Retrospectiva 2008

Do ponto de vista tributário, 2008 foi o ano do rato

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9 de janeiro de 2009, 20h49

Este texto sobre Direito Tributário faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

Em 2008, a China esteve na moda. No mundo inteiro, não se falou em outra coisa e parece que esse assunto ainda vai render muito. Exatamente por isso, ao fazermos uma retrospectiva da tributação brasileira em 2008, sucumbimos à tentação de quase acreditar nessa besteira de horóscopo, reconhecendo que o ano que se findou foi mesmo o ano do rato e tudo indica que teremos em 2009 o ano do boi.

Sem dúvida, tivemos o ano do rato, animal que é quase sinônimo de ladrão. Em matéria de tributos, fomos todos furtados, na medida em que a carga tributária não foi proporcional aos benefícios que os contribuintes receberam. Não tivemos, em troca dos imposto, a justiça, educação pública, segurança e saúde, ou, como se vê no preâmbulo da nossa Constituição “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.

Mas, com as últimas notícias do ano passado, que já estão em vigor, parece que teremos agora o ano do boi, o animal capaz de pular muito em ridículos rodeios, desde que se lhe apertem as chamadas partes pudendas, mas também capaz de carregar cargas imensas puxando carros com lentidão. Vamos, pois, à retrospectiva.

Tributos federais

No final de 2007 o Congresso rejeitou a MP que prorrogava a vigência da CPMF. O Ministério da Fazenda, com a cumplicidade de alguns governadores, anunciava perda de mais de R$ 40 bilhões de receita, colocando em risco o atendimento à saúde. Com isso, promoveu um aumento substancial do IOF e do IPI em vários produtos, com o que mais uma vez a arrecadação federal bateu todos os recordes, terminando 2008 com crescimento positivo, aproximando-se cada vez mais de 40% do PIB. Mas a saúde pública não melhorou quase nada.

Imposto de Renda

A tabela de retenção na fonte permaneceu sem as necessárias correções. Com isso, um número cada vez maior de trabalhadores continuou pagando tributo indevido, aumentando as filas de restituições.

Como se sabe, só existe restituição quando alguém pagou imposto a maior. Para agir como rato, o fisco inventou um monte de “maracutaias” para não devolver o imposto surrupiado. Uma delas foi glosar dedução de imposto retido na fonte quando esta não promoveu o recolhimento, prejudicando aquele que foi regularmente tributado e que não tem como se defender da retenção. O criminoso que se apropriou do dinheiro alheio, ou seja, a pessoa jurídica que reteve o imposto e não o recolheu, pouco ou nada sofreu. Para tanto, o fisco federal descumpriu normas legais e ignorou até seus próprios pareceres normativos. Afinal, o que são uma lei e um parecer normativo para quem ignora a própria Constituição?

A não correção da tabela do imposto de renda das pessoas físicas é um ato de confisco que a Constituição proíbe, pois o que se pode tributar é a “renda”, assim considerado aquilo que sobra depois de atendidas as necessidades básicas de uma família de quatro pessoas. O limite se isenção está abaixo disso. Os abatimentos com dependentes e educação não são suficientes para alimentar um dependente ou para pagar uma escola. Permanece assim a injustiça tributária, que vem de longa data.


Outra terrível picaretagem da legislação do imposto de renda é não permitir a correção dos valores dos bens que integram o patrimônio das pessoas físicas quando são alienados. Tributa-se um “ganho de capital” inexistente, estimulando simulações ou mesmo fraudes, pois inflação não pode ser tributada.

Para que não se diga que não ocorreu qualquer coisa boa em 2008 nessa área, louvemos o extermínio daquela idiotice de “declaração de isento”, que só servia para aumentar as filas nas repartições e atazanar a vida de pessoas humildes que, não tendo renda, ainda assim são vítimas desse rato sem-vergonha (alguns pensam que se trata de raposa) que ainda tem a petulância de vestir fantasia de leão.

Apenas acabar com a declaração de isento é pouco. Também não resolve muita coisa essa esmola de até R$ 89 por mês com que se pretende enganar o contribuinte, quando no final de 2008 foram criadas mais alíquotas. Tal “fortuna” não paga nem uma média com pão e manteiga por dia. Mais uma enganação do ano do rato.

Importação

Com a desculpa de fiscalizar as importações já pesadamente tributadas, o fisco federal passou a perseguir qualquer importador, inclusive as tradings menores, enquadrando meio mundo na famigerada IN 228, com a acusação de “interposição fraudulenta”.

Em vários casos, a Justiça protegeu os contribuintes contra tais abusos, mas sobrevieram retaliações, chegando-se ao absurdo de uma autoridade fazendária ter que ser ameaçada de processo criminal por desobediência, eis que, do alto de seu diploma de engenheiro, resolveu “interpretar” uma decisão judicial, taxando-a de “absurda”.

Tributos estaduais

No ICMS, ampliou-se a substituição tributária, rompendo-se com o princípio básico da não-cumulatividade a pretexto de combater a sonegação. Com isso, antecipou-se a cobrança do imposto, obrigando empresas a se pendurar nos financiamentos bancários para financiar tributos recolhidos antes da entrada do dinheiro resultante das vendas.

Como cada estado procura ser mais esperto que os outros, a legislação do ICMS, que já era confusa, virou uma bagunça tão grande que nem mesmo os agentes fiscais conseguem mais entender ou acompanhar. Isso, é claro, para não falarmos do sofrimento dos contadores, muitos dos quais já se tornaram clientes de psiquiatras e psicólogos.

O ICMS na energia elétrica continua sendo cobrado por fora, o que eleva a alíquota de 25% para 33%, quando seu valor deveria estar embutido no preço da energia. Aliás, na Constituição Federal de 88, cometeu-se um erro lamentável, pois energia elétrica é artigo de primeira necessidade, que tanto como a cesta básica não deveria se sujeitar a esse tributo.

Com relação ao IPVA, continua a cobrança de alíquota fora da realidade, pois veículos já sofrem incidência do IPI e do ICMS, que são impostos sobre o consumo, além da Cofins e PIS. Como impostos só podem incidir sobre consumo, patrimônio e renda, não faz sentido cobrar imposto sobre propriedade de algo que já é tributado como bem de consumo. O IPVA não deveria ter sido criado e já merece ser extinto há muito tempo, principalmente nesta época em que só existe estrada de verdade onde haja pedágio a pagar.


Por essas e mais aquelas, a guerra fiscal não será extinta e nem a famigerada reforma tributária será promovida, ainda que altas autoridades do país a tenham anunciado até como questão de honra. Ou não sabem o que é reforma, ou desconhecem o que seja honra.

Tributos municipais

Rato que é rato não conhece hierarquia nem observa limites territoriais, o que fez com que em 2008 os municípios (a maioria dos quais deveriam ser extintos e reduzidos a distritos) procurassem aumentar a arrecadação do ISS e do IPTU, além da cobrança de taxas indevidas e do grande desenvolvimento da indústria de multas, especialmente de trânsito.

Muitos prefeitos medíocres, assessorados por burocratas que nunca dirigiram nem mesmo uma barraca de pastel na feira, ainda imaginam que uma alíquota de ISS pode ser de 5%, ignorando que quando esse imposto foi criado, em 1967, não havia Cofins, PIS ou CSSL incidentes sobre a prestação de serviços.

A tributação do IPTU também registra muitas injustiças. Há prefeituras, por exemplo, que imaginam que o imposto deva acompanhar a inflação, quando se sabe que o valor venal pode variar abaixo desse índice, além de existirem inúmeros casos de desvalorização de imóveis. Tal é o caso de determinado edifício de apartamentos na região do Morumbi, na capital paulista, que, de alguns anos para cá, ficou cercado de favelas.

Claro que o contribuinte pode mover processos para reduzir esses abusos. Mas isso custa caro e é demorado, além de encontrar óbices terríveis quando se encontra pela frente um Judiciário pressionado pelos cortes de verbas e acostumado a imaginar-se nobre pelo simples fato de que boa parte de seus membros se julgue excelências ou tenham carro e motorista à disposição.

Insegurança jurídica

Em 2008, a questão tributária se tornou tão insegura que até o passado se tornou imprevisível. Súmulas foram revogadas ou ignoradas e a jurisprudência já não tem mais sentido, pois quem se imaginava isento passou a ser cobrado, como, por exemplo, no caso do ISS nas sociedades de serviços profissionais. Afinal, esse foi o ano do rato e esse é um bicho bem imprevisível.

Burocracia

As promessas de unificação de cadastros, que serviram para justificar a substituição do CGC pelo CNPJ, foram exatamente isso: promessas. No Ministério da Fazenda, houve uma melhora, mas nas administrações estaduais e sobretudo nos municípios ainda se exigem certidões que nada certificam e qualquer funcionário do guichê ao lado sempre encontra ou inventa dificuldades absurdas, em alguns casos para vender facilidades que o deveriam colocar na cadeia.

Ainda permanece em vigor essa bobagem de DCTF, coisa ilegal, inútil e desagradável, causadora de erros voluntários ou involuntários, que muita gente não consegue consertar, nem mesmo pagando duas vezes o que não era devido uma vez sequer.


O pior é que, se o fisco é ágil para apontar supostos erros, é extremamente incompetente para corrigi-los. Há milhares de casos de contribuintes que nada devem ao fisco, mas que, apontados como inadimplentes, sofrem prejuízos sérios, quando dependem de obter certidões negativas.

A situação se tornou tão grave que uma enorme quantidades de processos acha-se em andamento na Justiça, por causa dos erros que o fisco não consegue corrigir a tempo. Isso sem falarmos na ridícula Certidão Negativa de Inscrição na Dívida Ativa, emitida pela Procuradoria da Fazenda, instituída em 1967, época em que não havia os sistemas informatizados de hoje.

Tal certidão deveria ser extinta, sendo substituída apenas pela da Justiça Federal, pois não é razoável supor que a Procuradoria faça a inscrição da dívida apenas para infernizar o contribuinte. O objetivo da inscrição é viabilizar a cobrança executiva que é dever do Estado e que só se efetiva com a distribuição da ação de execução. Já está na hora de alguém no Ministério da Fazenda, levar a sério essa questão e eliminar as certidões inúteis, que só causam prejuízo, até para o próprio fisco.

Conclusão

Como já dizíamos na retrospectiva de 2004 (por sinal, foi o ano do macaco), se a economia ainda cresce, não é por causa do governo, mas apesar dele. Temos uma carga tributária insuportável, agravada com a inexistência de serviços a ela proporcionais. Sofremos uma burocracia idiota, que atrapalha quem quer trabalhar e nos sujeitamos a um sistema de insegurança jurídica tal que não sabemos, hoje, que imposto pagaremos amanhã.

Sem uma revisão dessas regras, sem uma reforma tributária verdadeira, nos transformaremos definitivamente no boi: podemos pastar um pouco, puxaremos carros com o governo açoitando nosso lombo, pularemos um pouco quando o sedém apertar nossas partes íntimas, mas, no final, seremos devorados em algum churrasco.

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