Acordo de acionistas

União de sócios minoritários evita abuso do poder de controle

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5 de janeiro de 2009, 15h56

A proteção dos sócios minoritários, seja qual for o tipo societário escolhido pelos participantes, de sociedades empresárias ou não, é sempre um tema acalorado e que provoca muitos debates, práticos e acadêmicos. Neste ponto destacamos, especialmente, a proteção dos acionistas minoritários de Sociedades Anônimas e de quotistas minoritários em Sociedades Limitadas via acordos de sócios (pactos parassociais). Sobre este tema pretendo percorrer algumas linhas através do presente artigo, visando pontuar algumas possibilidades.

Conhecer os institutos colocados à sua disposição, saber trabalhar com os mesmos, são ações que nos levam à efetiva aplicação do Direito, que nas palavras do saudoso jurista Miguel Reale: “A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra “abstrata” e um fato “concreto”, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude).[1]. Ora, acrescente-se à esta lição a necessidade de evolução dos conceitos e da aplicação do direito no tempo e considerando os novos tempos e novas necessidades do Estado e da sociedade brasileira.

Adentrando especificamente no tema proposto, inicialmente, parece-nos necessário fixar a primeira e importante noção relativa aos pactos parassociais, qual seja, a sua natureza contratual. Ainda que não totalmente pacífico na doutrina, assumimos a independência dos pactos parassociais do tema e da disciplina jurídica das sociedades, considerando que, mesmo existindo afinidades e inter relacionamento de matérias, o pacto será sempre acessório [2], autônomo, e não societário [3]. O pacto ou acordo parassocial é um contrato formal [4], que deve respeitar os princípios de normas pertinentes à disciplina jurídica dos contratos.

O pacto parassocial é um documento firmado por dois ou mais sócios de determinada sociedade, visando fixar regras e obrigações externas ao contrato de sociedade. Assim, possui autonomia formal em relação aos atos constitutivos ou regramentos societários impostos pelo ordenamento jurídico, tais como estatutos ou contratos sociais e suas respectivas alterações.

Imperiosa se faz a pontuação de que os acordos de acionistas e acordos de quotistas são contratos, que em sua natureza, são plurilaterais. Nestes termos, no tocante ao pacto parassocial e sua natureza plurilateral, identificarmos, quanto aos efeitos do contrato, que as partes comungam de interesses comuns quanto ao exercício de seus direitos e obrigações, com respeito à sociedade da qual o pacto tem sua natureza parassocial. O tema da plurilateralidade dos contratos foi cuidadosamente trabalhado por Tullio Ascarelli[5].

Quanto à forma, em sendo contrato, lembramos que o documento deverá respeitar os preceitos esculpidos no Código Civil brasileiro, no artigo 104, a saber: 1) agente capaz; 2) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e 3) forma prescrita em lei ou não defesa em lei. A forma prescrita em lei, é aquela fixada na Lei das Sociedades Anônimas, a Lei nº 6.404, 15 de dezembro de 1976, especificamente no seu artigo 118 e parágrafos, devendo ser cotejada com as disposições do Código Civil brasileiro vigente.


Quanto aos acordos de sócios, pontuamos uma importante diferença para o presente texto, tendo em vista que objetivamos o acordo firmado entre sócios minoritários, e não a posição de partes com menor participação em pactos parassociais. Ou seja, nesta última hipótese, literalmente, os minoritários do acordo de acionistas ou acordo de quotistas, lembrando alerta de Marcelo Paolini, que destacou: “A prática tem demonstrado que, com as inovações trazidas pela Lei nº 10.303, de 2001, ao artigo 118 da Lei das Sociedades Anônimas – a Lei nº 6.404, de 1976 -, a celebração de um acordo de acionistas passou a requerer maior reflexão, principalmente para aqueles que poderão tornar-se os minoritários do chamado bloco de controle formado pelo acordo.[6]. Pensar a condição do minoritário dentro do grupo de controle, no caso de participante de um pacto parassocial, é um ponto que deve ser pensado individualmente e merece considerações à parte, afora deste artigo.

Assim, pontuamos que a defesa dos interesses de sócios minoritários, considerando estes aqueles que estão fora do grupo e/ou bloco de controle, é fator importante, necessário e vital para a manutenção, inclusive da credibilidade, confiabilidade e sustentabilidade da confiança dos investidores e terceiros direta e/ou indiretamente ligados à determinada Sociedade. Neste sentido, para efeitos legais e norteadores de nossos conceitos (não obstante as discussões acadêmicas sobre o tema), devemos entender o acionista controlador como aquele definido pela Lei das Sociedades Anônimas, que em seu art. 116 estabelece que: “entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.[7].

A defesa dos interesses dos minoritários é tema importante e relevante, e, in casu, mediante a instituição, em determinadas situações, de acordos de acionistas e/ou de quotistas, é possível que objetivos previamente fixados e almejados sejam atingidos. Fábio Konder Comparato destaca a questão dos pólos de poder dentro da sociedade, identificando dois grupos, quais sejam, os de maior controle e os minoritários: “Por sua vez, as convenções de voto entre acionistas podem ser classificadas em dois grandes grupos: as que têm por objeto a organização do controle, seja ele totalitário (como nas sociedades de família) ou majoritário, e as que visam à defesa da minoria. Seu objeto não é apenas o voto, mas também – sobretudo nas convenções de minoria – o comparecimento ou não às assembléias da companhia.”[8].

Considerando a realidade brasileira, Calixto Salomão Filho destaca como maior virtude do pacto parassocial a sua função de ajustar e “disciplinar a instância de poder societário – fundamental dentro da realidade de excessiva concentração de poder das S.A. Brasileiras. Fazendo parte da estrutura societária, essa realidade é domesticada e submetida aos ditames maiores da lei e do estatuto.[9]. Nas palavras de Celso de Albuquerque Barreto, os acordos de acionistas “são celebrados em razão das pessoas dos contratantes, acionistas ou grupos de acionistas que se unem para assegurar o controle da companhia ou para melhor assegurar seus direitos de minoritários.”[10].


A união dos minoritários em torno de um acordo de acionistas e/ou quotistas pode, e usualmente é, decorrente de tentativas de coibir o excesso e o abuso do poder de controle. Esta união pode se dar de diversas formas, seja mediante a participação ativa dos minoritários em assembléias e reuniões, quando convocados, seja mediante efetiva fiscalização da administração das empresas e de seus administradores. Neste sentido, entendem muitos autores que tais acordos seriam acordos de defesa. Aqui o tema ganha relevância, considerando a possibilidade de que esta congregação de interesses dos minoritários pode operar-se mediante simples consenso em reunião e/ou assembléia, considerando a tomada de votos imediata in loco, ou pode advir de uma reunião prévia, sendo esta muitas vezes estipulada, gerida e organizada nos termos de um documento denominado acordo de quotistas e/ou acionistas.

Nestes termos, assim como para aqueles que integram o grupo e/ou bloco de controle, aos minoritários podemos identificar temas e interesses particulares convergentes relativos aos objetivos sociais da Sociedade. Esta convergência deve ou pode atingir todos os sócios de determinada Sociedade. Segundo Celso Barbi Filho, “os acionistas podem ter interesses particulares que são comuns. Em função desse fato, ao longo da evolução da estrutura jurídica das sociedades por ações, começaram, a desenvolver-se também ajustes parassociais entre acionistas, relativos a elementos de seu interesse na vida social.[11].

Neste sentido, o acordo de acionistas e/ou quotistas minoritários definitivamente constitui um instrumento capaz, eficaz, e hábil para buscar garantir e resguardar direitos, através da possibilidade de formação de uma minoria organizada (por meio de um contrato plurilateral), visando a atuação conjunta em reuniões e assembléias, na tentativa de fazer ouvir e perceber, além de registrar, suas opiniões e visões sobre os objetivos e negócios sociais.

Em matéria sobre a articulação dos minoritários, Haroldo Levy destacou considerar “a organização dos minoritários ainda incipiente no Brasil.[12]. Segundo a referida matéria, “o aumento das responsabilidades torna o cenário mais complexo: "Não é qualquer um que entra num Conselho de Administração, mesmo indicado por um grupo forte, o que favorece uma escolha mais adequada". Para ele (Haroldo Levy), um conselheiro capaz e independente dará mais equilíbrio à defesa dos minoritários e elevará a confiança de todos os investidores, mas por falta de experiência das empresas o trabalho de organização será demorado.[13]. Assim, o fomento de ações e medidas para uma melhor orientação e suporte aos minoritários é tema de grande relevância, não obstante o estudo dos instrumentos disponíveis aos operadores de direito e demais interessados.

Para concluirmos, especialmente se considerarmos o tema da transparência e governança, tão ventilado ultimamente em função da atual crise financeira internacional, devemos lembrar que o pequeno capital, alocado em grandes fundos ou em grandes entidades financeiras, movimenta e fornece recursos regulares às atividades produtivas e que são disponibilizados nos mercados mundiais. Em interessante e atual matéria, Alcides Tápias é citado, nos seguintes termos: “O pequeno capital deve ser muito bem tratado porque é barato e gera lucros; hoje estamos mais próximos do antigo ditado conhecido no interior, segundo o qual ”quem tem sócio tem patrão”. Ou seja, quem decide abrir o capital deve respeitar os interesses dos sócios para ser respeitado. E as empresas sabem que a transparência é muito mais valorizada pelo mercado.[14].


Desta forma, não somente proteger os sócios minoritários, e sim valorizá-los, respeitá-los, ouví-los e trabalhar conjuntamente se faz uma opção e um caminho necessário, visando manter, e porque não, recuperar a credibilidade que parece estar comprometida no seio da governança das empresas em um mundo globalizado.


[1]REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21ª ed. Revista e aumentada. São Paulo : Editora Saraiva, 1994, pág. 296

[2]O pacto parassocial perde sua razão de ser se a sociedade da qual os sócios signatários do acordo deixar de existir (falência, liqüidação, extinção) ou se os sócios deixarem de integrar o capital social da mesma (morte, cessão, exclusão). Desta forma, é acessório enquanto depender existencialmente da sociedade à qual está vinculado o pacto ou acordo parassocial. Na lição de Celso Barbi Filho: “O acordo de acionistas depende da companhia para existir. Entretanto, isso não cria vinculação necessária entre ele e os atos constitutivos da sociedade”. BARBI FILHO, Celso. Acordo de Acionistas: Panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro São Paulo, n 121. Nova série Ano XL. Janeiro-março de 2001, pág. 35

[3]Apesar de ser um contrato que fixa direitos e obrigações de determinado grupo de sócios de uma sociedade, e regular eventualmente direito de voto e controle da mesma, não se pode atribuir um caráter societário ao pacto, pois estaríamos por reconhecer a existência de uma sociedade dentro de outra sociedade, o que não pode ser admitido. Podemos ter uma sociedade (pessoa jurídica), sócia, controladora ou não, de outra sociedade (pessoa jurídica), mas não a situação de identificar a existência de um grupo de sócios (membros do pacto), aos quais pode ser atribuir uma affectio societatis, que irão compor um grupo interno e com intersecções a outro ainda maior (todos os sócios da sociedade), com os quais igualmente deve existir a affectio societatis, ou seja, na inter relação entre os grupos, poderíamos ter o absurdo de uma sociedade dentro de outra, o que não é possível admitir, salvo previsão expressa em lei. É o caso da existência, na esfera contábil e societária da Sociedade em Conta de Participação, que se confunde com a própria sociedade do sócio ostencivo, para efeitos da consecução dos objetivos aos quais se propõem os sócios. Não podemos confundir centros de poder dentro das relações societárias com contrato de sociedade em si. Neste sentido, vide: SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo : Malheiros Editores – 2ª Edição, reformulada – 2002, págs. 95 – 97; Celso Barbi Filho. Acordo de Acionistas: Panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro São Paulo, n 121. Nova série Ano XL. Janeiro-março de 2001, pág. 35

Opiniões contrárias na doutrina possuem defensores de peso. Neste sentido, vide: A. Lamy Filho e J. L. Bulhões Pedreira. Acordo de Acionistas. In A Lei das S.A. – Rio de Janeiro : Renovar, 1996, pág. 284 e seguintes. Rachel Sztajn. Acordo de Acionistas. In Fusões e Aquisições : aspectos jurídicos e econômicos / Jairo Saddi – organizador. São Paulo : IOB, 2002, parte 2, págs. 278 e 279


[4]“Não há mais dúvidas no Direito Brasileiro de que o acordo de acionistas tenha natureza jurídica de um contrato, cuja fonte imediata é a Lei das S/A e a mediata o direito das obrigações.”. BARBI FILHO, Celso. Acordo de Acionistas: Panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro São Paulo, n 121. Nova série Ano XL. Janeiro-março de 2001, pág. 35

[5]Para aprofundamento na questão do contrato plurilateral, vide: ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, págs. 372 a 452

[6]PAOLINI, Marcelo Trussardi. Os minoritários do acordo de acionistas. In Valor Econômico – 28/03/2006

[7]Lei nº 6.404, 15 de dezembro de 1976: “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”. A referida lei está disponível em https://www.planalto.gov.br

[8] COMPARATO. Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3ª ed. rev. atual. e corr. – Rio de Janeiro : Ed. Forense, 1983, pág. 177

[9] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo : Malheiros Editores – 2ª Edição, reformulada – 200, pág. 108

[10] BARRETO, Celso de Albuquerque. Acordo de Acionistas. Rio de Janeiro : Ed. Forense, 1982, pág. 39

[11] BARBI FILHO, Celso. Acordo de Acionistas. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, pág. 20

[12] CORAZZA, Martha Elizabeth, e BRAZ, Adriana. Minoritários: articulação decisiva. In Gazeta Mercantil – Caderno Finanças & Mercados – pág. 3 – 09/12/2005

[13] CORAZZA, Martha Elizabeth, e BRAZ, Adriana. ibidem

[14] CORAZZA, Martha Elizabeth, e BRAZ, Adriana. op. cit.

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