoar sua produção para o exterior, e também podem ceder parcialmente o uso a outros exportadores. A Termopernambuco e a Brasil PCH — projeto de R$ 1 bilhão financiado pelo BNDES — são exemplos do portfólio da banca, que também tem no currículo o Projeto Marlin — de complementação das plataformas de exploração de petróleo na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, que fez dez anos no último dia 14 de dezembro —; o Projeto Mexilhão, para extração de gás da Bacia de Santos; o primeiro grande “alcoolduto” do país, que trará etanol produzido em Goiás e em Mato Grosso até o porto de São Sebastião, em São Paulo, e que custou US$ 1,4 bilhão; a duplicação da rodovia Castelo Branco e a construção de uma das pistas mais recentes da rodovia dos Imigrantes, em São Paulo.

Crise à parte

“O mercado tem o seu caminho independentemente da crise”, diz o advogado Luis Antonio Semeghini de Souza, sócio do Souza, Cescon. Souza foi eleito pela revista inglesa Chambers & Partners, no ano passado, o melhor advogado do país no setor. Para ele, os projetos não são afetados pelas turbulências porque são de longo prazo. “Com a crise, eles diminuem a velocidade, mas não param”, diz.

“A vantagem é que os contratos podem ser executados em tempos de bonança ou de crise”, diz Frederico Bopp Dieterich, sócio do Azevedo Sette. Segundo ele, os project finance oferecem a segurança de se basearem em economia real e não em mercado especulativo de capitais. “São usados para a construção de estradas e usinas de energia, por exemplo. Ou seja, vai haver consumo, não vai virar pó do dia para a noite”, justifica.


Luis Antonio Semeghini de Souza concorda. Para ele, a demanda por rodovias, portos, aeroportos e usinas sempre aumenta, não importa o tamanho da crise, “a não ser em casos de indústrias específicas, como a do etanol. Se o petróleo ficar barato demais, o apetite pode desaparecer”, explica. Mesmo nessas situações, porém, em que os bancos podem acabar dificultando a concessão de financiamentos, o BNDES é uma saída para as empresas, segundo o advogado.

Como funciona

Esse tipo de estrutura financeira costuma ser bem quisto pelas companhias devido à desvinculação das obrigações do empreendimento em relação aos ativos das empresas. Para se iniciar um project finance, as companhias interessadas no negócio se unem em uma sociedade de propósito específico (SPE), que, na maioria dos casos, se dissolve quando o empreendimento é concluído ou quando expira o prazo determinado para sua exploração. Por ser de uma pessoa jurídica diversa das sócias que dela participam, os ativos que respondem pelos empréstimos e contratações são somente os da própria SPE, como terrenos, máquinas, fábricas e, na maioria dos casos, o próprio rendimento — e não o patrimônio das sócias, o que agrada aos acionistas.

Formada a SPE, o passo seguinte é a obtenção do financiamento em instituições financeiras. Em épocas de alta liquidez, até fundos são opções de fonte de recursos. Já em tempos de vacas magras, esse papel é desempenhado pelos bancos, associados nos chamados “sindicatos”. Esses grupos bancários dividem o fornecimento de créditos e o recebimento dos lucros dos projetos, a partir do momento em que eles se tornam operacionais e geram faturamento. “Juridicamente falando, pode não ser um investimento para os bancos, mas em termos econômicos, é. Se o projeto der errado, os financiadores podem assumir os ativos e o negócio”, diz Souza.

Esse tipo de estrutura financeira é a única alternativa para boa parte dos empreendimentos, já que empréstimos vultuosos — nunca menores que US$ 50 milhões e nem equivalentes a menos de 50% do custo dos empreendimentos — só poderiam ser garantidos com todo o patrimônio de uma empresa. “A Odebrecth, por exemplo, faz projetos pelo mundo inteiro, cujos custos chegam à casa dos bilhões de dólares”, diz Souza. De acordo com o advogado, os projetos assessorados pelo escritório têm custos de implantação que variam de US$ 500 milhões a US$ 3 bilhões.

Para garantir o valor, as sócias da SPE podem oferecer bens e direitos equivalentes ao total financiado, na modalidade chamada full recourse, que é mais rara e está mais ligada com corporate finance tradicional. A responsabilidade também pode ser dividida, com a apresentação de garantias em montante equiparado a parte da dívida, no que é conhecido como limited recourse. No entanto, o que mais agrada aos acionistas das companhias — e que representa a essência da idéia do project finance — é o tipo non-recourse, em que os credores não têm qualquer acesso ao patrimônio de acionistas e patrocinadores do negócio.

O preço dos financiamentos non-recourse é ter de informar os financiadores em tempo real sobre cada passo dado. Não é possível driblar a fiscalização dos bancos, que acompanham diariamente a gestão do caixa e dos insumos, e o índice de endividamento do negócio, condições básicas já previstas nos contratos. Se quem põe o dinheiro achar que os resultados estão ruins, pode tomar o leme da mão das empresas.

As parcerias público-privadas (PPP) abriram ainda mais possibilidades para a investida. Como esses contratos funcionam por concessão — ou seja, as obras e a operação do empreendimento são feitas pela iniciativa privada, mas com apoio financeiro público —, as empresas têm a garantia de que, mesmo que o faturamento seja baixo, haverá sempre um valor mínimo pago pelo governo. “Isso ajuda na hora de negociar financiamentos com os bancos, que têm a certeza de que vão receber alguma coisa”, diz Alysson Cezar.

Investimento de longo prazo

As negociações nunca acontecem de uma só vez. Num primeiro momento, são acertados “empréstimos ponte”, de curto prazo, que servem de alavancagem para que o projeto saia do papel. Normalmente, esse período não é maior que um ano. Enquanto isso, outros pacotes de crédito são negociados e saem conforme os resultados planejados são alcançados. Nos projetos chamados de brownfield — em que um empreendimento é apenas reformado, mas já tem um fluxo de caixa fixo —, o crédito sai mais rápido. Já nos greenfield, em que o projeto não passa de uma idéia, os bancos precisam esperar a construção e implantação de toda a estrutura.


“O horizonte de uma usina de álcool, por exemplo, é de cinco anos, até que toda a área de plantio esteja ocupada e produtiva”, diz Alysson Cezar. Mas há empreendimentos cujo prazo de carência chega a vinte anos para os rendimentos começarem a aparecer. “Agora, esses prazos estão diminuindo por causa da crise de crédito. Depois de 2009, vamos voltar ao que era”, estima.

Os contratos são a maior preocupação nessas relações. Principalmente por parte dos financiadores, que desejam ter toda a certeza de que o dinheiro não está indo para o ralo ou que um imprevisto possa colocar tudo a perder antes que o negócio possa dar lucro. Já a preocupação dos empreendedores é com cláusulas revisionais, que permitam renegociação de garantias caso haja problemas não esperados. Por isso, tudo tem de ser previsto. “Nosso grupo tem especialistas em contratos, sociedades, tributos, finanças, meio ambiente e setores regulatórios como telecomunicações, energia e portos, por exemplo”, diz Souza.

Mesmo com maior resistência à crise, os project finance receberam respingos da “marolinha” financeira que chegou ao Brasil. Dos três projetos negociados com bancos pelo advogado Alysson Cezar, do Emerenciano, dois tiveram de ser renegociados devido à queda na expectativa de faturamento. “Os bancos sabem que não podem matar a galinha dos ovos de ouro, por isso aceitam fazer revisões. Nos casos mais graves, não chegam a executar as garantias, mas assumem o controle de algumas funções do negócio, inclusive interferindo nas decisões dos conselhos fiscais das SPE”, explica.

Preço de primeiro mundo

Proporcionalmente aos gigantescos valores financiados, os custos com o planejamento dos project finance também assustam. A reforma do Aeroporto Internacional de Quito, assessorada pelo Azevedo Sette, teve despesas de US$ 20 milhões com advogados, consultores, economistas, administradores, contadores e auditores, nas áreas de meio ambiente, engenharia e finanças, num total de 25 pessoas. Em um raio maior, outras cem pessoas participaram das negociações, incluindo representantes do governo equatoriano, banqueiros e empreendedores.

Segundo o advogado Frederico Bopp Dieterich, esses gastos se referem à complexa estrutura jurídica que envolve a participação de advogados de cada uma das sócias e dos países em que os empreendimentos são realizados, além de escritórios sediados em Nova York, onde quase a totalidade dos contratos são assinados. “É uma jurisdição estável, entendida de assuntos financeiros e onde os processos correm mais rápido”, explica. Segundo ele, as leis nova-iorquinas priorizam o que foi decidido em contrato acima de qualquer outra determinação. Em caso de problemas, nem o Judiciário é acionado, já que a arbitragem é o foro para a solução de divergências. “O conjunto sofisticado de contratos e instrumentos financeiros demanda muitas horas de reunião e revisão. Não é coisa para amador”, afirma.

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